A substituição do hidrogênio cinza, proveniente de fontes fósseis, por hidrogênio verde pode impactar mais do que na redução das emissões dos gases de efeito estufa: pode ser a base para a retomada dos investimentos da indústria química no Brasil e, ainda, na redução do déficit da balança comercial do setor.
Depois de anos sem grandes investimentos no setor, a Unigel anunciou recentemente a construção de uma fábrica de hidrogênio verde no polo industrial de Camaçari (BA). Com investimento inicial de US$ 120 milhões, a unidade deve ser a maior do mundo e ficará ao lado de outras duas fábricas que produzem amônia e estirênico.
PARA ENTENDER
A fábrica deve entrar em operação no fim de 2023, com a produção de 10 mil toneladas de hidrogênio verde por ano. Parte dessa produção será convertida em 60 mil toneladas de amônia verde ao ano.
“Por muito tempo houve hiato de investimento na indústria química no Brasil”, diz Roberto Noronha, presidente da Unigel. “Estamos apostando no País com novos investimentos e temos a certeza que isso contribuirá para a redução do déficit da balança comercial do setor.”
O déficit comercial da balança de produtos químicos no Brasil é crescente, segundo Noronha, por dois motivos: a falta de investimentos locais e a dependência de fertilizantes importados. “Com a produção de hidrogênio verde, nossa ideia é ampliar a produção de amônia verde no Brasil e, consequentemente, fertilizantes verdes”, diz ele. “Não há investimento no setor químico no Brasil pelo Custo Brasil, de tributos e de matéria-prima não competitiva. Temos tomado decisões que ajudarão a reduzir o déficit da balança comercial.”
Uma década de crescimento
Segundo o diretor de Relações Institucionais da Associação Brasileira da Indústria Química (Abiquim), André Passos Cordeiro, o ciclo de investimentos no setor ocorreu entre 2006 e 2016. Foi uma década inteira com média anual de investimentos de US$ 2 bilhões. A partir de 2017, esse volume começou a baixar, ficando em US$ 600 milhões por ano.
O investimento da Unigel significa de certa forma uma retomada, diz Cordeiro. No primeiro semestre, o déficit acumulado da balança comercial de produtos químicos atingiu o recorde de US$ 29,7 bilhões, com aumento de 60% comparado com o mesmo período de 2021. O resultado do semestre é superior a grande parte dos déficits anuais nos últimos 30 anos.
“No Brasil, há passos para viabilizar projetos desse tipo da Unigel e avançar em outros projetos”, diz Cordeiro. “Há um projeto em carteira de reciclagem química de plásticos que transformam o plástico novamente em resina.”
Carbono zero
Fora o equilíbrio do déficit comercial, outro benefício da fábrica nova da Unigel é a descarbonização. João Zuneda, sócio fundador da consultoria MaxiQuim, diz haver uma tendência de descarbonização do setor industrial em diversas regiões do globo.
“Mesmo com as riquezas fósseis do pré-sal brasileiro, como o petróleo e o gás natural, o País tem uma grande oportunidade em um novo ciclo de investimento na indústria química, sem a utilização de matérias-primas fósseis. É aí que entra o hidrogênio verde”, afirma.
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Fontes de energias limpas, como a eólica e a fotovoltaica, são utilizadas agora para a produção. O Brasil já está em terceiro e quinto lugar no ranking global de produção destas energias. Quase metade do consumo energético no Nordeste brasileiro vem delas. Segundo Zuneda, é uma realidade batendo na porta da indústria química brasileira.
“Se somarmos a produção de hidrogênio, no qual a indústria química brasileira pode produzir, por exemplo, a amônia, matéria-prima para fertilizantes e inúmeros outros produtos químicos, a captura de CO2, o País pode retomar a produção de metanol. Ou seja, um novo ciclo de investimentos começa”, afirma.
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