BRASÍLIA - A capa do Estadão de 1º de dezembro de 1965 noticiava a votação decisiva, em segundo e último turno, de uma reforma tributária. A manchete da última sexta-feira, 15, do portal do Estadão e do impresso no dia seguinte mostrava que Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 45 havia sido aprovada: “Maior reforma desde a ditatura passa no Congresso”.
Entre uma e outra manchete, são quase 60 anos de história de um sistema tributário que foi ficando a cada ano mais caótico com tamanha complexidade, quantidade de exceções e guerra entre Estados e municípios, ganhando o apelido de “grande manicômio nacional”.
Se o apelido antigo hoje é considerado fora de lugar e politicamente incorreto para um mundo que presta mais atenção às diferenças, as discussões que embasaram as negociações nos últimos anos em torno de uma nova tributação sobre os consumos rondavam praticamente em torno de mesmos temas: repartição de recurso, fundo de desenvolvimento regional, destino da Zona Franca de Manaus, fim da cumulatividade, risco de aumento da carga tributária, alíquotas, cobrança da desoneração da folha, volta ou não da CPMF e, mais recentemente, desoneração da cesta básica e mecanismo de devolução do imposto para as classes mais pobres - que, nas negociações deste ano, popularizou o nome em inglês de cashback.
Uma pesquisa pelo acervo do Estadão sobre esse longo caminho até a votação histórica deste 15 de dezembro de 2023 pinçou alguns momentos da difícil trajetória de tentativas frustradas de modernizar a tributação sobre o consumo ao longos dos últimos 30 anos.
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Duas dessas manchetes são um retrato do que aconteceu: “Tancredo anuncia Reforma Tributária” e “FH muda e adia reforma tributária” - um vaivém que se repetiu numa espécie de “Dia da Marmota”. Num determinado momento, a reforma estava quase lá e tinha “tudo para avançar”, de acordo com o governo de plantão, para logo em seguida ser adiada por falta de vontade política, problemas emergenciais, como crises econômicas, e também força dos opositores da PEC no Congresso para barrar o seu avanço, como o setor de serviços - grupos organizados que trabalharam para que ela não fosse para frente.
Esse script levou ao descrédito, no início deste ano, de que a reforma seria finalmente aprovada no primeiro ano do governo Lula 3. Para surpresa dos incrédulos, o ano termina com a reforma aprovada, puxando uma onda positiva nesta reta final do ano, com a decisão da agência S&P de subir a nota do País como resposta ao resultado da votação.
O grande destaque da reforma é que ela foi ampla e pensada para valer por décadas, incorporando elementos do Imposto sobre Valor Agregado (IVA) que não existem em outros países. Ela vai poupar um tempo do contribuinte, que não precisará gastar o mês todo para preencher guias. Mesmo as exceções se referem a alíquotas - ou seja, fatos geradores, base de cálculo e incidências foram mantidas. O esqueleto e espinha dorsal foram preservados
Se vai dar certo e virar a chave do Brasil para um novo ciclo de investimentos e crescimento, o tempo dirá - inclusive para os críticos ferozes da reforma, que até agora seguem apontando imperfeições e prevendo o pior.
A reforma sobre consumo não acaba com a promulgação da emenda nesta quarta-feira, 20. Uma nova fase vem por aí com a regulamentação. São esperadas pelo menos três leis complementares. Um nova e decisiva etapa de colocar a reforma de fato em pé, num ambiente político em que não há espaço para aumento da carga tributária.
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