Apesar do discurso inclusivo cada vez mais presente no mundo corporativo, a liderança das 1.100 maiores organizações brasileiras continua sendo ocupada por homens brancos, sem deficiência e heterossexuais, mostra uma pesquisa. O levantamento feito pelo Instituto Ethos e pelo Ipec (Inteligência em Pesquisa e Consultoria Estratégica) revela que prevalece a baixa representatividade de mulheres, pessoas negras, pessoas com deficiência e das pessoas LGBTI+ nas principais empresas brasileiras, apesar do “ganho de consciência sobre a importância desse tema”. O estudo será lançado nesta quarta-feira, 18, durante a Conferência Ethos 360º, em São Paulo.
Como nos levantamentos anteriores realizados pelo Ethos, os dados mostram um claro “afunilamento hierárquico”. Traduzindo em números: apesar de ocupar mais da metade das vagas na base da hierarquia de uma empresa, pessoas negras ainda não ocupam nem 40% do primeiro degrau de gestão (coordenador). Quando a cadeira fica no conselho de administração, o porcentual despenca para menos de 6%. As estatísticas são praticamente iguais no retrato sobre gênero. As mulheres, porém, já ocupam 18,6% dos assentos em conselhos de administração.
Há uma diferença brutal nos dados quando é feita a interseccionalidade, ou seja, o retrato estatístico das pessoas pertencentes a mais de um grupo de diversidade. Enquanto mulheres brancas ocupam 23,5% dos cargos executivos, mulheres negras estão em apenas 3,4% deles. O estudo destaca que esse fenômeno na hierarquia é conhecido como “degrau quebrado”, de acordo com a psicóloga Monique Stony.
Diagnóstico sem ação
A diretora-adjunta do Ethos, Ana Lucia Custódio, afirma que as entrevistas com os executivos demonstram que a resistência ao tema da diversidade nas empresas vem diminuindo ao longo dos anos. “Isso é resultado da discussão e da reverberação sobre a necessidade da inclusão que está na sociedade”, disse Custódio, acrescentando que a o tema era uma “não agenda” no passado. “A conscientização precisa se transformar em ações. É essencial estabelecer políticas e práticas transformadoras, que tenham metas de inclusão robustas”, diz Caio Magri, diretor-presidente do Instituto Ethos.
As lideranças ouvidas atribuem esta baixa representatividade a três motivos principais e que são, basicamente, os mesmos citados na última edição da pesquisa, realizada há seis anos. São eles: ausência de programas de liderança que impulsionem estes profissionais para cargos mais estratégicos; ausência de políticas, ações afirmativas e práticas de diversidade e inclusão; e falta de qualificação profissional para os cargos.
“O que traz resultado é um conjunto articulado de ações, que contempla, inclusive, o desenvolvimento do ambiente e da cultura corporativa”, afirma a diretora-adjunta do Instituto Ethos. Uma mudança pertinente, diz Custódio, é a mudança do perfil das vagas. Ela conta que há um perfil nos postos de liderança que faz com que um determinado padrão venha a ocupar essas vagas.
As ações afirmativas existentes atuam, majoritariamente, na “porta de entrada”. “Ainda faltam políticas que elevem os níveis de diversidade em diferentes posições e que considerem as interseccionalidades”, diz o relatório. Entre as políticas e metas das empresas, mais da metade (51,6%) tratam da ampliação da representatividade das mulheres em cargos de liderança. Quando se observam as iniciativas para inclusão de pessoas negras, pessoas com deficiência, pessoas com mais de 45 ou pessoas LGBTI+, o porcentual é de menos da metade (45%).
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Uma boa notícia é que os resultados aparecem quando há metas claras e o propósito de reduzir a desigualdade entre o censo populacional brasileiro e o retrato das grandes empresas. Um exemplo disso é no esforço de levar mais mulheres para cargos de chefia. Como mencionado anteriormente, elas ocupam 18,6% das cadeiras em conselhos de administração. O número está muito distante dos 51,5%, o porcentual de mulheres no Brasil, segundo o censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) de 2022. Mas também já ganhou boa distância do porcentual (7,6%) revelado na edição de 2016 da pesquisa do Instituto Ethos.
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