Para o grupo norueguês Hydro, maior produtor integrado de alumínio do mundo e com enorme presença no Pará, a realização da COP-30 (30.ª Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas), prevista para novembro em Belém, será um marco para o País e para a região Amazônica. “É uma oportunidade grande de discussão de temas relacionados ao clima e à preservação da natureza para todas as empresas da região, sociedade brasileira e representantes de outros países. Tenho a expectativa de que será a melhor COP da história, pois será a única com uma floresta ao lado”, diz Anderson Baranov, presidente da Hydro Brasil.
A gigante europeia do alumínio, fundada em 1905, que tem o governo da Noruega como um dos maiores acionistas, com 35% do capital, ganhou projeção no País ao comprar os ativos de alumínio da Vale em 2010, tornando-se a maior companhia local do setor. No Pará, informa Baranov, a Hydro faz mineração de bauxita, em Paragominas, que é enviada através de um mineroduto de 244 quilômetros para refino na Alunorte (maior refinaria de alumina do mundo), em Barcarena. A menos de 500 metros fica a Albras, que transforma a alumina em lingotes do metal.
Nas regiões Sudeste e Sul - Itu (SP), Santo André (SP) e Tubarão (SC) -, a Hydro opera três unidades fabris de extrusão - transformação do tarugo de alumínio em perfis, material usado na construção civil, bens de consumo, indústria elétrica e transportes. A empresa está presente ainda em geração de energia renovável, com duas empresas controladas, a Hydro Rein e Hydro Energia, que já anunciaram investimentos em parques eólicos e solares no Rio Grande do Norte e Piauí. “São investimentos de peso voltados para nossa pegada de descarbonização”, diz o executivo. Desde 2022, os aportes de recursos chegam a R$ 8,8 bilhões em vários projetos, informa Baranov.
A Hydro se posiciona, em faturamento consolidado, entre as maiores companhias no Brasil. Nas quatro áreas de atuação, da mineração de bauxita, refino da alumina, fundição do alumínio até a extrusão do metal, a companhia norueguesa atingiu, em 2023, conforme publicações especializadas, receita líquida operacional de quase R$ 19 bilhões. A empresa conta com capacidade de produzir ao ano 11 milhões de toneladas de bauxita, 6,3 milhões de alumina e 460 mil de alumínio. A partir do Brasil, abastece suas fábricas na Europa.
A seguir, os principais trechos da entrevista:
Qual a importância da realização da COP-30, neste ano, justamente no Pará, onde a Hydro tem a maior parte de suas operações no País? O que isso significa para a companhia?
É um grande desafio a COP em Belém, um marco. Vai ser uma mudança muito significativa para a indústria. É uma oportunidade muito grande para todas as empresas instaladas na região e para sociedade brasileira. Tenho a expectativa de que será a melhor COP da história, pois será a única com a floresta do lado. A Amazônia é o pulmão do mundo. Haverá muitas oportunidades e desafios. Muitas pessoas virão para o evento e poderão, de fato, entender o que é a Amazônia e seus desafios, e do País. Hoje, muito se fala sem muito saber o que de fato ocorre aqui. Uma grande oportunidade para se discutir a Amazônia, a natureza, com maior conhecimento. O governo está trabalhando uma infraestrutura para ter capacidade de receber bem todos os convidados, para que possamos ter discussões saudáveis, pró- Amazônia.
A empresa está no coração do Pará, é uma participante quase anfitriã do evento. Tem algo especial preparado para este ano?
A Hydro vem trabalhando com seus parceiros para ter uma participação robusta. Primeiramente, a maior entrega de descarbonização (redução das emissões de dióxido de carbono), para a COP, que estamos finalizando. É a nossa troca de matriz energética na Alunorte, de óleo combustível para gás natural. A Alunorte passa a ser o maior consumidor de gás natural do País. Por si só, mostra todo nosso comprometimento com a descarbonização. A Hydro tem participado das COPs ativamente, com palestras e debates. Queremos receber todas as comunidades (religiosas, indígenas, ONGs) que vão participar, para mostrar a mineração que fazemos no Pará. A COP tem discutindo muito a questão climática, mas começa também a se engajar na parte social.
Como a Hydro vem se posicionando na questão da sustentabilidade?
Nos últimos dois anos, de 2022 para cá, a Hydro investiu R$ 8,8 bilhões em descarbonização. Parte desse valor - R$ 1,3 bilhão - foi a mudança da matriz energética da Hydro Alunorte, maior refinaria de alumina do mundo - de óleo combustível para gás natural. Foi um processo bastante robusto, que envolveu também a troca de todas as caldeiras elétricas por energia renovável. Já estamos com duas em operação e contaremos com todas até a COP. Nesse projeto foram aplicados R$ 300 milhões. Há ainda investimentos em geração de energia eólica e solar, pela Hydro Rein e Hydro Energia, que fornecer energia limpa para nossas operações.
Em emissão de CO2, como está a companhia no Brasil?
O projeto é zerar em 2050. Temos uma etapa agora, que visa a reduzir 10% até 2026, e outra de atingir 30% até 2030. Nossas emissões são menos de um terço da média mundial. Estamos, no Brasil, numa liderança de indústria de baixa emissão de carbono. Não é barato para atingir o grau de empresa de alto nível de sustentabilidade. Aqui, estamos aplicando quase R$ 9 bilhões desde 2022.
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A Hydro está presente em toda a cadeia de valor do alumínio - da mineração até produtos finais extrudados do metal. Como é isso?
O grupo mantém a visão de produtor integrado, diferente de muitas outras companhias do setor no mundo. Com certeza, há ganhos, nos dias atuais, na rastreabilidade do produto, principalmente na descarbonização. Podemos enxergar toda a cadeia de valor do produto, todos os investimentos, sociais e ambientais, realizados. A empresa tem a segurança do processo ponta a ponta. Hoje, já há uma exigência de mercado para produtos com essa qualificação. Temos vários parceiros (consumidores) na Europa que estão com a Hydro devido a essa pegada ambiental, de conhecer o produto em toda a sua trajetória.
Eles estão dispostos a pagar um prêmio pelo ‘alumínio verde’?
Existe sim essa disposição de pagar um prêmio, mas, ao mesmo tempo, há questão de competitividade. Se não tem, a empresa limita seu mercado, pois os consumidores são companhias de renome, como fabricantes de automóveis ou de aparelhos celulares, que querem ter um produto de origem ambientalmente responsável, respeito aos direitos humanos, diversidade, conexão com as comunidades. São produtos que vão se posicionar de maneira diferente. Em algum momento esse esforço será remunerado, não só financeiramente, mas também pela expansão do mercado.
Como a companhia está posicionada em seus negócios no País?
Não temos, neste momento, projetos de crescimento da produção. Nossa produção de bauxita (minério de onde extrai o alumínio) é bem estabilizada, chegou aos níveis que a empresa buscava, bem como a refinaria (unidade industrial onde se produz a alumina a partir da bauxita), com preocupação de não elevar o volume, porque gera emissões (de CO2) para controlar. A Hydro está muito sólida nos volumes atuais. A preocupação é tornar a produção mais limpa, com transição energética, descarbonização e o que mais for necessário.
Como está a relação da empresa com as comunidades próximas às suas operações?
Temos por definição sermos um bom vizinho, sem gerar incômodos e apoiando ações. Isso está bem claro na companhia, dentro de cada projeto, de cada ação. Não é fácil e requer muita transparência da parte da empresa.
Por ser de origem norueguesa, com participação de 35% do governo no capital, e considerando que os países europeus estão bem avançados nas discussões do clima, o que isso influencia na atuação da companhia?
Traz muita responsabilidade, pela participação acionária e porque a Hydro atua na Amazônia. A Noruega é um país extremamente preocupado com a região, por abrigar essa floresta gigante. É o maior investidor do Fundo Amazônia. Temos muita conexão com as autoridades do país. É importante estarmos alinhados, e considerar a realidade, bem diferente, de cada um dos dois países. A Noruega cresceu muito nas últimas décadas e se tornou referência em muitas discussões ligadas ao meio ambiente.
O sr. já mencionou investimentos de R$ 8,8 bilhões, desde 2022. A Hydro tem um pacote até 2030?
Esse valor já foi gasto. Vamos ter continuidade, mas estamos em fase de planejamento e definindo valores. Grande parte vai ser destinada para descarbonização, sustentabilidade. Há vários projetos que vão além disso, por exemplo, o de recuperação do rejeito (oriundo da refinaria de alumina) , que está a cargo da Wave Aluminum (empresa especializada na recuperação de minerais e metais de rejeitos), que está funcionando bem. Também o de uso de caroço do açaí como biomassa, substituindo carvão mineral na unidade de refino, como combustível alternativo. O carvão é CO2 na veia, mas será totalmente substituído até 2030. Já temos muita mistura de caroço de açaí no carvão.
E o rejeito da mineração de bauxita, é colocado em barragens?
Temos o sistema de preenchimento reverso a seco de rejeitos, ou Taling Dry Backfill (TDB),que desenvolvemos em 2021 e nos permite eliminar de vez as barragens. Retiramos toda a terra, extraímos a bauxita e então há um prazo, de cerca de dois anos, período que o material fica secando em áreas temporárias. Depois volta para a terra original, sem a bauxita, antes de a área ser reflorestada. Antigamente, se arrancava toda a bauxita e ia empilhando esse material. Agora, ele é devolvido para a natureza.
Na Alunorte, no processo de produção da alumina, qual a destinação do resíduo gerado?
Temos o que chamamos de DRS (depósito de resíduos sólidos). Aquela “lama vermelha” passa por filtro prensa, gera um resíduo seco, com 78% de material sólido, que é empilhado e compactado. Há vários estudos para uso de resíduos da bauxita na produção de cimento, minerais secundários, condicionadores de solos e agregados de concreto. O que sobra vai para a área de recomposição e reflorestamento. Temos um acordo com a Wave de montar uma fábrica em Barcarena e, desse resíduo, fazer a extração de minerais e metais.
O sr. considera que já foi revertida a imagem negativa do rompimento de uma barragem da Alunorte, em decorrência daquela chuva de 2018 que inundou Barcarena?
O lado negativo fixa mais que o positivo, por mais que se faça investimentos. Mais de 90 relatórios apontam que não houve contaminação, não houve acidente. Há um TAC (Termo de Ajustamento de Conduta), com estudos independente, que comprovam isso. No entanto, há discussões judiciais ainda. Tecnicamente, mostramos que não ocorreu contaminação. Na verdade, foram fortes chuvas na região que alagaram não só a empresa, como também a cidade. Independentemente, fizemos essa grande piscina para reter água de chuva da nossa operação e da cidade. Não houve mais enchentes depois disso. Foi um grande investimento realizado. Também assumimos, à época, por liberalidade, a construção de uma usina de reciclagem. O valor remanescente atualizado e depositado na conta do governo, em um fundo, em novembro, foi de R$ 164 milhões.
Mas a empresa chegou a ser alvo de investigações.
Aquele incidente gerou para a companhia três Comissões Parlamentares de Inquérito (CPI). Duas delas, federais. As recomendações não foram diferentes do que a empresa acertou no TAC com o governo do Pará e no TC (Termo de Compromisso) estadual.
Voltando à COP-30: na sua avaliação, qual será o grande tema do evento?
Creio que vai ser a preservação da Amazônia. Mas também como fazer que a região cresça, se desenvolva e como parte dela possa ser explorada de forma responsável. Ver o que é mineração legal e diferenciar daquela que é ilegal e como atuar na região preservando o meio ambiente. Hoje, a indústria tem um papel pequeno na região.
A bioeconomia na Amazônia tem condições de ganhar maior expressão com a COP de Belém, uma vez que há uma grande diversidade na região?
A Amazônia é muito grande e o País tem muitos desafios. A indústria tem muito a contribuir, mas é preciso planejar, envolver Congresso Nacional, criar legislação, as licenças já têm condicionantes. Ninguém melhor que o evento de Belém para ser esse marco. Temos a floresta em pé, podemos gerar riqueza preservando o meio ambiente. O brasileiro é criticado, mas pergunto quem preserva melhor a natureza que o brasileiro, independentemente de todos os problemas que há no Brasil. Esse será o grande diferencial da COP de Belém, que ocorre justamente onde está a grande floresta amazônica, com seus rios enormes. O compromisso do mundo com a Amazônia é porque é um local a ser preservado no mundo. A questão climática já é uma realidade mundial: chuva e alagamentos no deserto, falta de água onde tinha abundância... Creio que a COP-30 vai trazer um pragmatismo maior para as ações.
O que a COP-29, no Azerbaijão, deixou de relevante para discussão em Belém?
Na minha avaliação, a remuneração do carbono, que está e foi bastante discutida lá. Houve alguns avanços e pode ter evolução aqui. A delegação brasileira vem crescendo nas últimas COPs e começamos a ver discussões de várias partes interessadas: indústria, governos, ONGs, bancos, consultorias, jornalistas especializados. Vejo uma organização cada vez maior e palestrantes buscando mostrar projetos, por exemplo, de descarbonização, e empresas e governos buscando ter maior pragmatismo.
A questão do financiamento por países desenvolvidos vai ser um tema de relevância em Belém? Na COP-29 foi fechado valor de US$ 300 bilhões, mas se fala na necessidade de US$ 1 trilhão ao ano
Na minha avaliação, sim. Uma questão importante, que na Semana do Clima, em Nova York, já teve um processo liderado pelo governo do Pará, é a venda de crédito de carbono para beneficiar comunidades indígenas, quilombolas, povos tradicionais e outras questões da Amazônia. Tem muita gente engajada, muita gente querendo entender como é que funciona. Essa onda começou.