RIO - O descontentamento provocado por mudanças adotadas por Marcio Pochmann na presidência do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) motivou duas cartas abertas assinadas por coordenadores e gerentes e enviadas para o Conselho Diretor do órgão. As cartas, emitidas entre o fim de agosto e início de setembro, incluem assinaturas de responsáveis pelas pesquisas que apuram os principais indicadores econômicos do País. Entre as medidas questionadas, está a criação da Fundação IBGE+. A crise interna na instituição responsável pelos indicadores econômicos, exposta por convocação de protesto por sindicato, causou impacto negativo no mercado nesta sexta-feira, 20, e contribuiu para a aversão ao risco: o dólar fechou o dia em alta de 1,78%, a R$ 5,5209, e o Ibovespa, da B3, a Bolsa de São Paulo, em baixa de 1,55%, aos 131.065,44 pontos.
Procurada pelo Estadão/Broadcast, a direção do IBGE não se manifestou sobre o assunto até a publicação desta reportagem.
As cartas foram assinadas por integrantes das diretorias de Pesquisas (DPE) e de Geociências (DGC). Entre as contrariedades destacadas pelos gestores da DGC, estão a alteração do Estatuto do IBGE e a criação da Fundação IBGE+.
“Sobre as notícias de mudanças do Estatuto do IBGE e as eventuais implicações de tais mudanças sobre a estrutura organizacional, além da criação de uma fundação vinculada ao Instituto (Fundação IBGE+), consideramos necessário e de extrema importância que essas propostas sejam apresentadas e debatidas com o experiente e competente corpo técnico do IBGE, explicitando os objetivos dessas iniciativas e os ganhos pretendidos pela Alta Direção. A veiculação pela Intranet e deficiente participação do corpo técnico em tais iniciativas levantam uma série de questões e enorme ruído de comunicação”, escreveram os técnicos de Geociências.
O Sindicato Nacional dos Servidores do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (Assibge) tentou obter esclarecimentos sobre a criação, em 12 de julho, pela atual direção do IBGE, de uma fundação pública de direito privado chamada “IBGE+”.
Segundo o sindicato, a existência da nova fundação foi divulgada aos trabalhadores quase dois meses depois, apenas em 9 de setembro, “de maneira panfletária e superficial”, sem divulgar o estatuto, onde seria possível verificar como serão preenchidos seus cargos.
O sindicato alerta ainda que o estatuto da nova fundação permite contratação de funcionários pela CLT e obtenção de financiamento por contratos, convênios, acordos de parcerias e outros instrumentos congêneres celebrados com o Poder Público e com a iniciativa privada.
Os gestores da Diretoria de Tecnologia da Informação (DTI) também teriam manifestado suas preocupações em documento, a exemplo das duas diretorias mencionadas, conforme apurou o Estadão/Broadcast.
As cartas abertas foram assinadas por coordenadores e gerentes das duas principais diretorias do IBGE: a Diretoria de Pesquisas (DPE) e a Diretoria de Geociências (DGC). Entre os signatários estão:
- Rebeca Palis, responsável pelas Contas Nacionais, que calcula o Produto Interno Bruto (PIB) do País;
- Adriana Beringuy, responsável pela divulgação da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad Contínua), que apura a taxa de desemprego;
- André Macedo, responsável pela Pesquisa Industrial Mensal, sobre a produção industrial;
- Cristiano Santos, responsável pela Pesquisa Mensal de Comércio, com dados das vendas no varejo; e
- Rodrigo Lobo, responsável pela Pesquisa Mensal de Serviços, que apura o volume de serviços prestados no País.
Trechos da carta da área de Pesquisas
“A presente carta expressa fundamentalmente uma grande preocupação, que atinge nesse momento todo o corpo gerencial e de funcionários da DPE (Diretoria de Pesquisas). Informações disseminadas nos últimos dias e sucessão de fatos relevantes têm gerado ruídos na comunicação entre direção, corpo gerencial e funcionários. São aflições que, na verdade, inscrevem-se num contexto mais geral de percepção negativa sobre a atual gestão do IBGE referente a uma certa ausência nos processos decisórios de atributos desejáveis como: planejamento adequado e coerente; coordenação com as diversas diretorias; e comunicação adequada e articulada de fatos relevantes e maior participação”, manifestaram os coordenadores e gerentes da Diretoria de Pesquisas, em uma das cartas.
O documento menciona ainda sugestões para “a melhoria do ambiente institucional, hoje claramente conturbado”, defendendo também a necessidade de aprimoramento na comunicação da direção atual com os servidores. O corpo gerencial da DPE se declara contrário a quatro medidas da presidência do órgão: retorno de todos os servidores ao regime híbrido em outubro/2024; entrega do prédio da Avenida Chile, no centro do Rio, até dezembro/2024; opções de realocação do corpo funcional; regra das “exceções” do retorno ao trabalho híbrido.
“Ressalta-se também o sentimento de ansiedade e enorme insatisfação, que acomete atualmente os servidores, desestimulando a sua participação em atividades de caráter mais coletivo, como em Grupos de Trabalho — GTs e eventos, bem como incentivando-os a migrar para carreiras que oferecem vantagens muito maiores relativamente àquelas hoje ofertadas pelo IBGE. A sensação é que estamos ampliando o leque de desestímulos, num ambiente de grave escassez de pessoal, excesso de demandas e responsabilidades, cronogramas apertados, além de falta de ferramentas adequadas de trabalho. É importante mencionar nossa concordância com o movimento de redução dos custos do IBGE, mas não da forma que está sendo proposto”, escreveram os servidores.
Queixas da área de Geociências
A carta dos coordenadores e gerentes da Diretoria de Geociências (DGC) seguiu linha semelhante:
“A ausência de um processo decisório institucionalizado compromete a efetividade das ações e, sobretudo, a harmonia do ambiente de trabalho e o engajamento das equipes com a missão institucional do IBGE. A falta de participação ativa dos/as coordenadores/as, gerentes e equipes em discussões fundamentais e no processo decisório do Instituto enfraquece o sentido de responsabilidade compartilhada e impede que as decisões contemplem a realidade e as especificidades de cada área”, escreveu o corpo gerencial da DGC.
Sindicato convoca servidores
O sindicato nacional dos servidores do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, Assibge-SN, convocou nesta sexta-feira, 20, os trabalhadores a aderir a um ato de protesto “contra as medidas autoritárias” do atual presidente do instituto.
A manifestação foi aprovada em assembleia por servidores do IBGE lotados na unidade da Avenida Chile, no centro da capital fluminense. O ato de rua foi marcado para a próxima quinta-feira, 26 de setembro, às 10h, em frente à sede do IBGE no Rio de Janeiro, na Avenida Franklin Roosevelt.
“O ato exigirá que o presidente do IBGE, Marcio Pochmann, altere o comportamento autoritário que tem marcado suas ações recentes e estabeleça um real processo de diálogo com os servidores em relação às diversas alterações em curso no Instituto (mudança no regime de trabalho, transferência para o prédio do Serpro no Horto, criação de uma Fundação de Direito Privado, alteração do estatuto, entre outras)”, anunciou o sindicato, em nota.
A manifestação do sindicato, ao expor a crise interna no instituto responsável pelos indicadores econômicos, causou impacto no mercado financeiro nesta sexta-feira, 20.
“A convocação do ato acaba indicando uma degradação do governo até dentro de sua própria base, e não só da oposição. Isso pode gerar problema para que o governo passe emendas dentro do Congresso e do Senado. Então não é tanto pela manifestação em si, mas mais pelo simbolismo que representa para o governo”, comentou Fabrizio Velloni, economista-chefe da Frente Corretora.
Mudanças de Pochmann no IBGE
Em entrevista concedida ao Estadão/Broadcast em 21 de agosto, Pochmann revelou que preparava um novo plano de trabalho para o IBGE, que previa uma reorganização para assimilar a atuação do instituto como coordenador do Sistema Nacional de Geociências, Estatísticas e Dados (Singed). As mudanças incluem a incorporação de novas tecnologias, mas também a migração de trabalhadores do trabalho remoto para o presencial, a confecção de um novo estatuto e até uma reformulação do organograma gerencial.
Poucos dias depois da declaração de Pochmann ao Estadão/Broadcast, a Executiva Nacional da Assibge enviou um ofício à direção do instituto pedindo esclarecimentos sobre a reformulação do estatuto do órgão. A Assibge tem reagido com frequência a declarações e medidas de Pochmann, que vêm provocando insatisfação crescente entre o corpo técnico.
Os trabalhadores alegam falta de diálogo prévio e de tempo hábil de adaptação em mudanças como a portaria que altera o regime de trabalho no instituto, de remoto para híbrido. Outra ação que gerou insatisfação foram anúncios de mudança no local de trabalho de servidores, que seriam deslocados para outros bairros.
Servidores abriram um abaixo-assinado online contra a transferência da unidade do IBGE da Avenida Chile, no centro do Rio, para o prédio do Serviço Federal de Processamento de Dados (Serpro), no bairro do Horto, na zona sul.
Em junho, Pochmann já afirmara, através de publicação em uma rede social, que o IBGE estava devolvendo imóveis alugados na capital fluminense, mirando a redução de custos com a locação de “unidades alugadas a peso de ouro”, que permaneceram parcialmente ociosas após o regime de trabalho remoto implementado no órgão durante a pandemia de covid-19. Os servidores estariam sendo deslocados para o trabalho presencial de escritórios no centro do Rio para a unidade do IBGE de Parada de Lucas, na Avenida Brasil, na zona norte.
Em ambas as situações, os servidores reagiram com questionamentos sobre a oferta reduzida de transporte público e o custo mais elevado com logística, por exemplo.
Nesta sexta-feira, circulava entre servidores do IBGE uma carta anônima publicada na internet, que desfiava uma série de críticas a Pochmann. O texto chama a gestão do presidente de “centralizadora e autoritária”, pedindo o fim de seu mandato à frente do instituto.
“A continuidade desse mandato está comprometendo gravemente o funcionamento da instituição, e o impacto negativo dessas decisões já é sentido diariamente pelos trabalhadores e pela qualidade do trabalho realizado”, diz o texto. “Clamamos pela urgente necessidade de uma gestão mais transparente, participativa e comprometida com a preservação da missão pública e da independência do Instituto.” /Com Caroline Aragaki
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