A eleição de Donald Trump nos Estados Unidos, definida nesta quarta-feira, 6, pode ter deixado o cenário mais difícil para a economia brasileira. Entre os analistas, existe uma leitura de que as políticas propostas pelo republicano - se avançarem - devem deixar o dólar e os juros mais altos.
Uma das questões que mais preocupam é a possibilidade de o novo presidente elevar tarifas de importação, uma medida considerada inflacionária e que pode provocar também um imbróglio no comércio internacional.
No Brasil, a barra mais alta do cenário externo pressiona ainda mais o governo federal a colocar de pé a agenda de corte de gastos para melhorar a saúde das contas públicas. O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, se reuniu com outros ministro para discutir o pacote de ajuste fiscal e disse que seus colegas “estão muito conscientes da tarefa que temos pela frente.”
Leia abaixo a avaliação de economistas convidados pelo Estadão sobre qual é o cenário que se desenha para o Brasil com a vitória de Donald Trump.
Leia as análises dos economistas
Armando Castelar: ‘Situação ficou mais desafiadora para a economia brasileira’
E, ao final, Donald Trump venceu as eleições presidenciais de 2024, uma das mais disputadas da história. Sua eleição vai acentuar a mudança de rumo na política econômica americana, que Trump introduziu em seu primeiro mandato, com propostas relativamente radicais em quatro áreas: política comercial, imigração, tributação e regulação.
Trump promete aumentar as barreiras às importações, em especial, mas não apenas, da China, para substituí-las por produtos fabricados no país. Também quer reduzir a imigração, inclusive com a expulsão de imigrantes ilegais. Pretende ainda reduzir os impostos incidentes sobre empresas e, possivelmente, pessoas físicas, e reduzir a carga regulatória em áreas como energia, dando menos ênfase à questão climática.
O resultado será um forte estímulo fiscal à atividade, mas também um aumento ainda maior do déficit e da dívida pública americana, além de mais inflação. Isso vai forçar o Fed (o banco central americano) a adotar uma política monetária mais contracionista, de forma que os juros curtos e longos subirão, o que, junto com uma alta do mercado acionário, atrairá capitais para o país, valorizando o dólar.
É um cenário ruim para os emergentes, que devem sofrer com o dólar e os juros mais altos. Além disso, as barreiras às importações e os impactos negativos sobre a atividade econômica na China e, em menor escala, na Europa, também dificultarão as exportações desses países.
O Brasil deve ser negativamente afetado por esse cenário, ainda que, por ter um déficit nas suas transações comerciais com os EUA, não venha a ser tão visado pela política comercial de Trump. De qualquer forma, haverá mais pressão sobre o câmbio e os juros, o que tornará ainda mais necessário conter os gastos públicos e reduzir o déficit fiscal.
Ainda que as linhas gerais desse cenário com Trump sejam consensuais, há dúvidas em três dimensões. Uma, que se resolverá logo, é se os republicanos também controlarão, além do Senado, a Câmara dos Deputados. Se não, as medidas nas áreas regulatória e fiscal ficarão mais difíceis. Dois, se Trump adotará uma postura mais pragmática e menos ideológica, usando a ameaça de barreiras comerciais mais como meio de atrair investimento direto para os EUA, em especial da China. E, três, se Trump procurará um acordo com outros países para enfraquecer o dólar, para facilitar a (re)industrialização do país. Nos três casos, são caminhos que melhoram o cenário.
No todo, porém, a conclusão é que a situação ficou mais desafiadora para a economia brasileira.
Armando Castelar é pesquisador associado do FGV/Ibre
Luciano Sobral: ‘Onda Trump atinge o Brasil em um momento crucial de definição de política econômica’
A maior surpresa com a volta de Trump ao poder é a extensão da sua vitória. Ele deve ter a maior votação no colégio eleitoral (vencendo em todos os “swing states”) desde Obama em 2012, vencer também no voto popular e, provavelmente, ter maioria nas duas câmaras do Congresso. Terá, portanto, um mandato popular amplo e os meios políticos para executá-lo.
Na economia, ainda que não saibamos de detalhes cruciais, creio que podemos reduzir a agenda ‘MAGA’ a protecionismo e melhora do ambiente de negócios, entendida por menos impostos e regulação.
A agenda protecionista deve levar a um choque no comércio global de extensão e profundidade ainda desconhecidas. Parece certo que o alvo principal é a China; há menos clareza sobre a materialização da tarifa horizontal para todos os países, que teria impactos inflacionários (nos Estados Unidos) e recessivos (no mundo todo) maiores.
A agenda ‘pró-negócios’ deve melhorar a lucratividade das companhias americanas às custas de déficits públicos maiores. Junto com a maior inflação descrita acima, isso deve levar a juros maiores em dólares. Ativos americanos serão mais atrativos para poupadores do mundo todo.
Essa combinação pode ser muito ruim para o Brasil, tanto no curto quanto no médio prazo. De imediato, vamos sentir o efeito da depreciação adicional do real nos preços e nos juros. Com a inflação já partindo de um patamar alto, o Banco Central dificilmente poderá acomodar essa pressão adicional nos preços sem precisar apertar ainda mais a política monetária. Isso implicará também em crescimento menor e mais dificuldade para equilibrar a dívida pública.
Quanto ao comércio internacional, devemos avaliar os efeitos no comércio com os Estados Unidos e indiretos no que transbordar para a China, já que estes são, com folga, os dois maiores parceiros comerciais do Brasil. A pauta de exportações do Brasil para os EUA é bastante diversificada (os cinco maiores grupos de produtos correspondem a menos de 40% do total exportado nos últimos três anos), de forma que o agregado não seria muito prejudicado se as tarifas forem direcionadas a alguns setores específicos. Além disso, a depreciação acumulada recentemente no real mais que compensa qualquer aumento plausível de tarifas a serem aplicadas para o Brasil.
Na China, é bem mais difícil de estimar para além do susto inicial com um choque negativo no crescimento global. Não é absurdo imaginar que a China poderia direcionar para o resto do mundo, a preços mais baixos, o que deixar de vendar para os Estados Unidos, dobrando a aposta na competitividade de seus manufaturados. O efeito disso na produção agregada – e, portanto, no crescimento do país e em sua demanda por matérias primas – é ambíguo e impossível de ser quantificado a esta altura.
A ‘onda Trump’ atinge o Brasil em um momento crucial de definição de política econômica. O que será feito dela depende da leitura do governo sobre no que ela implicará: se um chamado à austeridade, como preparação para um mundo mais turbulento nos próximos quatro anos, ou se um incentivo ao populismo com foco no mercado doméstico. Começaremos em breve a escrever esta história.
Luciano Sobral é economista-chefe da Neo Investimentos
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André Diniz: ‘Perspectiva de taxas de juros mais elevados por nos EUA força o BC a seguir no ciclo de alta que se iniciou’
A eleição de Donald Trump nos EUA configura um ambiente mais desafiador para mercados emergentes, incluindo o Brasil. Primeiro, porque uma das pautas principais de campanha do republicano é a possível implementação de tarifas comerciais sobre a China, que teria transbordamentos econômicos e financeiros para os países emergentes. A vocação de um país produtor e exportador de commodities como o nosso sofre um revés neste cenário.
Em segundo lugar, Trump deve estender os cortes de impostos para as empresas americanas, o que tende a adicionar atratividade relativa ao mercado acionário norte-americano frente aos emergentes e, novamente, desfavorecer fluxos de capitais para o Brasil. A liquidez dos investimentos globais será drenada por um imenso ralo norte-americano.
Esses dois fatores – tarifas e cortes de impostos - tendem a aumentar a diferença relativa de crescimento entre os EUA e o mundo. A perspectiva de taxas de juros mais elevados por lá força o Banco Central do Brasil a seguir no ciclo de alta que se iniciou. Mais um sinal desafiador para os países emergentes.
A questão fiscal segue como chave e faz parte do pacote de nossas idiossincrasias internas. A possibilidade de um pacote de cortes de gastos vai na direção correta. Mas, em uma economia aquecida e com inflação em vias de retomada da aceleração, o Banco Central vai ter de manter juros apertados, deixando a bolsa menos atrativa nesse contexto internacional.
André Diniz é economista-chefe para internacional da Kinea Investimentos
Solange Srour: ‘Contexto torna ainda mais urgente a necessidade de endereçarmos nosso desequilíbrio fiscal’
De um lado, o resultado das eleições presidenciais dos EUA elimina uma incerteza sobre o comando de uma das duas economias mais relevantes do mundo; de outro, inaugura uma série de outras dúvidas. Trump fez uma campanha bastante incisiva em defesa de impostos baixos, desregulamentação agressiva e assumindo uma postura bastante dura em relação à imigração e à imposição de tarifas comerciais.
A política comercial parece ser o principal canal pelo qual a eleição dos EUA pode gerar um choque global. Trump defende o aumento das tarifas sobre produtos chineses para 60% e entre 10% a 20% para os demais países. Ainda que não cumpra 100% de suas promessas, é uma política que tende a levar à valorização do dólar, inflação mais alta, maiores taxas de juros e menor crescimento nos EUA. As retaliações dos países afetados podem vir através de imposição de tarifas ao redor do mundo (uma verdadeira “guerra comercial”) e uma onda de desvalorizações cambiais.
Em relação à imigração, a adoção de uma abordagem mais dura pode gerar menos crescimento e trazer mais inflação. A forte imigração dos últimos anos ajudou a conter os salários americanos, permitindo que a atividade econômica resiliente fosse acompanhada de uma desaceleração gradual da inflação. Assim como no caso das tarifas, tais medidas trazem incertezas sobre os desenvolvimentos futuros do ciclo de queda de juros americanos, uma vez que o cenário de mercado de trabalho apertado sem fortes pressões inflacionárias fica sub judice.
Já a direção da política fiscal dos EUA dependerá do quanto Trump conseguirá caminhar junto ao Congresso. Com o Senado de maioria republicana, o controle da Câmara permitirá a continuidade da política de baixos impostos implementada no seu primeiro mandato. Investidores não veem os EUA em crise fiscal - apesar de uma trajetória de dívida crescente -, mas o acúmulo de déficits elevados reforça ainda mais o cenário de juros altos, uma vez que os investidores demandarão um maior prêmio de risco.
O resultado da eleição provavelmente também afetará a política externa dos EUA, especialmente com a China e a Europa. Ao priorizar a negociação bilateral entre os EUA e demais países, diminuindo a relevância dos organismos multilaterais, Trump traz menos previsibilidade e um aumento do risco geopolítico.
Para o Brasil, juros americanos mais elevados, dólar mais forte e maiores riscos geopolíticos não vêm em um bom momento. Estamos vivendo uma crise de credibilidade do arcabouço fiscal, cujas consequências já têm sido juros domésticos mais altos e desancoragem das expectativas de inflação. Esse contexto norte-americano torna ainda mais urgente a necessidade de endereçarmos nosso desequilíbrio fiscal.
Solange Srour é diretora de macroeconomia para o Brasil no UBS Global Wealth Management
Gabriel Barros: ‘Brasil precisa resolver seu calcanhar de aquiles, que é a questão fiscal’
A vitória do ex-presidente Donald Trump nas eleições americanas é um evento de evidente repercussão global, tanto do ponto de vista político quanto econômico e geopolítico. Do ponto de vista político, a vitória em todos os denominados “swing states”, que concentraram as dúvidas e certezas sobre a perspectiva do resultado eleitoral desde o princípio, foi robusta. Apesar de ainda não sabermos o resultado final para a eleição da Câmara, a probabilidade de um “red sweep” é elevada, com o partido Republicano vencendo literalmente tudo (presidência, colégio eleitoral, Senado e Câmara), inclusive no voto popular. O resultado, portanto, é histórico.
Do ponto de vista geoeconômico, o retorno de Trump à Casa Branca produzirá grandes alterações, com o envolvimento direto ou indireto dos EUA em conflitos geopolíticos tomando outra direção e produzindo efeitos sobre os mercados, notadamente de commodities. A mudança na forma de conduzir a diplomacia e as relações internacionais também prometem alterar o equilíbrio global, tanto com os países mais alinhados como com os antagonistas, caso da China, Irã, Coreia do Norte e Rússia, dentre outros. Para os Brics, a alteração é relevante, uma vez que o sentimento antiocidente ou uma certa antipatia é parte do sentimento compartilhado pelos países tradicionais e novos que o compõe.
Em termos econômicos, a vitória de Trump significa um dólar forte, um maior protecionismo e uma inflação global, cenário desafiador tanto para os países avançados como para os emergentes, em particular para os que têm fundamentos macroeconômicos frágeis. O retorno da política industrial como vetor de crescimento e maior segurança na cadeia de suprimentos deve continuar, assim como a agenda de tecnologia e semicondutores ganha renovado fôlego em meio às preocupações com espionagem e corrida militar-espacial. Dadas as interconexões entre as agendas militar, tecnológica, acesso a insumos e materiais críticos e a economia, a “guerra híbrida” continuará permeando as decisões de policy, produzindo efeitos relevantes sobre a perspectiva de déficit e dívida pública.
O déficit e a dívida pública elevados, tanto nos EUA como nos demais países avançados e emergentes, são uma preocupação, como destacamos na nossa Carta do Gestor Macro de agosto deste ano. A fragilidade fiscal em nível global que já existe deve se agudizar, sustentando um nível mais elevado de juro global. Para o Brasil, que tem como “calcanhar de aquiles” sua posição fiscal atual e futura, senso de urgência, convicção e capacidade de entrega são fundamentais para evitar uma entropia e crise que afunde o país na armadilha da renda média.
Gabriel Barros é economista-chefe da ARX Investimentos
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Silvio Campos Neto: ‘Ativos brasileiros devem ser afetados pela maior pressão externa dos juros e do dólar’
Em termos econômicos, a vitória de Donald Trump traz desdobramentos importantes, considerando a defesa de uma plataforma baseada em (i) ampliação e extensão dos cortes de impostos e (ii) política agressiva de aumento de tarifas de importação, principalmente sobre produtos chineses, o que deve vir acompanhado de retaliação. Como exemplo, a escalada tarifária iniciada em 2018 por Trump resultou no crescimento de apenas 1,2% do volume de comércio mundial de bens e serviços em 2019, ante uma média anual de 3,7% nos cinco anos anteriores.
Influenciado por esse cenário, o crescimento do PIB mundial recuou de 3,6% em 2018 para 2,9% em 2019. A desaceleração da atividade no mundo afetaria não somente os volumes transacionados, mas também os preços dos bens e serviços, com destaque para as commodities - canal que afetaria diretamente o Brasil. Do lado da China, a intensificação da guerra comercial com os EUA estimularia ainda mais a exportação de produtos industriais para outros mercados (como os países da América Latina), um fator de risco à produção local nesses países.
As medidas protecionistas devem ter implicações inflacionárias nos Estados Unidos, dificultando o trabalho do Federal Reserve nos próximos anos. Se a expectativa de redução dos juros em 25 bps (0,25 ponto porcentual) pelo Fed em novembro e dezembro está mantida por ora, há dúvidas quanto ao espaço para a continuidade do movimento em 2025. Adicionalmente, os cortes de impostos devem elevar a necessidade de financiamento e piorar a trajetória já preocupante da dívida do governo norte-americano. Como resultado da combinação de maiores riscos fiscais e inflacionários, as taxas de juros de mercado devem operar em patamares mais elevados, enquanto o dólar deve manter posição mais forte perante outras moedas.
Com isso, os ativos brasileiros devem ser afetados pelas maiores pressões externas das taxas de juros e do dólar, com potencial agravamento pela maior exposição ao risco China e pelas fragilidades internas. Em um primeiro momento, espera-se uma taxa de câmbio mais depreciada, ainda que ao longo de outubro a variável já tenha incorporado parte do cenário Trump. Os juros de mercado também devem passar por ajustes, como reflexo do reposicionamento das taxas de mercado dos títulos norte-americanos.
Naturalmente, os efeitos podem ser atenuados pelo anúncio de medidas fiscais pelo governo em breve, algo que ganha um senso de urgência ainda maior. De todo modo, a atual expectativa da Tendências de taxa de câmbio em R$ 5,45/US$ ao final do ano ganha claro viés de alta à luz do fator externo, com revisão a ser promovida após a divulgação do plano de contenção de gastos. A trajetória da política monetária também merece atenção, sendo que o cenário básico atual contempla pico da Selic em 12,5% em março e taxa ao final de 2025 em 11,5%. Eventual necessidade de maior aperto deve seguir no radar, embora uma revisão não deva ocorrer neste momento.
Silvio Campos Neto é sócio e economista-sênior da Tendências
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