BRASÍLIA - Dois meses após a negativa do Ibama à Petrobras para uma perfuração exploratória na Foz do Amazonas, nenhum avanço foi feito para dissolver o impasse entre as áreas energética e ambiental do governo Luiz Inácio Lula da Silva. Ao contrário: Ibama de um lado e Minas e Energia do outro reafirmam posições opostas.
Ao negar a perfuração da Petrobras, em maio, o Ibama recomendou que o governo fizesse um estudo mais aprofundado sobre a exploração na região; mas, até agora, nenhuma providência saiu do papel. Nem mesmo a conciliação prometida pela AGU (Advocacia-Geral da União) entre Petrobras e Ibama foi instalada.
Enquanto isso, a Petrobras ampliou a defesa, em público e também nos bastidores, à exploração. Numa apresentação que o presidente da companhia, Jean Paul Prates, distribuiu a autoridades do governo federal, a estatal afirma que até 2040 a região da margem equatorial, do Rio Grande do Norte até a Colômbia, gerará ganhos de US$ 157 bilhões aos países da região, com investimentos de grandes petroleiras multinacionais. Isso chamou a atenção de nomes como o presidente do BNDES, Aloizio Mercadante, que prometeu engrossar a pressão pela exploração.
O presidente do Ibama, Rodrigo Agostinho, no entanto, reafirmou ao Estadão, na última quinta-feira, 20, que não há prazo para autorizar a perfuração exploratória da estatal. “A Petrobras tem umas 30 licenças novas, tem um monte de poço para perfurar”, disse.
Ao ser questionado especificamente sobre a Foz do Amazonas, se desviou. “Mas por que você quer lá? A Petrobras tem um monte de poço para perfurar, está fazendo um monte de coisa bacana. Eu não sou contra. Não sou eu que tomo esse tipo de decisão. E não é nenhuma decisão baseada em achismos.”
O estudo exigido pelo Ibama foi instituído em portaria do Ministério de Meio Ambiente em 2012. Como a Petrobras arrematou a área que foi definida para ir a leilão antes disso, acredita que poderia fazer a perfuração exploratória sem essa avaliação.
Decisão do STF
Uma decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), proferida em junho, está sendo usada pela estatal para referendar o entendimento. Nela, o ministro relator Nunes Marques afirma que o estudo ambiental não está vinculado ao licenciamento. Ou seja: que são duas coisas apartadas, o que autorizaria o licenciamento.
Agostinho, do Ibama, entende de uma outra forma. Ainda que sejam providências dissociadas, o regramento em vigor hoje exige a realização do estudo ambiental, ainda mais quando se trata da Foz do Rio Amazonas.
“O que os órgãos ambientais querem é ter um planejamento, entende? E isso não é nada de outro planeta, é obrigatório há 11 anos. É o planejamento que vai dizer onde pode e onde não pode explorar e como é que faz”, disse.
O documento exigido pelo Ibama foi feito para a Bacia do Rio Solimões, no Amazonas. O Estudo Ambiental de Área Sedimentar (EAAS), no jargão técnico, foi encomendado em 2018 pela Empresa de Planejamento Energético (EPE), órgão vinculado à pasta de Minas Energia, e concluído dois anos depois, em 2020, pelo consórcio Piatam/Coppetec. O custo foi de R$ 2,6 milhões e, além de avaliações ambientais, foram consultadas comunidades potencialmente afetadas.
A Bacia do Rio Solimões, assim como a Foz do Amazonas, foi alvo de discussões entre Ibama e a Agência Nacional do Petróleo (ANP) em 2011, quando foi decidido quais seriam as áreas ofertadas na 11ª Rodada de Licitações. No caso do Solimões, em comum acordo, os dois órgãos decidiram retirá-la do leilão para estudos ambientais adicionais. Já a Foz do Amazonas, não.
No Ministério de Minas e Energia, técnicos resgataram documentos da época para tentar demonstrar que a avaliação da área ambiental do governo já foi diferente. Em um parecer interno de fevereiro de 2013, elaborado pelo Grupo de Trabalho Interinstitucional de Atividades de Exploração e Produção de Óleo e Gás, a região de interesse da Petrobras na Foz do Amazonas foi liberada para ir a leilão, o que ocorreu três meses depois, em maio de 2013.
No documento, a que o Estadão teve acesso, é mostrada a relevância ecológica da costa do Amapá. Os manguezais que se formaram na região abastecem uma rica fauna de peixes, e os corais nas regiões mais profundas formam um corredor que conecta espécies dessa parte do Atlântico a áreas mais ao Norte, no Caribe, e também ao longo da costa brasileira. Estudos sobre uma eventual dispersão de óleo não haviam sido concluídos.
Ainda assim, a área ambicionada pela Petrobras foi liberada, bem como outras consideradas mais sensíveis, mais próximas da costa. O coordenador do grupo, Raimundo Deusdará Filho, afirmou na conclusão que os lotes foram liberados, “apesar de significativas preocupações”.
Interlocutores de Jean Paul Prates atribuem a mudança à chegada de Marina Silva ao Ministério do Meio Ambiente. Graças à ação da ministra, que se colocou à frente do Ibama no embate contra a área energética do governo, o licenciamento da Petrobras não foi adiante. Atualmente, o ministério afirma que o assunto está sob responsabilidade do Ibama.
A decisão de interromper o teste da Petrobras provocou protestos não apenas da estatal, mas também do ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira. O navio que faria a perfuração-teste ainda ficou um mês à espera de uma reconsideração acelerada pelo Ibama, um objetivo que se tentava obter pela via política, o que não ocorreu.
“A equipe técnica (do Ibama) está analisando o pedido de reconsideração feito pela Petrobras. Eu pessoalmente vou respeitar a posição da equipe. Mas acho muito difícil a equipe entender que dá para licenciar sem precisar fazer o planejamento”, disse Agostinho.
Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.