Imposto sobre herança no Brasil é ‘nada’? Como fica a taxação de patrimônio com a reforma tributária

Governo ainda não enviou proposta de mudança de tributos sobre a renda, mas reforma em tramitação no Congresso, de impostos sobre o consumo, já mexe na tributação sobre o patrimônio; entenda

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Por Redação
Atualização:

BRASÍLIA – A fala do presidente Luiz Inácio Lula da Silva nesta terça-feira, 23, a respeito do imposto sobre herança no Brasil levantou questionamentos sobre o que pode mudar na tributação sobre patrimônio com a reforma tributária, em discussão no Congresso Nacional.

“Nos Estados Unidos, como o imposto é caro, tem muitos empresários que fazem doação”, disse o presidente da República em um evento na UFSCar, interior de São Paulo. “Aqui no Brasil, não tem ninguém que faça doação, porque o imposto sobre herança é nada, é só 4%. Então, a pessoa não tem interesse em devolver o patrimônio dele”, disse.

Nesta terça-feira, Lula afirmou que o imposto sobre herança no Brasil 'é nada'. Foto: Wilton Junior/Estadão

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O grosso da mudança no sistema de impostos sobre patrimônio vai ser realizado numa segunda etapa da reforma tributária: a reforma da renda. A proposta da equipe econômica para a renda já deveria ter sido enviada ao Congresso, como determinava a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) da reforma tributária aprovada no final do ano passado. O governo, porém, já admitiu que a proposta não deve ser enviada neste ano, e deve ficar para 2025.

A reforma em tramitação no Congresso atualmente contempla os impostos sobre o consumo. Porém, como mostrou o Estadão, as negociações políticas e a necessidade do governo federal de angariar apoio à proposta abriram caminho para que Estados e municípios pegassem “carona” na reforma atual para antecipar algumas mudanças na taxação do patrimônio, que é de competência de governadores e prefeitos, a fim de aumentar seu potencial de arrecadação.

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Assim, PEC da reforma tributária já traz mudanças na tributação de herança – sendo que alguns pontos ainda estão ema aberto na fase de regulamentação da proposta, em tramitação no Congresso.

A reforma determina que o Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação (ITCMD), de competência dos Estados, passe a ser progressivo em relação ao valor da transmissão. Ou seja: quanto maior o montante recebido pelo herdeiro ou beneficiário da doação, maior a alíquota aplicada. O Estado também pode optar por criar uma faixa de isenção e realizar uma cobrança única acima desse patamar.

Em todos os casos, porém, a alíquota máxima não pode ultrapassar 8%. A eventual mudança desse teto, por exemplo, teria de ser feita na reforma da renda, cujo projeto ainda será enviado.

Mesmo antes da PEC, 14 Estados e o Distrito Federal já contavam com tributações progressivas (veja tabela abaixo). Outros 12 Estados ainda não ajustaram as legislações, mas a expectativa é que o façam em breve. As modificações, porém, não terão efeito imediato – ou seja, se aprovadas neste ano, só valeriam em 2025.

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Há, ainda, a regulamentação da cobrança do ITCMD sobre heranças e doações no exterior – barrada pelo STF em 2021 devido à falta de legislação em âmbito nacional. À época do julgamento, a Secretaria da Fazenda e Planejamento de São Paulo estimou uma perda de arrecadação de R$ 5,4 bilhões em um período de cinco anos, devido à impossibilidade da taxação.

Agora, a reforma vai além e prevê regulamentar a incidência do imposto também para os chamados “trusts”, mecanismos usados pelos super-ricos para proteger o patrimônio no exterior e reduzir a incidência de tributos nos investimentos.

Essa taxação ocorreria em três hipóteses, não cumulativas: falecimento do instituidor; doação, se ocorrida durante a vida do instituidor; ou no caso de o instituidor abdicar, em caráter irrevogável, ao direito sobre uma parcela do patrimônio. Trata-se de uma tentativa da equipe econômica de seguir fechando o cerco tributário aos trusts, que já tiveram as regras para o Imposto de Renda modificadas em 2023.

Imposto sobre herança na previdência privada

O grupo de trabalho do segundo texto de regulamentação da reforma tributária, que deve ser votado na Câmara em agosto, decidiu colocar em votação um imposto de herança sobre planos de previdência privada, como PGBL e VGBL. O parecer apresentado pelo grupo, porém, estabelece uma atenuante: os investidores que ficarem mais de cinco anos no VGBL, a contar da data do aporte, serão isentos do ITCMD. Para o PGBL não valerá essa regra – ou seja, eles seriam tributados independentemente do prazo.

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O objetivo dessa regra temporal, segundo os deputados, é evitar que as pessoas físicas migrem suas aplicações para fundos VGBL apenas com fins sucessórios, com a estratégia de burlar a tributação estadual.

A taxação sobre PGBL e VGBL estava prevista em uma minuta do projeto de a ser enviado pelo Ministério da Fazenda ao Congresso, como revelou o Estadão em junho; mas foi retirada após repercussão negativa, a pedido do presidente Lula, segundo apurou a reportagem.

Alguns Estados, como Minas Gerais, já fazem esse tipo de cobrança, mas não há regra unificada nacionalmente e sobram questionamentos na Justiça. Em Minas, VGBL e PGBL são taxados independentemente do prazo da aplicação. Rio de Janeiro, por sua vez, cobra apenas sobre os PGBLs, e não sobre os VGBLs, enquanto São Paulo não taxa nenhum dos dois.

Em entrevista ao Estadão/Broadcast, secretário Extraordinário de reforma tributária, Bernard Appy, afirmou que a cobrança de imposto sobre herança em investimentos de previdência privada é correta do ponto de vista técnico.

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“É um ativo que está sendo deixado como herança. Uma coisa é o seguro de vida mesmo: aquele que pago um pouco todo mês e se, eu morrer, a família recebe um valor alto. Esse não faz sentido ter cobrança de imposto de herança e doação. Outra coisa é o VGBL. É uma aplicação financeira e tem de pagar imposto sobre herança”, afirmou Appy.

'Previdência privada é uma aplicação financeira e tem que pagar imposto sobre herança', diz Appy. Foto: Wilton Junior/Estadão

O parecer dos deputados também especifica, como previa a Fazenda, que a tributação incidirá apenas sobre os planos que visem ao planejamento sucessório — ou seja, que tenham natureza de aplicação financeira, e não de seguro.

Dessa forma, o que se tratar de cobertura de risco não será taxado, por ter caráter securitário. Atualmente, parte dos planos de previdência tem contrato misto, incluindo um componente de seguro, como indenização por morte ou invalidez. Essas indenizações, portanto, ficarão isentas.

O contrato do plano já distingue o aporte acumulado ao longo dos anos do valor de uma eventual indenização – e é nisso que a tributação vai se basear. Por exemplo: se o pai falecido acumulou R$ 1 milhão em aportes em um VGBL, e a indenização pela sua morte é de R$ 2 milhões, o filho pagará ITCMD sobre R$ 1 milhão. Os R$ 2 milhões da indenização ficarão isentos do tributo estadual.

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