BRASÍLIA - A cobrança do Imposto Seletivo, o chamado imposto do “pecado”, sobre a extração de minério de ferro, petróleo e gás natural, tem o mesmo efeito econômico de um royalty, admite o secretário extraordinário da Reforma Tributária, Bernard Appy.
A afirmação corrobora a avaliação dos setores atingidos, que veem redundância na sobretaxa, uma vez que já recolhem royalties para compensar a exploração dos recursos naturais.
“O efeito econômico é exatamente de um royalty. A questão é tentar entender por que o Congresso colocou a extração lá dentro, no escopo do Imposto Seletivo. Foi, suponho eu, porque eles entendem que a atividade de extração, ou seja, cavar a terra, pode ter um efeito indesejável do ponto de vista ambiental”, afirma Appy em entrevista ao Estadão/Broadcast.
“Desse ponto de vista, entende-se que o objetivo do Congresso foi onerar a própria extração”, diz o secretário, frisando que se tratou de uma decisão dos parlamentares e não do Ministério da Fazenda, que apenas elaborou a regulamentação da Proposta de Emenda à Constituição (PEC).
Devido a essa incidência peculiar, os tributaristas já apelidaram a nova taxa de “seletivo jabuticaba”, um tributo que só existiria no Brasil, sem correspondentes no cenário internacional.
A taxação sobre a extração foi uma inovação proposta pelo senador Eduardo Braga (MDB-AM), que relatou a reforma tributária no Senado no ano passado. Pelo texto inserido na Constituição, a extração de recursos naturais não renováveis poderá ser tributada em até 1%, inclusive quando o produto for destinado à exportação — o que também é criticado pelos segmentos afetados, que apontam inconstitucionalidade.
Na regulamentação, a equipe econômica listou três produtos específicos que poderão ser alvo desse Seletivo extração: petróleo, gás natural e minério de ferro. Questionado sobre por que a Fazenda decidiu focar nesse minério específico, que é um dos principais itens da balança comercial brasileira e responsável por quase 60% do faturamento do segmento, Appy afirmou que ele é “o mais relevante em termos de escopo e tamanho das minas”. Mas reforçou a ressalva de que a alíquota ainda não está definida.
Questionado, então, se esse formato de royalty estaria desvirtuando o Imposto Seletivo, que tem função regulatória e não arrecadatória, o secretário avaliou que não. “Quem é que vai querer usar para fins arrecadatórios um tributo, cuja maior parte (60%) da arrecadação vai para Estados e municípios? Não faz sentido”, disse Appy, repetindo falas recentes.
Ele também ponderou que, se a União arrecadar com Seletivo e IPI mais do que arrecada de IPI hoje, terá de reduzir a alíquota da CBS, que é o Imposto sobre Valor Agregado (IVA) referente ao governo federal, cuja arrecadação vai 100% para a União. “Ou seja, a União não tem interesse nenhum em usar o Seletivo para fins arrecadatórios”, frisou.
O Instituto Brasileiro de Petróleo e Gás (IBP) estima que a tributação, se levada a 1%, poderá gerar uma arrecadação de R$ 7 bilhões ao ano para o governo.
Sistema contra sonegação pode reduzir alíquota do IVA
Segundo Appy, o chamado split payment, sistema de pagamento que busca reduzir a sonegação de impostos e fraudes no País, poderá fazer com que a alíquota do novo IVA seja inferior ao piso estimado pela Fazenda, de 25,7%.
Segundo as projeções da equipe econômica, a cobrança média do novo tributo será de 26,5%, podendo variar entre os extremos de 27,3% e 25,7% conforme o grau de conformidade do sistema.
O secretário, porém, se mostra otimista: “Pode ser até menor que 25,7%, não é impossível. Estamos trabalhando com esse intervalo com base em parâmetros internacionais, mas pode ser que a redução da sonegação seja tão grande que a gente fique melhor que os demais países do mundo”. Segundo ele, isso será verificado durante o período de transição, que vai até 2033.
O sistema do split payment, que está sendo desenvolvido para atender à CBS e ao IBS e será de uso obrigatório para a maioria dos setores, permite que os tributos sejam pagos já no momento da compra. Ou seja: pelo mecanismo, o banco separa, já na hora do pagamento, o imposto para os cofres dos governos (federal, estadual e municipal) e o valor destinado a quem forneceu o bem ou serviço.
Segundo Appy, o mecanismo tem potencial de acabar com o uso de “notas frias”, feitas por empresas laranjas para fraudar o Fisco, além de agilizar e digitalizar os processos e garantir que as empresas recebam os respectivos créditos do IVA — sem a necessidade de terem de fiscalizar o fornecedor, para saber se o imposto foi ou não pago, o que é uma grande preocupação das companhias.
“Para as empresas, será uma espécie de conta-corrente. Será uma conta das vendas, que mostrará quanto ela deve de imposto e o quanto já foi pago. E uma conta das compras, do quanto incidiu de imposto nas aquisições e o quanto já foi pago. Elas vão acompanhar isso em tempo real”, diz Appy.
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