Uma decisão recente do Supremo Tribunal Federal (STF) permite que juízes determinem a apreensão do passaporte e da Carteira Nacional de Habilitação (CNH) de pessoas inadimplentes. Mas qualquer pessoa que tem dívidas terá os documentos apreendidos? Tire as principais dúvidas sobre a decisão do STF a seguir.
O que foi decidido pelo STF?
O tribunal decidiu que é constitucional o dispositivo do Código de Processo Civil (CPC) que autoriza o juiz a determinar “medidas coercitivas” para assegurar o cumprimento de ordem judicial, inclusive no caso do pagamento de dívidas - ou seja, a apreensão dos documentos seria uma medida que “busca forçar o devedor a pagar” sua dívida, segundo Renata Martins Belmonte, especialista em Recuperação de Créditos do escritório Albuquerque Melo.
“A discussão no STF repousava no direito de ir e vir do devedor, que é uma garantia fundamental, prevista na Constituição. Por ser um direito fundamental, os devedores alegavam que essas medidas coercitivas eram inconstitucionais. Mas os ministros, por maioria de votos, entenderam que é constitucional o juiz conceder medidas coercitivas, à luz do que dispõe o CPC”, diz Renata. Além da apreensão dos documentos em questão, os inadimplentes poderão também ser impedidos de participar de licitações e concursos públicos.
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A maioria dos ministros do STF acompanhou o voto do relator, o ministro Luiz Fux, que apontou que uma medida coercitiva vale desde que “não avance sobre direitos fundamentais e observe os princípios da proporcionalidade e razoabilidade”.
Qualquer dívida pode gerar a apreensão da CNH e do passaporte?
A apreensão dos documentos em questão ou qualquer outra medida coercitiva só podem ser determinadas por um juiz. Portanto, somente as dívidas que estão sendo cobradas na Justiça poderão fazer com que um inadimplente tenha a CNH ou o passaporte apreendidos.
Segundo a decisão do STF, a apreensão não ocorrerá no caso de dívidas com alimentação e débitos de motoristas profissionais.
Pessoas inadimplentes terão a CNH e o passaporte automaticamente apreendidos?
A apreensão da CNH e do passaporte não ocorre automaticamente: é preciso que o advogado do credor entre com um pedido, caso considere a medida necessária. Então, o juiz irá analisar se o pedido é razoável e se a apreensão deve ou não ser determinada, avaliando o caminho que já foi percorrido naquela ação em busca do crédito.
No entanto, Renata Martins Belmonte, do escritório Albuquerque Melo, destaca que se trata de “uma medida de exceção”, pois o credor deverá primeiramente esgotar outras alternativas para o pagamento da dívida pelo devedor.
“Antes de apreender esses documentos, o credor deverá percorrer um caminho menos danoso ao devedor. A apreensão é uma medida coercitiva, que busca forçar o devedor a pagar. Portanto, antes dela, o credor deverá, por exemplo, pedir penhora em dinheiro ou procurar bens móveis e imóveis de valor para satisfazer seu crédito. Somente na ausência completa de bens e após uma robusta pesquisa é que as medidas coercitivas poderão ser determinadas pelo juiz”, explica.
Renato Leopoldo e Silva, líder de contencioso empresarial cível, recuperação judicial e arbitragem do DSA Advogados, aponta que o objetivo da apreensão da CNH e do passaporte é tentar coibir a prática de devedores contumazes, que “se furtam ao pagamento de suas dívidas”. Ele aponta que há casos, inclusive, em que os advogados dos credores identificam que os inadimplentes ostentam nas redes sociais um padrão de vida incompatível com o fato de não pagarem a dívida que está sendo discutida judicialmente - o que poderia motivar o pedido de apreensão dos documentos.
“Após tentar localizar bens do devedor de forma infrutífera, busca-se outras ferramentas para que o devedor pague a dívida, e os advogados acabam encontrando elementos que o devedor eventualmente externa e que comprovam que ele está em boas condições financeiras”, afirma.
Caso a CNH ou o passaporte sejam apreendidos, o que é preciso fazer para recuperar os documentos?
“Ainda estamos no mundo das suposições em relação a isso”, declara Renato Leopoldo e Silva, do DSA Advogados. O especialista aponta que vai depender do que será determinado pelo juiz em cada caso, do que ele irá estabelecer como condição para a liberação dos documentos apreendidos.
“Teremos que acompanhar o desenrolar desse entendimento do STF no mundo jurídico, como ele será aplicado. A princípio, com essa decisão do tribunal, teremos medidas coercitivas começando a ser determinadas e, quando o juiz amparar a decisão, certamente ele vai estabelecer as condições e os limites para a liberação desses documentos. Ele poderá condicionar ao pagamento integral da dívida, ao pagamento parcelado, ao pagamento de uma porcentagem da dívida, vai depender do juiz”, conclui.
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