‘Indicação ao STF não pode parecer ato de gratidão’, diz ex-ministro Ayres Britto

Para o jurista, ‘não parece de bom juízo’ Lula apontar Cristiano Zanin para vaga de Lewandowski

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Foto: Dida Sampaio/Estadão
Entrevista comCarlos Ayres BrittoEx-ministro do Supremo Tribunal Federal

A intenção do presidente da República de indicar, para uma vaga no Supremo Tribunal Federal, o seu advogado particular, que por longos anos o defendeu em julgamentos históricos – no caso, o advogado paulista Cristiano Zanin –, não chega a entusiasmar o ex-presidente do Supremo Tribunal Federal Carlos Ayres Britto. ”Em bom princípio, não parece de bom juízo”, adverte o jurista.

E por que falta “bom juízo”? ”Porque dá a entender que é o pagamento de uma dívida pessoal. Como que obedecendo a um impulso de gratidão. E isso fere o princípio da impessoalidade”, argumenta Britto. Serão duas vagas só este ano. A primeira se concretizou nesta terça-feira, 11, quando o ministro Ricardo Lewandowski se aposentou oficialmente, um mês antes da data-limite.

Na avaliação das escolhas de Lula, Ayres Britto acrescenta: “É preciso que a sociedade, orientada pela imprensa, seja informada desses requisitos. Tem de ser uma pessoa experiente, muito experiente. Que concilie o consciente emocional e o intelectual”. Nesta conversa com Cenários, Britto alerta que o Brasil vive tempos “altamente conturbados”, num ambiente de “estresse coletivo” que “é industriado, não é de geração espontânea”. E o Supremo do País julga “sob pressão dos fatos como jamais se viu”. A seguir, os principais trechos de sua análise.

Há um debate correndo solto, nos meios jurídicos e políticos do País, sobre a escolha do sucessor do ministro Lewandowski, no STF. Quais qualidades esse sucessor deveria ter?

A nomeação de um ministro do Supremo, a última instância a interpretar a Constituição, exige notabilidade do saber jurídico e reputação ilibada. Essa reputação ilibada é mais do que idoneidade moral – que se prova com certidões negativas de cartório. A reputação ilibada é um conceito ético tão prestigiado que nem precisa provar nada, é moralmente acima de qualquer suspeita.

No caso concreto, o que acha de o presidente da República indicar para esse posto um profissional que foi, por muitos anos, seu defensor como advogado criminalista?

Em bom princípio, não parece de bom juízo, de bom alvitre. Porque dá a entender que é um pagamento de uma dívida pessoal, que obedece a um impulso de gratidão, e isso fere o princípio da impessoalidade. Está lá, na cabeça do Art. 37 da Constituição. Não estou dizendo que o nome cogitado, o advogado Cristiano Zanin, não tenha condições de ir para o STF. Não é isso. Mas não parece um bom critério. A meu ver a nomeação de um ministro para o STF precisa ser acompanhada mais de perto pela imprensa – me permito, com todas as vênias, lhe dizer isso. Porque, veja só, não existe um Supremo Congresso Nacional, nem um supremo presidente da República. Mas existe um Supremo Tribunal Federal.

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E há outras vagas a serem preenchidas aí pela frente. Serão duas vagas e duas nomeações este ano. E é preciso que a sociedade seja informada, pela imprensa, dos requisitos para tais escolhas. Tem de ser uma pessoa experiente na vida, muito experiente. E equilibrada emocionalmente, que concilie bem o consciente emocional e o intelectual. De preferência, uma pessoa versada na Constituição, a lei das leis.

Ayres Britto foi ministro do STF entre 2003 e 2012, e presidiu a corte entre abril e novembro de 2012 Foto: André Dusek/Agência Estado

Não acha que, nesse mundo de hoje, tão maluco, seria necessário também um teste psicológico?

Teste psicológico, não. Mas é possível saber se o nomeado é um constitucionalista, versado na lei das leis. É preciso que ele seja um democrata convicto, de raiz. Por isso é que digo: a imprensa deve acompanhar bem de perto esse processo, até a decisão do Senado.

Sim, a responsabilidade final é dos senadores...

De fato. Pois o presidente não nomeia, ele indica sua escolha ao Senado. Este é que aprova a nomeação. Então, que o Senado faça dessa reunião em duas instâncias, Comissão de Constituição e Justiça e plenário, uma oportunidade de testar a conformidade do indicado aos parâmetros da Constituição.

Diria que o STF virou hoje um órgão político?

Não, não diria. É que os dias atuais são peculiarmente conturbados, há um estresse coletivo, a meu ver provocado, industriado, não é de geração espontânea. Há os mentores de uma causa, depois os financiadores, a seguir os executores, para manter a sociedade num cabo de guerra. O Supremo tem sido obrigado a trabalhar nesse clima de tensionamento de um modo como jamais se viu antes no País. Mas ele não tem incorrido em ativismo, não tem usurpado competências de quem quer que seja.

Acha que esse clima aumentou com a expansão das fake news, as reações e interpretações para tudo?

Sim, tem a ver. Esse mundo internetizado turbinou tudo, as comunicações digitais são instantâneas, de caráter planetário e acesso ilimitado. Há pessoas que vão para a internet para criar notícias – notícias que não correspondem aos fatos.

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Com isso, a liberdade é que sofre, não?

Sim, e veja bem, a liberdade de imprensa está para a coletividade assim como a liberdade de expressão está para o indivíduo. Assim, eu costumo dizer que a liberdade de expressão é a maior expressão da liberdade. O que isso quer dizer? Que coisas como fake news e comunicações online não podem ser objeto de regulação infraconstitucional. Tudo vai depender, nessa área, de como o Judiciário vai interpretar a Constituição.

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