BRASÍLIA - A indústria brasileira será uma das principais beneficiárias da medida anunciada pelo governo brasileiro de dar garantia às operações de financiamento dos importadores argentinos na compra de produtos exportados pelo Brasil. As linhas de crédito com a garantia do Fundo Garantidor às Exportações (FGE) poderão ser operadas por bancos públicos e privados.
O Brasil vem perdendo mercado para China na Argentina, que é hoje o maior vendedor de produtos para os argentinos, com uma participação de 21,5% de todo o volume de importações feitas pelo país vizinho e parceiro no Mercosul. O Brasil ocupa agora a segunda posição, com 19,7%, segundo boletim sobre fluxo de comércio exterior do Ministério da Economia da Argentina. Foi em 2020 que a China ultrapassou o Brasil como principal fornecedor da Argentina.
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O governo brasileiro quer recuperar essa posição e estimular uma maior integração com a região. A medida também faz parte da política de reindustriaização do País. “O Brasil perdeu muito mercado para a China na Argentina nos últimos anos, sobretudo em produtos manufaturados”, diz o economista-chefe da Federação das Indústrias de São Paulo, Igor Rocha. Para a indústria, a medida é muito boa. “É o setor que tem mais a se beneficiar”, avalia.
O financiamento à exportação não é novidade; sobretudo, o crédito à exportação ancorado em bens do país que está financiando a exportação. Alguns países fazem essas operações não só de produtos industrializados, mas também de serviços – entre eles, do setor de infraestrutura.
No modelo que foi desenhado pelo governo brasileiro, a Argentina dará garantias (colaterais) reais, como contratos de commodities de grãos e de gás – ativos que tenham liquidez no caso de não pagamento do financiamento.
Igor Rocha destaca que essa medida de garantia nas operações de crédito é amplamente utilizada pelos países em desenvolvimento e avançados via seus Eximbanks, entre eles, o Canadá, Inglaterra e Espanha. Eximbanks são instituições oficiais dos governos orientadas ao apoio de exportadores locais nas transações com importadores. “Os países oferecem o crédito à exportação para tentarem colocar os seus bens industriais em novos mercados”, explica o economista.
Na sua avaliação, com as informações que foram divulgadas pelo governo, o plano se mostra muito interessante para a indústria porque promove via o FGE um “crowding-in” (termo usado pelos economistas para os efeitos dos gastos públicos sobre o investimento privado). “Isso é muito bom para a indústria. É claro que tem muita coisa que está incipiente e vamos saber um pouco melhor o detalhamento à medida que o programa evoluir”, diz o economista, que ressalta que as garantias colaterais lastreadas em ativos reais com liquidez dão confiança aos bancos na operação.
Para a Confederação Nacional da Indústria (CNI), a participação do Brasil e da Argentina nas exportações mundiais de bens industriais está aquém do potencial produtivo de ambos os países. Brasil e Argentina ocupam, respectivamente, 15ª e a 25ª lugar no ranking mundial de produção industrial. No entanto, os dois países figuram somente na 31ª e na 36ª posição, respectivamente, no ranking de exportação de bens industriais. Segundo a CNI, a parcela chinesa nas importações argentinas aumentou 6,1 pontos porcentuais entre 2013 e 2022, totalizando 21,3% em 2022. Os dados são ligeiramente diferentes dos divulgados pelo Ministério da Economia argentino.
Sem citar diretamente a China, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, durante entrevista coletiva em Buenos Aires, admitiu que o Brasil está perdendo importância no comércio exterior ao dizer que a balança comercial bilateral, nos últimos dez anos, mostra que outros países estão ganhando esse mercado, com a oferta de prazos mais longos nas operações de comércio exterior com a Argentina.
“Hoje, o fechamento da conta externa (operações) é de 30 dias. Quem está dando crédito de médio e longo prazo para a Argentina está levando o mercado que seria naturalmente de produtos manufaturados brasileiros”, explicou. Segundo ele, se o Brasil perder esse espaço, a região toda vai se reindustrializar. “Como já está acontecendo”, alertou o ministro Haddad.
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