O anúncio do tarifaço global de Donald Trump, nas chamadas tarifas recíprocas, para produtos exportados para o mercado dos EUA, à primeira vista trouxe vantagens para o Brasil frente a outros parceiros comerciais americanos, com tarifa básica (alíquota mínima) de 10%, mas traz uma preocupação, avalia Renê Medrado, sócio e especialista em comércio internacional e direito aduaneiro do escritório Pinheiro Neto Advogados.
O especialista alerta para um efeito que poderá atingir mercados que tiveram tarifas mínimas, como o Brasil. Os países que tiveram taxas elevadas, como China, Japão e Vietnã e os de União Europeia, vão buscar outros mercados com as portas fechadas nos EUA. “O Brasil é um alvo pela relevância de seu mercado. Passa a ser mais um desafio para o governo brasileiro nessa guerra comercial global”, afirma.
No chamado “Dia de Libertação” alcunhado por Trump, China, Japão, Taiwan, Vietnã, Malásia e outros países do Sudeste Asiático e as 27 nações que compõem a União Europeia foram o principal alvo do presidente americano. Tiveram tarifas que variam acima de 20%, com sobretaxas, por exemplo, de 46% para Vietnã, 36% para Tailândia, 34% para China e 32% para o Japão.
“É preciso fazer uma análise comparativa da tarifa imposta ao Brasil com as de China, União Europeia e países do Sudeste Asiático, que tiveram sobretaxas superiores. Relativamente, o caso do Brasil é menos pior, pois ganha uma vantagem de exportação para os EUA em relação as esses países”, avalia Medrado, que falou com o Estadão, por telefone, de Washington.

Uma das dúvidas ainda a ser dirimidas, aponta Medrado, é se haverá sistema de isenções para algumas categorias de produtos. Por exemplo: o Brasil é um grande exportador de petróleo cru para os EUA. É um item sensível.
“Há ainda um elevado grau de incertezas relativo ao prazo que essas medidas ficam em vigor, se haverá revisão em determinado momento. Temos de aguardar detalhamentos”, acrescenta Medrado.
Na visão de Medrado, neste momento não deve haver uma resposta do Brasil à nova medida de Trump. O País deverá permanecer em uma posição de observação. “O desafio é enfrentar o fluxo de produtos importados, que poderá crescer, imprimindo uma pressão sobre a indústria nacional”. No cenário agregado, o anúncio não foi tão ruim para o Brasil, acrescenta.
Negociações para renovação de cotas de exportação no aço
Os fabricantes brasileiros de aço sentiram um certo alívio no anúncio das tarifas recíprocas feito nesta quarta-feira, 2, por Trump na Casa Branca. Os 10% não serão cumulativos à tarifa de 25% aplicada às exportações de aço em vigor desde 12 de março, disse ao Estadão o presidente do Instituto Aço Brasil, Marco Polo de Melo Lopes.
“São informações que tivemos confirmação de representantes da Casa Branca”, disse Lopes. Segundo o executivo, isso significa que o Brasil, no caso do aço, estará na mesma condição de antes e em pé de igualdade de outros países que tiveram a mesma taxação, como Canadá, México e Vietnã. “Isso é um ponto positivo”, afirmou o presidente do Aço Brasil.
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Ele ressaltou, no entanto, que o Brasil continuará negociando para voltar à mesma condição de 2018, quando foi sobretaxado em 25%, por Trump, mas conseguiu em negociações a fixação de um sistema de cotas para aços semiacabados (placas e lingotes, com 3,4 milhões de toneladas por ano) e para produtos acabados (687 mil toneladas anuais).
“Hoje (quarta, 2) mesmo houve uma reunião do ministro Mauro Vieira, do Ministério de Relações Exteriores (MRE) com o titular do escritório de Representação Comercial dos Estado Unidos (USTR, na sigla em inglês), Jamieson Greer”, informou Lopes. Para ele, o governo brasileiro está muito atuante nesse caso, mostrando que se trata de fornecimento estratégico à siderurgia americana.
“A exportação de aço semiacabado é complementar, porque os EUA não tiveram mudança na sua condição de importador desse produto desde 2018”, disse o presidente do Aço Brasil.
No caso das tarifas lineares, observa Lopes, a taxa de 10%, na sua avaliação, é resultado de um grande trabalho de negociações do governo brasileiro (Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços e MRE) com o governo americano no último mês, em diversas reuniões com negociadores americanos na capital, Washington.

Sobre a aprovação no Congresso do projeto de lei da Reciprocidade, o presidente da Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais (Fiemg), Flávio Roscoe, afirma que será uma ferramenta a mais para negociações, mas que o ideal seria que o governo não respondesse com retaliações.
“Dá para ficar na linha da amizade. A retaliação é ruim para todos, e o Brasil é um dos poucos países com quem os EUA têm superávit. Então, estamos com posição muito boa para negociar.”
O presidente da associação mineira avalia que Trump ainda está buscando colocar um “bode na sala”, para ganhar vantagens nas tratativas com os países.
“Estou entendendo ainda a estratégia de Trump como uma busca por uma posição de força, para se colocar estrategicamente e depois negociar bilateralmente. É mais um movimento de afirmação de uma política comercial mais agressiva do que qualquer outra coisa, na direção de ser mais impositivo em relação ao comércio americano”, disse.