RIO - A indústria de transformação — aquela que usa matérias-primas para elaborar novos produtos — ganhou espaço no Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro em 2024, após dois anos de retração. Em 2025, porém, a previsão é de que “ande de lado”, afetada pelo atual ciclo de aperto monetário, prevê o Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi).
A participação da indústria de transformação no PIB brasileiro passou de 10,7% em 2023 para 10,8% em 2024. O resultado representa uma melhora, embora permaneça ainda muito aquém dos 13,6% vistos uma década antes, em 2013, segundo cálculos do Iedi obtidos com exclusividade pelo Estadão/Broadcast. Para a entidade, a base de comparação baixa favoreceu o movimento de alta.
“A gente teve uma recuperação, um crescimento, um dinamismo razoável no ano passado. Um dos fatores que mais cresceram no PIB foi a indústria de transformação. Mas em 2025 já tem um elemento importante de desaceleração, que é o nível de juros, que impacta em cheio a indústria. Porque a indústria é uma grande produtora de bens, seja para consumo, seja para investimentos. Os juros a gente sabe que bate nas duas pontas: porque encarece o financiamento, e porque amplia o custo de oportunidade do ponto de vista do investimento. Alternativas de aplicação financeira acabam ganhando preponderância frente aos projetos mobilizadores que acabariam virando Formação Bruta de Capital Fixo (FBCF, medida dos investimentos no PIB)”, justificou Rafael Cagnin, economista-chefe do Iedi.
Os cálculos do Iedi sobre a participação da indústria de transformação no PIB brasileiro têm como base os dados das Contas Nacionais Trimestrais apuradas pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), mas descontada a inflação setorial tanto da indústria quando do PIB em geral.

“Isso porque a participação da indústria pode cair no PIB pelo fato de os preços de bens industriais terem crescido menos do que os preços dos demais setores da economia. Por isso fazemos o ajuste”, explicou Cagnin.
O PIB da indústria de transformação brasileira cresceu 3,8% em 2024, após ter recuado nos dois anos anteriores: -0,5% em 2022 e -1,3% em 2023. Para 2025, Cagnin espera uma desaceleração forte na atividade econômica, via atual ciclo de elevação dos juros, com reflexos tanto na produção de bens duráveis quanto de bens de capital. No entanto, ele cita alguns elementos “mitigadores”, que podem sustentar ainda algum dinamismo, especialmente na primeira metade do ano, como a segunda fase do programa de depreciação acelerada na aquisição de bens de capital, desembolsos de aprovações já anunciada pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), investimentos previstos em concessões de infraestrutura, além de ações governamentais que buscam impedir uma queda brusca no consumo.
“Tudo isso são fatores que ajudam a mitigar um pouco o efeito negativo de juros (elevados). Não vai resolver o problema, mas mitigar um pouco”, apontou Cagnin. “A subida de juros está forte, e os indicativos são que devem se manter nesse nível elevado por um bom tempo. E aí você vai erodindo as bases de repetir um dinamismo que tivemos em 2024. Então acomoda tudo, e a indústria é um desses eixos que tende a ser mais prejudicado nesse ambiente.”
Segundo o economista, há muitas dúvidas em relação a 2026, tanto por se tratar de ano eleitoral quanto por ser difícil ainda precisar o impacto das medidas anunciadas pelo governo do presidente norte-americano Donald Trump sobre as trocas no comércio mundial.
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“Em 2025, a perspectiva não é muito favorável para que essa curva da indústria sobre o PIB suba além dessa pequena variação, que é quase uma estabilidade, nem para que a gente consiga galgar posições no ranking internacional, porque a nossa indústria deve desacelerar neste ano também”, previu Cagnin.
O Brasil melhorou recentemente sua posição no ranking global da manufatura, embora sem ampliar sua participação no valor adicionado total do setor, mostra um estudo do Iedi com dados da Organização das Nações Unidas para o Desenvolvimento Industrial (United Nations Industrial Development Organization, a Unido).
Entre 2022 e 2023, o Brasil subiu da 16ª para a 15ª posição do ranking mundial da indústria manufatureira, construído a partir do valor adicionado do setor em dólares a preços constantes de 2015. Porém, o que explica essa melhora para o Brasil é a queda de três posições da Irlanda, o que também ajudou Turquia e Rússia a subirem no ranking.
“Em 2024, o Brasil deve melhorar de novo, mas isso depois deve se perder um pouco em 2025”, previu o economista.
A participação do Brasil no valor adicionado manufatureiro mundial passou de 1,22% em 2022 para 1,21% em 2023, devido a um ritmo de crescimento da indústria brasileira (alta de 2,1% em 2023) inferior ao do setor no mundo (avanço de 2,8%).
“Ter o 15º ou 16º parque industrial do mundo não é pouca coisa, está à frente de muito país importante. A gente sabe fazer, industrializar, produzir. Esse não é um conhecimento trivial de se acumular. Tanto é que a indústria no mundo inteiro é muito concentrada em poucos países. No fundo, as nações industriais de verdade são poucas. A gente tem empresas que sobreviveram a todas as adversidades que o ambiente econômico brasileiro já impôs ao negócio industrial. Não só são empresas que permanecem fortes no Brasil, como são empresas que já se internacionalizaram. Então também não têm nenhum tipo de restrição para uma concorrência internacional”, frisou Cagnin. “O que nos falta é fazer com que, por exemplo, do ponto de vista de bem primário, a gente consiga agregar valor, consiga industrializar. Porque agregar valor ao bem primário é sinônimo de industrializar a matéria-prima. É esse salto que a gente foi descarrilhando, que foi fazendo cada vez menos, e fomos exportando cada vez mais o produto in natura.”