Nos últimos 27 anos, a produtividade da indústria de transformação brasileira caiu quase 1% ao ano, em média. Isso significa que, se em 1995 cada hora trabalhada no Brasil gerava R$ 45,50 em produtos, no final do ano passado eram apenas R$ 36,50 por hora trabalhada. E, segundo especialistas, não há há, à vista, nenhuma medida em discussão para mudar esse quadro.
Ao longo desse período, em 11 anos ocorreram melhoras em relação ao ano anterior, mas a média durante essas quase três décadas é negativa em 0,9%. “Para um país se tornar competitivo, ganhar mercado interno e exportar, tem de melhorar sua produtividade”, diz o economista Fernando Veloso, coordenador do Observatório da Produtividade Regis Bonelli, do FGV Ibre.
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Responsável pelo estudo que mostra a produtividade por horas trabalhadas na indústria de transformação, ele ressalta que uma maior produtividade eleva a competitividade da empresa, os trabalhadores produzem mais, os preços dos produtos caem seguindo a redução dos custos e as vendas e as exportações aumentam.
Analistas e empresários lamentam que esse importante termômetro de desenvolvimento econômico de um país praticamente não aparece em recente artigo publicado no Estadão, assinado pelo presidente Lula e o vice-presidente Geraldo Alckmin.
No texto, eles introduzem a visão do governo para a neoindustrialização e afirmam que “a indústria será o fio condutor de uma política econômica voltada para a geração de renda e de empregos mais intensivos em conhecimento e de uma política social que investe nas famílias”.
A indústria de transformação é responsável pela produção de roupas, alimentos, eletroeletrônicos, metais, aviões, veículos, máquinas industriais e vários outros bens de consumo.
Apesar do alento em verem que o novo governo demonstra preocupação com o setor, empresários e analistas dizem que é urgente a necessidade de uma política votada à produtividade industrial para brecar a “desidratação do setor”, conforme diz o presidente executivo da Associação Brasileira da Indústria Química (Abiquim), André Passos Cordeiro.
“Já perdemos muitos setores importantes por falta de atenção à indústria como bloco, e é importante o sinal do novo governo de que se importa com isso, mas é preciso ir além”, diz Cordeiro. Para ele, o Brasil se preocupou, corretamente, em dar competitividade ao agronegócio, mas não fez o mesmo com a indústria nos últimos anos.
Contraste
O Observatório da Produtividade mostra esse contraste em seu estudo. Em 1995, a produtividade por hora trabalhada na agropecuária era de R$ 5,90, valor que foi a R$ 25,50 no encerramento do ano passado. Ao longo desses anos, em apenas três deles a variação registrou queda, sempre recuperada no período seguinte. Em média, o setor da agropecuária cresceu 5,5% anualmente.
“A agropecuária continua subindo muito, e a indústria está caindo”, diz Veloso. Segundo ele, a agropecuária brasileira é competitiva, tem muita inovação, exporta e importa bastante, ou seja, é um setor conectado com a economia global. “Seria muito importante para a indústria seguir os caminhos que a agropecuária vem seguindo há algumas décadas; é o que os países chamados de tigres asiáticos fazem.”
Veloso ressalta que a Reforma Tributária deve contribuir para a melhora da competitividade da indústria local, mas outras políticas específicas são necessárias. Também é preciso investir no capital humano. “Principalmente com o avanço da Inteligência Artificial (IA) e o uso mais intensivo de robôs na indústria, os trabalhadores precisam ter mais escolaridade, mais treinamento do que tinham no passado, porque a indústria está usando essas ferramentas tecnológicas com muita intensidade, e a necessidade de qualificação está aumentando.”
“Entra governo e sai governo e ainda não temos uma política industrial”, reclama o presidente executivo da Associação Brasileira das Indústrias de Calçados (Abicalçados), Haroldo Ferreira.
Ele diz que o atual governo está dando sinais de que quer proporcionar uma reindustrialização – ou neoindustrialização –, e deu alguns passos com o anúncio, no dia 25 de maio, de linhas de crédito a juros “mais palatáveis”, pois ele aponta a taxa Selic como um dos grandes problemas atuais que afetam a competitividade internacional de todos os setores.
Os fabricantes de calçados, pondera Ferreira, não têm problemas de competitividade quando avaliada a produção de pares produzidos por trabalhador. “O nosso problema é estarmos instalados no Brasil, pois é o custo Brasil que tira nossa competitividade para fins de exportação.”
Fomento à modernização
Segundo o executivo, em 2022 a média de produção por funcionário dos setor foi de 2.863, acima da média dos quatro maiores fabricantes globais – China, Índia, Vietnã e Indonésia –, que foi de 2.510 pares. Em 2019, antes da pandemia, a média brasileira foi de 3.374 pares, mas Ferreira explica que o preço médio da produção brasileira subiu 38% no pós-pandemia e as fabricantes passaram a focar mais na fabricação de produtos de maior valor agregado, que exigem mais mão de obra.
“Em números relativos é menor, mas o mix maior da produção passou a ser de produtos de couro, com mais valor agregado, enquanto caiu a produção de calçados de plástico e de borracha”, justifica o presidente da Abicalçados.
O País, diz Ferreira, tem indústrias calçadistas em mais de 600 municípios de 25 Estados, boa parte com certificados internacionais de origem sustentável e parque industrial competitivo. “Se tivesse algum fomento à modernização, certamente o setor seria mais produtivo e exportaria mais, pois nosso problema não é competitividade, é custo.”
Para o economista do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi), Rafael Cagnin, é fundamental que o Brasil acelere os ganhos de produtividade na indústria. ”Toda a pretensão social do governo, por exemplo com revalorização dos salários, encontra seu limite no ritmo de crescimento da produtividade.”
Ele acredita que, por ser crucial e urgente, essa agenda teria de ser construída em fases, partindo da melhoria da educação no País, programas de qualificação profissional e ampliação dos investimentos em inovação, cujos efeitos serão sentidos mais no longo prazo.
“Um programa de atualização tecnológica, com condições adequadas de financiamento do investimento e maior acesso a tecnologias internacionais também são essenciais, mas com efeitos mais de médio prazo, à medida que os investimentos vão atingindo seu ponto de maturação”, afirma Cagnin.
A produtividade melhora quando a indústria cresce mais aceleradamente, quando atende mercados maiores, quando exporta”
Rafael Cagnin, economista do Iedi
Já uma agenda mais imediata seria difundir técnicas de gestão já conhecidas que racionalizam o processo produtivo. Ele cita o exemplo do programa Brasil Mais Produtivo, criado em 2016. Ele teve resultados expressivos em projetos pilotos, com ganhos de produtividade entre 40% e 60% em pequenas e médias empresas, mas hoje está praticamente parado por dificuldades de financiamento. “Precisamos pensar estratégias para ampliar sua escala, só assim teremos impactos agregados relevantes”, avalia o economista do Iedi.
Cagnin ressalta ainda que a indústria se caracteriza pelo chamado ganho de escala, ou seja, é sempre mais eficiente quando produz muito. “A produtividade melhora quando a indústria cresce mais aceleradamente, quando atende mercados maiores, quando exporta; então, este quadro sistemático de redução de produção ou de andar de lado não ajuda o setor a obter ganhos de escala e ampliar sua produtividade. Para além das mudanças estruturais, crescer mais também ajuda, diz.
O caminho para a produtividade
- Investimentos em educação, com programas de qualificação profissional;
- Ampliação dos investimentos em inovação;
- Programas de atualização tecnológica, com condições adequadas de financiamento e maior acesso a tecnologias internacionais;
- Difusão de técnicas de gestão que racionalizam o processo produtivo;
- Ganho de escala, com ampliação das exportações.
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