Inflação acima da meta e choque de juros: o quadro desafiador que aguarda Galípolo no Banco Central

Economista que substitui Roberto Campos Neto no início de janeiro enfrentará um dos cenários mais difíceis para a política monetária desde o início do regime de metas, em 1999

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Foto do author Alvaro Gribel

BRASÍLIA - O economista Gabriel Galípolo assumiu a presidência do Banco Central nesta quarta-feira, 1º de janeiro, tendo pela frente um dos quadros mais desafiadores para a política monetária desde o estabelecimento do regime de metas de inflação no Brasil, em 1999.

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Se por um lado a transição no BC transcorreu com poucos sobressaltos, por outro, a inflação está acima do teto da meta, as expectativas do mercado financeiro estão “desancoradas” e as incertezas sobre a sustentabilidade da dívida pública vem promovendo uma forte alta do dólar que ainda não foi totalmente repassada para os índices de preços.

Mesmo que o BC tenha subido os juros nas três últimas reuniões e indicado duas novas altas no início de 2025 - o que levará a Selic de 10,5% ao ano em setembro de 2024 para 14,25% em março de 2025 -, os indicadores financeiros do País continuam se deteriorando. A explicação passa pelo temor do que os economistas chamam de “dominância fiscal”, quando a política monetária começa a perder eficácia, sem que a alta dos juros consiga domar a inflação.

Segundo o economista-chefe para a América Latina do Goldman Sachs, Alberto Ramos, o desafio de Galípolo é claro, porém se transformou em uma missão “quase impossível”, sem a ajuda da política fiscal (controle de gastos do governo). Isso porque o uso do único instrumento eficaz para o BC combater a inflação - a alta dos juros - terá um forte impacto sobre a dívida bruta do governo, o que irá agravar a percepção de risco sobre as contas públicas.

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“Os desafios são claros, mas complexos. O desafio é cumprir o mandato do Banco Central de alinhar a inflação com a meta. Mas, neste contexto de elevado prêmio de risco e um governo que teima em não ajustar o fiscal, fica quase missão impossível para o Banco Central”, afirmou Ramos.

O economista Gabriel Galípolo, que substitui Roberto Campos Neto à frente do Banco Central. Foto: Wilton Junior/Estadão

A diferença do momento atual para outros períodos é a dívida extremamente elevada. Para efeito de comparação, a ex-presidente Dilma Rousseff tomou posse em janeiro de 2011 com a dívida bruta em 52,2% do PIB. Deixou o cargo com o mesmo indicador em 66,6%, um aumento de 14 pontos em cinco anos e meio. Lula assumiu com a dívida em 71,3% e elevou o número para 77,7% - um aumento de seis pontos em menos de dois anos de mandato.

Se o déficit primário, sem incluir gastos com juros, do setor público foi de R$ R$ 192,8 bilhões em 12 meses até novembro, o déficit nominal, que inclui as despesas com juros, foi de R$1,1 trilhão. Ou seja, combater a inflação apenas com política de juros - sem que o governo federal reduza despesas - tem tido um forte efeito colateral sobre as contas públicas.

“O BC precisa de ajuda do fiscal, mas parece que o fiscal não só não ajuda como puxa na direção contrária. É sem dúvida um dos cenários mais complexos para a política monetária desde o início do regime de metas”, afirmou o economista.

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A equipe econômica apresentou no final de novembro um pacote de medidas de contenção de gastos, que foi aprovado pelo Congresso e sancionado por Lula. As propostas, no entanto, foram vistas como insuficientes pelo mercado para controlar a trajetória da dívida pública.

Ramos aponta que a preocupação com o crescimento acelerado do endividamento se reflete nas projeções de inflação de longo prazo. Se a dívida de um governo sobe muito rapidamente, a sua moeda tende a desvalorizar também rapidamente, provocando inflação. Com isso, a solução para o Banco Central é subir os juros, o que torna mais cara a rolagem da dívida, provocando um círculo vicioso.

“O fato de as expectativas (de inflação) para 2027 terem começado a desancorar (subir) é muito preocupante. 2027 não tem nada ver com a necessidade de subir juro por uma economia sobreaquecida que está gerando pressões sobre a inflação. A desancoragem de 2027 reflete a perda de credibilidade do regime de metas de inflação e o Banco Central não pode validar isso. Estamos claramente vendo sintomas de dominância fiscal”, afirmou.

Blindagem

Depois de dois anos de fortes ataques contra Roberto Campos Neto, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva vem evitando críticas diretas a Galípolo, mesmo com o aumento recente dos juros. Em meados de dezembro, Lula publicou um vídeo ao lado do economista e disse que ele será o chefe do BC com “mais autonomia” que a instituição já teve.

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Para o professor da PUC-Rio, Luiz Roberto Cunha, o economista começará no cargo com duas blindagens: uma pelo próprio Lula, que fez elogios a Galípolo; outra pelo Banco Central, que deu o “guidance” (indicação futura) de mais duas altas de 1 ponto porcentual da Selic nas próximas reuniões.

“Acho que a decisão de (o Banco Central) blindá-lo, com a projeção de mais duas altas de 100 pontos (um ponto porcentual) nas próximas reuniões, e a fala do Lula ao lado dele são fundamentais para iniciar o ano com menos ruídos. Agora, é contar com alguma sorte na área externa e com um pouco de ajuda do Congresso quando novas propostas forem analisadas no primeiro semestre”, afirmou.

Cunha entende a sinalização de Lula como um entendimento de que custará caro ao governo federal interferir no Banco Central, mesmo com todas as críticas que vêm sendo feitas pelo Partido dos Trabalhadores com a condução da política de juros.

Cenário externo

Em relatório a clientes, o economista Luis Otávio Leal, da G5 Partners, apontou que o cenário externo é um desafio a mais para o Banco Central brasileiro em 2025. A eleição de Donald Trump provocou um movimento de forte valorização do dólar em todo o mundo, o que também contribuiu para o enfraquecimento do real.

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Leal afirma que o índice DXY, que mede a força do dólar em relação a uma cesta de moeda, disparou 8% desde que Trump começou a despontar na frente das pesquisas eleitorais. Isso acontece porque duas promessas de campanha de Trump têm efeitos inflacionários nos EUA - restrição à imigração e aumento de barreiras comerciais -, o que levará o Federal Reserve (Fed, banco central americano) a cortar menos os juros do que o esperado.

“Com a inflação mais alta, o Federal Reserve teria que manter os juros em patamar superior ao esperado, e juros mais altos significam moeda mais forte; o detalhe é que, quando essa moeda forte é o dólar, o mundo inteiro padece”, afirmou Leal.

Leal explica que Trump promete elevar as tarifas em 10% para todos os países e em 35% para os produtos chineses. Isso pode levar o mundo a uma guerra comercial, com impacto inflacionário e reflexos também no Brasil.

Sem risco ‘Tombini’

Após um período de desconfiança inicial, o mercado financeiro retirou do cenário o que seria o “risco Tombini” para a política monetária - ou seja, um Banco Central leniente com a inflação. As falas duras de Galípolo, as indicações feitas para as demais diretorias do Banco e o “guidance” de duas altas da Selic passaram a confiança necessária.

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Leal explica que a política fiscal é que tem levantado temores. Ele lembra que a alta dos juros vai provocar uma desaceleração da economia próxima ao ano eleitoral de 2026, e que isso pode levar o governo a dar mais estímulos fiscais para manter aquecido o nível de atividade.

“Com os juros nas alturas, a perspectiva de desaceleração da economia próxima da eleição de 2026 e uma falta de entendimento de boa parte do governo sobre o que seria e para que serve um ajuste fiscal, fica difícil acreditar que teremos notícias positivas nesse campo”, afirma.

Ramos entende, contudo, que a solução para o problema é clara e depende apenas de vontade política. “Não é um processo irreversível. É um problema que tem solução. Sabemos perfeitamente como chegamos neste ponto: irresponsabilidade fiscal. Então, a solução é inverter a marcha e andar para trás. Só falta vontade política para o fazer”, diz.

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