RIO - A aposta do governo Lula em uma política fiscal expansionista agravaria o já pressionado cenário inflacionário. O resultado seria uma deterioração adicional nas condições financeiras das famílias em 2026, ano eleitoral. A avaliação é de Silvia Matos, coordenadora do Boletim Macro do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre/FGV).
“Os efeitos negativos dessa política fiscal são mais rápidos e muito piores para a economia do que os efeitos positivos. Então eu acho que 2026 vai ser muito pior do que 2025, se a gente continuar nessa toada”, previu Matos, durante o IV Seminário de Análise Conjuntural, evento online realizado pelo Estadão e pelo Ibre/FGV, nesta terça-feira, 17. “Inflação afeta popularidade, não importa o governo, se de direita ou esquerda.”
A pesquisadora observa que oscilações no câmbio e choques temporários de oferta têm registrado transmissão mais rápida para a inflação atualmente, corroendo o poder de compra das famílias. Ela alerta que o custo da alimentação no domicílio pode fechar o ano de 2024 com uma alta de 9%, seguida de novo aumento de 6% em 2025, a despeito de uma perspectiva de safra agrícola maior no ano que vem, por causa da demanda externa aquecida por proteína animal.
“Então, isso corrói o poder de compra do Bolsa Família, enfim, desse mercado de trabalho que vai começar a desacelerar mais”, apontou Matos.
Para ela, mesmo que nada mude na condução fiscal, o custo da inflação já está dado, de cerca de 5% para o ano que vem, com elevação nos preços da alimentação.
“Isso impacta a popularidade, tá? Então, para mim, qualquer tentativa de acelerar mais a economia, a inflação não vai ser 5% no ano que vem, vai ser maior. E, quanto maior, é até difícil dizer, mas pode ser maior do que isso. Tem pessoas já falando de uma inflação de 6%, e depende também de até onde vai o nosso câmbio. Então o que eu quero dizer é que, do ponto de vista político, não vai ter gasto social que vai conseguir compensar essa situação de uma inflação pior, e até porque qualquer gasto além do que já está precificado seria mais inflacionário ainda”, alertou Silvia Matos.
Aumento de gastos antes da posse
O chefe do Centro de Estudos Monetários do Ibre/FGV, José Júlio Senna, mencionou que o atual governo aumentou gastos desde antes de sua posse, quando articulou a PEC da Transição, mas que o momento atual é de liderar o Congresso pela aprovação de um pacote de austeridade, convencendo os parlamentares de que a solução traria resultados positivos e benefícios a todos.
“O (Poder) Executivo tem de dar um norte para o Congresso, para trazer os congressistas para o seu barco, para o seu comando, como já aconteceu em outras administrações federais”, sugeriu Senna. “Ninguém quer ficar fora do barco vencedor. Sem isso, não tem condições de os políticos acompanharem uma política de austeridade.”
Senna avalia que o aumento de receita previsto pelo governo “é coisa pequena perto do que precisa”, portanto, a solução passa por um corte de gastos efetivo, que inclui a revisão de subsídios como a Zona Franca de Manaus, Microempreendedor individual (MEI) e Simples Nacional.
“Tem um monte de benefícios e subsídios que são passíveis de serem corrigidos”, afirmou Senna.
Silvia Matos endossou a solução, propondo uma redução de 10% em todos os benefícios tributários linear a todos os setores da economia. A política fiscal expansionista é o que está prejudicando a eficácia da política monetária no País, elevando assim a taxa de juros de convergência da inflação para a meta, disse Senna.
“Nos últimos três anos, indiscutivelmente, temos uma política monetária que pode ser classificada como restritiva, contracionista”, disse o chefe do Centro de Estudos Monetários. “O juro médio, em termos reais, nos últimos três anos foi de 7,2% ao ano. É uma taxa bastante forte. Hoje pela manhã vimos que o Banco Central fez uma revisão da taxa neutra de juros, 5%. Não é mais tão restritiva assim, mas ajustes na taxa de juros para frente estão sendo feitos.”
Senna lembra que, diante da política monetária restritiva, a inflação deveria ter cedido mais, porém, “não está melhorando”, e a “perspectiva para frente não é nada animadora”.
“Por que a política monetária apertada não está produzindo efeitos sobre a inflação? Porque, de outro lado, a política fiscal tem agido com muita força. A política fiscal prejudica a eficácia da política monetária”, disse o pesquisador.
Taxa Selic a 18% ao ano?
Segundo ele, pesquisadores já têm calculado que a taxa de juros de convergência da inflação à meta estaria na casa de 17% ao ano, 18% ao ano. “Não é absurdo pensar que a taxa Selic de convergência esteja nesse patamar”, afirmou.
Senna afirmou que a taxa de convergência tem se tornado tão elevada por conta da política fiscal expansionista, o que acaba por colocar o Brasil num estado de “dominância monetária incompleta”.
“A preocupação é gigante, o momento é de tratar esse assunto rigorosamente com urgência”, defendeu. “Nossos governantes precisam agir com rapidez. Lembrando que problema é fiscal, então a solução tem que ser fiscal. Não faz sentido acreditar que a autoridade monetária vai resolver esse problema. O Banco Central sozinho não vai dar conta do recado”, afirmou.
O efeito Trump no radar
O cenário externo complicado traz desafios adicionais para o quadro inflacionário brasileiro no próximo ano. Se o presidente eleito dos Estados Unidos, Donald Trump, implementar suas promessas de campanha ao assumir o governo, como a tributação a produtos estrangeiros, a perspectiva de uma maior pressão inflacionária em seu País terá repercussões na condução da política monetária pelo Federal Reserve (Fed, banco central americano), contribuindo para um cenário mais preocupante também para o Brasil, lembrou Armando Castelar, pesquisador associado do Ibre/FGV.
Segundo o pesquisador, as pressões inflacionárias provenientes de eventuais medidas de Trump incidiriam sobre os custos de produtos e da mão de obra, fazendo o Federal Reserve interromper o ciclo de corte na taxa básica de juros em 2025.
“Ainda esperam mais um corte (na taxa de juros americana), mas já tem muita gente apostando que, ano que vem, não vai ter mais cortes. O cenário é preocupante pra gente”, explicou Castelar. “Reforça a tendência de dólar forte em 2025.”
Quanto à desvalorização do câmbio no Brasil, Castelar frisou ser importante corrigir a origem do problema, em vez de mexer no sintoma. O cenário externo, como um todo, estará mais adverso no ano que vem, diz. Além da eleição de Trump, o pesquisador lembra da turbulência política na França e na Alemanha, além dos sucessivos pacotes econômicos anunciados pela China.
“É um cenário externo que muda para pior”, alertou. “Poucas vezes a gente chegou no final do ano com essa convicção de que as coisas têm que mudar no ano seguinte”, defendeu.
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