Inflação de alimentos deve voltar a subir em setembro, com estiagem e queimadas

O avanço de queimadas e seca recorde pressionará o IPCA ao encarecer a carne bovina, o café e o açúcar, entre outros itens, projetam economistas consultados pelo ‘Estadão/Broadcast’

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Foto do author Anna Scabello
Atualização:

O clima seco e as queimadas em boa parte do País devem prejudicar a produção de itens como carne bovina, cana-de-açúcar e algumas frutas e levar a inflação da alimentação no domicílio, medida pelo IPCA, para o terreno positivo já no mês de setembro, após a deflação de agosto, projetam economistas consultados pelo Estadão/Broadcast.

O cenário contrasta com os últimos dois anos, quando a inflação de alimentos consumidos em casa fechou setembro com deflação (de 1,02% em 2023 e de 0,86% em 2022). A última alta registrada para a abertura do nono mês do ano foi em 2021 (1,19%), mas em um contexto de disparada dos preços como reflexo da pandemia.

A pressão na oferta de alguns alimentos devido ao clima seco se soma aos impactos da mudança de bandeira tarifária na energia elétrica, que já levou o mercado a revisar para cima as projeções para a inflação do mês.

Queimadas prejudicam a produção agrícola Foto: Polícia Rodoviária Federal

Comida mais cara na mesa

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O economista da LCA Consultores e especialista em inflação, Fabio Romão, projeta alta de 0,17% para a alimentação no domicílio no IPCA de setembro. Ainda que modesta, Romão destaca que essa variação contrasta com o recuo no IPCA de agosto e também com o padrão sazonal da alimentação no domicílio para os meses de setembro.

“A mediana da variação da alimentação no domicílio nos meses de setembro dos últimos dez anos (de 2014 a 2023) é de queda de 0,33%. A taxa esperada para setembro agora não é alta, mas é muito diferente da mediana”, acrescenta Romão, que atrela o cenário aos impactos do clima seco e a falta de chuvas das últimas semanas.

Prejuízo na cana-de-açúcar

Entre os principais vetores de pressão para esta leitura, o economista enumera as frutas, derivados do leite, café, bebidas não alcoólicas e feijão. A produção da cana-de-açúcar, acrescenta Romão, também tende a ser prejudicada com o clima seco e as queimadas, especialmente no Estado de São Paulo, mas o impacto no IPCA deve ficar mais para frente. “Pensando no timing da safra, deve ter impacto no começo de 2025″, estima.

Romão espera que a alimentação no domicílio encerre o ano de 2024 com alta de 5,6%, após um recuo de 0,52% no acumulado de 2023. A projeção chegou a rodar na casa de 4,5% e foi sendo ajustada, à medida que os impactos do clima seco deste ano eram incorporados ao cenário, observa o economista. A pressão nos alimentos, acrescenta, também contribuiu para a revisão altista na projeção da LCA para o IPCA como um todo deste ano, que era de 4,2% há dois meses e hoje está em 4,4%.

Pressão sobre a carne

A Warren Investimentos também tem em seu cenário-base o retorno da alimentação no domicílio para o nível positivo na passagem do IPCA de agosto para o de setembro (-0,95% para 0,05%). A estrategista de inflação da casa, Andréa Angelo, cita que o clima seco tende a prejudicar a oferta de alguns itens in natura, mas, para ela, o principal problema causado pela falta de chuvas deve aparecer no preço da carne bovina.

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“Tivemos um primeiro semestre com um ‘superabate’ de bovinos e, agora, por causa da seca, as pastagens estão muito ruins. O boi demora mais para engordar, então a oferta de animais para abate diminui”, detalha a economista.

Em relação aos problemas com a cana-de-açúcar, Angelo aponta que as queimadas em algumas regiões produtoras fizeram com que a produção tivesse de ser direcionada mais para o etanol do que para o açúcar, interferindo na quantidade ofertada de cada item. “Então deve haver um repique (no preço) do açúcar, mas queda no preço do etanol. No curto prazo, para o IPCA como um todo, isso não é ruim”, afirma.

Assim, dada a pressão adicional sobre o preço da carne bovina e a manutenção da variação de alguns itens in natura ainda em nível elevado por conta da estiagem, a Warren acrescentou, por ora, 0,07 ponto porcentual à estimativa da casa para o IPCA de 2024, que hoje é de 4,5%, no teto da meta para este ano. Para a alimentação no domicílio, a projeção é de alta de 5,94% em 2024.

Café e açúcar impactados

Já o economista da Quantitas João Fernandes avalia que o efeito das queimadas e da estiagem sobre a inflação de alimentos ainda é incerto. Por ora, diz, itens como café e açúcar já sentem impactos mais expressivos nos preços. Fernandes também chama a atenção para os efeitos sobre a cotação do boi gordo com vencimento em outubro de 2024, que já subiu cerca de 6% desde o início de agosto.

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“A cotação (do boi gordo) tem andado também, mas é um pouco difícil isolar o quanto é efeito das queimadas e o quanto é efeito do ciclo de abate de fêmeas”, analisa Fernandes. “Ali reside um risco importante a se monitorar”, diz.

Para ele, caso o risco se concretize, a maior parte do impacto no IPCA de setembro deve ser absorvida pela carne bovina. “Tem um peso muito grande”, afirma. O economista prevê que a alimentação no domicílio deverá avançar a 0,44% em setembro, após queda de 1,51% em julho e perspectiva de recuo também para agosto. A projeção da Quantitas é de alta de 5% para a inflação da alimentação no domicílio neste ano.

Para o IPCA como um todo, Fernandes estima alta de 4,2% em 2024. Apesar da recente pressão nos alimentos já incorporada ao cenário, ele cita que há perspectiva de uma contribuição para atenuar a inflação vinda do etanol, pelo aumento da moagem da cana, devido às secas. Há, porém, um risco de alta para esse item a partir do primeiro trimestre de 2025, ressalta.

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