RIO - A aceleração da inflação, que se aproxima dos 10% no acumulado em 12 meses, tem origens num fenômeno global, associado à pandemia, mas é agravada por problemas nacionais, como a estiagem - que encarece a conta de luz - e a alta do dólar, causada pela crise política - que encarece importados e os combustíveis, afirmam pesquisadores do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre/FGV).
Para enfrentar o problema, seria necessária a ação coordenada de todo o governo e não apenas do Banco Central (BC), criticaram os especialistas, que participaram, nesta quinta-feira, 9, de seminário online, organizado em parceria com o Estadão.
Segundo José Júlio Senna, chefe do Centro de Estudos Monetários do Ibre/FGV, inflação elevada é um fenômeno “novo e raro”, que ocorre no mundo todo, em decorrência da covid-19. “O que a pandemia fez? Inibiu a produção e a distribuição de bens, os gargalos de oferta apareceram, e produziu o desvio de demanda de certos serviços para certos bens”, afirmou Senna, durante o III Seminário de Análise Conjuntural de 2021.
Pelo lado da oferta, as medidas para conter a pandemia atrapalharam a produção. Fábricas fechadas no início de 2020, o sistema de frete marítimo desorganizado e as paradas de produção causaram, com efeito cascata, escassez e encarecimento de componentes. Pelo lado da demanda, as famílias deixaram de gastar com serviços (por causa da covid-19) e passaram a gastar com bens, num movimento turbinado pelas políticas de transferência de renda adotadas por diversos países. A combinação de oferta restrita com demanda elevada resulta em elevação de preços.
Na visão de Senna, “ninguém sabe” até quando esse fenômeno seguirá. “Não há registro, no mundo, de analistas ou empresários que entendam que esse fenômeno vai passar na próxima quinta-feira. É algo que demora, vamos entrar em 2022”, completou o pesquisador.
No Brasil, a aceleração da inflação é agravada por dois fatores locais. Um é a estiagem, que levou o nível dos reservatórios das usinas hidrelétricas às mínimas históricas, ameaça a capacidade de geração de energia elétrica e provoca o encarecimento das contas de luz - por causa do acionamento das usinas térmicas, cujo custo de geração é maior. O outro fator é o câmbio, já que a alta do dólar, puxada por incertezas políticas, gera reajustes de preços de bens e componentes importados.
“O processo tem, no fundo, a mesma origem de outros lugares, mas aqui é mais complicado e muito mais difícil de ser combatido”, afirmou Senna.
O problema aí é que, no Brasil, o combate da inflação não depende apenas da ação do BC, mas, sim, da condução da política econômica como um todo. Sinais de desequilíbrios das contas públicas, declarações recentes do presidente Jair Bolsonaro e o próprio rumo das propostas econômicas do governo no Congresso Nacional tornam “muito difícil” a tarefa do BC de controlar a inflação, afirmou Senna.
“Se passar a reforma do Imposto de Renda (IR) com queda de arrecadação já no ano que vem, o câmbio vai a R$ 6 de novo”, completou Silvia Matos, coordenadora do Boletim Macro Ibre, também participante do seminário online.
Para Armando Castelar, coordenador da área de Economia Aplicada do instituto, para além da falta de ajuda da política econômica como um todo, o BC falha ao “ficar a reboque” no combate da inflação. Ele diz que o BC demorou a reagir, com elevação de juros e comunicados ao mercado. Segundo Castelar, o Banco Central subestimou as projeções de inflação em suas estimativas públicas e minimizou o desequilíbrio fiscal em sua comunicação.
No fim de agosto, o presidente do BC, Roberto Campos Neto, fez um discurso mais alinhado com o governo, argumentando que os números atuais não mostram deterioração do cenário fiscal, repetindo que há diferença entre percepção com ruídos e realidade.
“O BC não vai controlar as expectativas (de inflação) se continuar a reboque. Mesmo nas mensagens sobre o (equilíbrio) fiscal, ele está atrasado. Estar a reboque dos fatos não ajuda. O BC precisa assumir o controle desse processo”, afirmou Castelar.
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