Inflação: ‘IPCA pode passar de 5% este ano’, diz Heron do Carmo

O economista e professor da FEA/USP vê um cenário preocupante para os preços, especialmente por conta da situação fiscal, e alerta que o governo ‘está arrecadando e gastando como nunca’, o que acaba resultando em mais inflação

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Foto do author Márcia De Chiara
Atualização:
Foto: Hélvio Romero/Estadão
Entrevista comHeron do CarmoProfessor sênior da FEA/USP

O economista Heron do Carmo, professor sênior da Faculdade de Economia e Administração da Universidade de São Paulo, está preocupado com a inflação e não descarta a possibilidade de que o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) encerre este ano acima de 5%, que ultrapassaria o teto da meta do governo para o ano (4,5%).

Em setembro, o IPCA, o termômetro da inflação oficial do País, voltou a subir e fechou o mês com alta de 0,44%. A inflação acumulada em 12 meses já é de 4,42%. É um resultado muito próximo do teto da meta, que é de 4,5%.

“Acho que nós vamos começar o ano em uma situação pior em termos de inflação”, alerta Heron, um dos maiores especialistas do País sobre o tema. Ele lembra que existe uma superindexação dos preços na economia brasileira ao salário mínimo e que o Produto Interno Bruto (PIB) está crescendo também. Esses fatores podem pressionar ainda mais a inflação.

Mas a maior questão em relação à inflação, na opinião do economista, é o desajuste fiscal. “O governo está arrecadando como nunca e está gastando como nunca e o caminho disso, pela história econômica do Brasil e pela história econômica mundial, é inflação”, afirma. A inflação é um imposto que fecha a conta, completa. A seguir, os principais trechos da entrevista.

Como é o sr. está vendo o desempenho da inflação neste momento?

Devido a uma série de fatores, como por exemplo a questão climática, além do fato de que a inflação no final do ano passado ter sido muito baixa para o padrão – tivemos um único mês com uma inflação um pouco mais elevada, que foi em dezembro do ano passado, superando 0,5% –, tudo indica que nós teremos um resultado de superação do teto da meta este ano.

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Vai passar 4,5%?

Vai passar 4,5%. Provavelmente, já no próximo mês tem condição de passar de 4,5%.

Qual é a sua projeção?

A minha projeção depende de uma série de fatores. Principalmente em dezembro, podem ter alguns fatores que aliviem um pouco relativamente em relação ao ano passado. Mas acho que o mais provável é que a inflação fique na faixa de 4,7%, 4,8%, podendo até chegar a 5% este ano.

Por quê?

Porque tem uma pressão de preço de alimentos. Alguns alimentos apresentaram uma queda de preço por causa do inverno. O inverno com sol favoreceu a produção de hortifrutigranjeiros e esses (produtos) provavelmente deixarão de ter o efeito de aliviar a inflação a partir de agora. Há produtos também que normalmente complicam no final do ano, como o caso do feijão. Tem a questão da energia elétrica que talvez continue com a bandeira 2, vermelha. Então, a minha expectativa é de que nós tenhamos uma inflação significativamente acima do teto da meta. O que poderia aliviar é essa questão do combustível, o petróleo andou com preço menor. Mas agora, com essa tensão no Oriente Médio, até isso pode piorar. E há a questão também da taxa de câmbio. Houve uma valorização do real, e isso poderia ajudar. Como o governo tem uma certa interferência indireta no preço do combustível, isso pode até ser utilizado no final do ano para tentar melhorar um pouquinho a foto. Mas o mais provável é que nós tenhamos uma inflação entre o teto e 5%. E não está descartada a possibilidade de passar do 5%.

Isso preocupa?

Isso preocupa porque o Brasil é uma economia indexada. Há uma superindexação do salário mínimo, o PIB (Produto Interno Bruto) também vai crescer. Isso vai ser um problema difícil para o próximo ano. Algumas mudanças que foram feitas na questão fiscal principalmente aumentaram a instabilidade. Acho que nós vamos começar o ano em uma situação pior em termos de inflação. Eu lembraria a você uma declaração do Márcio Holland (professor na Escola de Economia de São Paulo da Fundação Getulio Vargas e secretário de Política Econômica no Ministério da Fazenda entre 2011 e 2014), que foi do governo da presidente Dilma (Rousseff), falando que ele passou por isso. O que eu entendi dessa declaração é que, de certa forma, ele está alertando para a situação fiscal.

O governo está arrecadando como nunca e está gastando como nunca.

Como assim?

O governo está arrecadando como nunca e está gastando como nunca. O caminho disso, pela história econômica do Brasil e pela história econômica mundial, é inflação. Isso desemboca em inflação. A inflação é um imposto que fecha a conta. A minha preocupação com isso é que a inflação é talvez a variável econômica de maior impacto político, porque a inflação afeta todo mundo. O desemprego é importante, mas afeta uma parcela do eleitorado, a inflação não, é geral. Então, isso pode se constituir num complicador, num fator de perturbação política, se nada for feito para resolver o problema de base, que é essa questão de evitar um aumento mais significativo da relação dívida/PIB.

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Heron do Carmo, professor sênior da FEA/USP, alerta para os efeitos do desajuste fiscal na inflação Foto: Hélvio Romero/ Estadão

Quanto o sr. está projetando de inflação para o ano que vem?

Projetar para o ano que vem é muito difícil. Se nós terminarmos com uma inflação este ano acima do teto da meta, mesmo que o Banco Central aumente a taxa de juros, eu acho que será muita coisa para a política monetária resolver sozinha.

O que o governo precisaria fazer para resolver essa questão?

Precisaria tentar reduzir o déficit (público).

Como?

Tem algumas medidas que ele poderia fazer, que é, por exemplo, tentar mudar aquela regra do salário mínimo, de aumento de acordo com o (crescimento do) PIB. Tem a questão também que houve uma mudança nas vinculações no início do governo Lula, ou seja, aquela questão de vincular Educação e Saúde com relação à receita. Isso tudo acaba reduzindo o espaço para fazer um acerto fiscal. Eu diria que a coisa está complicada.

A política monetária é insuficiente para resolver o problema?

É muito esforço para a política monetária sozinha. O governo tem de reduzir o déficit. Isso é mais fácil hoje, porque a economia está crescendo. Se a economia está crescendo, você pode reduzir o déficit mais facilmente do que com a economia em recessão. E essa história a gente sabe onde acaba. Deságua em mais inflação. Mais inflação leva a uma necessidade de aperto na economia, como aconteceu, por exemplo, em 2015. Daí, vamos ter o pior dos mundos: durante algum momento, inflação com uma economia mais fraca, evoluindo no ritmo menos intenso do que está agora.

O governo não está enxergando isso?

Tenho a convicção de que parte do governo esteja enxergando isso. Essa é uma preocupação real. Acho que é importante reforçar isso para alertar que a coisa não está perdida. Se começar a encaminhar essa situação fiscal para a direção requerida, eu acho que se pode ainda voltar ao bom caminho.

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Então, o Banco Central fez bem de subir os juros?

O Banco Central fez bem de subir os juros. E o próprio presidente do Banco Central (Roberto Campo Neto) já declarou, pelo menos deixou ali implícito, que o Banco Central continuará a subir juros.

O senhor acha que os juros vão continuar subindo o ano que vem?

Acho que, se esse cenário prevalecer, porque o futuro a Deus pertence, vai ter de continuar subindo juros.

Mas os efeitos da seca nos preços dos alimentos e da energia elétrica não podem ser controlados pelos juros.

Se for feito o ajuste, isso até beneficiará a inflação do ano que vem, porque não haverá os efeitos (da seca). Mas o problema é que a inflação vem preocupando desde o início do ano. Não é uma questão só do clima, da seca. Se não tivesse a seca, nós teríamos, por exemplo, talvez um resultado melhor. Mas é que a tendência vinha sendo de alta da inflação em 12 meses, mesmo antes da seca e das enchentes no Sul.

O sr. falou do câmbio. Com a melhora da nota de crédito do Brasil, pode ser que entrem mais recursos no País e isso dê uma aliviada na inflação por meio da taxa de câmbio?

Isso eu acho que é relativo, porque foi uma das agências (que melhoraram a nota, a Moody’s) e nem é a mais importante. O que pode melhorar a situação é a postura do governo, uma atenção maior à situação fiscal.

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