Inflação em alta: piora nas projeções deve dificultar redução dos juros pelo Banco Central

Economistas estimam que IPCA deve encerrar o ano em 6%, bem acima do teto da meta definida pelo governo, de 4,75%

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Foto do author Luiz Guilherme  Gerbelli
Foto do author Márcia De Chiara
Atualização:

A sequência de piora nas projeções de inflação para 2023 e 2024, acumuladas nas últimas semanas, deve dificultar ainda mais a situação do Banco Central (BC) para reduzir a taxa básica de juros (Selic), atualmente em 13,75% ao ano.

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No cenário atual, economistas já projetam que o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) deve encerrar 2023 em 6%, acima do teto da meta definida pelo governo, que é de 4,75%. A nova estimativa de inflação é quase 1 ponto porcentual a mais do que se previa na virada do ano. Para 2024, as projeções já estão em 4%.

A deterioração do quadro da inflação ocorre por vários motivos. Ela tem a ver com as ações que o governo Jair Bolsonaro adotou no ano passado e os sinais confusos do início da administração de Luiz Inácio Lula da Silva na área econômica, sobretudo com relação ao rumo da política fiscal.

“Basicamente, todas as revisões que temos feito neste ano têm sido por conta de preços administrados (serviços e produtos com reajustes definidos por contratos ou regulados pelo setor público)”, afirma Júlia Passabom, economista do Itaú Unibanco. O banco aumentou de 5,8% para 6,3% a previsão para a inflação deste ano. Os administrados devem subir entre 10,5% e 11%.

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A lista de medidas que vão influenciar os administrados inclui a volta da cobrança de PIS e Cofins sobre gasolina e etanol e a de ICMS (imposto estadual) sobre eletricidade.

Em 2022, de olho na sua campanha à reeleição, Bolsonaro colocou em marcha uma série de medidas tributárias para ajudar no controle da inflação. Ele zerou tributos sobre combustíveis e sancionou um projeto aprovado pelo Congresso que limitou a alíquota de ICMS sobre combustíveis, energia elétrica, telecomunicações e transporte coletivo. As medidas foram criticadas do ponto de vista fiscal por ocasionar perda de arrecadação sem uma contrapartida.

“Isso foi decisivo para termos uma inflação de 5,8% em 2022, ou o resultado seria um IPCA entre 8,5% e 9%”, afirma André Braz, economista do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas.

Os preços administrados explicam apenas uma parte do resultado da inflação deste ano. O IPCA ainda vai ser influenciado pela dinâmica da inflação de serviços, que costuma ter um comportamento mais persistente.

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“A situação piorou”, afirma o economista da LCA Consultores Fabio Romão. Ele revisou de 5,2% para 5,7% a previsão de inflação deste ano por conta da pressão dos serviços e, especialmente, da discussão sobre a questão fiscal, que tem impacto no câmbio e nas expectativas.

Sem âncora

O que os economistas também têm apontado é que os primeiros movimentos do governo Lula na economia têm provocado uma desancoragem das expectativas inflacionárias. O presidente, por exemplo, criticou publicamente a condução da política monetária pelo BC, e o governo chegou a indicar que poderia rever metas de inflação.

A equipe econômica também tem sido cobrada para apresentar a nova âncora fiscal que vai substituir o teto de gastos. Sem uma sinalização do controle das contas públicas, há uma piora da percepção de risco dos investidores.

“Poderíamos ter uma inflação mais baixa desde que houvesse uma sinalização do governo em relação ao novo arcabouço fiscal”, afirma o economista Heron do Carmo, professor sênior da FEA/USP. O economista, que chegou a projetar alta de 5,5% para o IPCA deste ano, agora espera uma taxa mais próxima de 6%. Apesar de ter aumentado a previsão, Heron acredita que, se o governo apresentar um novo arcabouço fiscal factível, será possível atenuar as expectativas e a economia como um todo ter uma evolução melhor do que se espera hoje.

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Serviços em alta

Com o arrefecimento da pandemia, os brasileiros voltaram a frequentar bares e restaurantes e a viajar. Mas se defrontaram com a alta da inflação dos serviços. Em 2022, a inflação de serviços teve alta de 8%, índice que continuou acelerando neste início de ano. Em 12 meses até janeiro, foi para 8,35%, e a perspectiva é de que alcance 8,85% neste mês, nas contas do economista Fabio Romão, da LCA Consultores.

A mudança de hábito com a queda nos registros de casos de covid-19 impulsionou a subida de preços dos serviços, e os prestadores, por sua vez, aproveitaram para repassar os aumentos de custos. Isso explica, segundo o economista, a alta dos preços no segmento.

O economista Heron do Carmo, da FEA/USP, também lembra que o salário mínimo é importante na formação de preços dos serviços, um setor intensivo em mão de obra. “Tivemos um aumento do salário até um pouquinho acima da inflação, o que é bom, mas isso contribui para a inércia inflacionária”, diz. Na prática, mantém os preços dos serviços sob pressão.

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Como efeito desse quadro, consumidores já tentam “escapar” da inflação de serviços. Pesquisa da consultoria Bain & Company, feita no fim do ano passado, mostra que 38% das cerca de 2 mil pessoas ouvidas passaram a reduzir as idas a restaurantes e cafés. Elas voltaram a fazer refeições e a consumir bebidas em casa.

Foi o caso do representante comercial Roberto Proença, de 58 anos. Ele faz parte de um grupo de dez amigos que tinham o hábito de sair uma vez por mês para beber. Diante da alta de preços dos bares e restaurantes, passaram a se reunir em casa.

Roberto Proença, de 58 anos, passou a se reunir em casa com os amigos para fugir da alta dos preços Foto: Daniel Teixeira/Estadão

Nas contas de Proença, a mudança compensa. Uma caipirinha de cachaça, por exemplo, que custa no bar entre R$ 28 e R$ 35, sai por no máximo R$ 8 quando preparada em casa. “Foi um jeito de continuar a ter um lazer, encontrar os amigos, comer e beber o que se gosta, e gastando bem menos”, afirma. Proença acredita que a alta dos preços do gás, da eletricidade e da mão de obra pressionaram os custos dos bares.

No acumulado de 12 meses até janeiro, a alimentação fora de casa aumentou 7,82%, acima, portanto, do índice geral, que subiu 5,77% no período.

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“Nós passamos muito tempo sem conseguir subir (os preços), especialmente na pandemia”, afirma Paulo Solmucci, presidente executivo da Associação Brasileira de Bares e Restaurantes (Abrasel). “De junho do ano passado para cá, quando os (preços dos) alimentos começaram a dar uma certa folga, passamos a recuperar um pouco dessa margem.”

Um levantamento realizado pela entidade em janeiro aponta que 40% dos empresários do setor repassaram para seus preços a média da inflação e 10%, acima do índice.

“Existe uma defasagem de inflação de alimentos que não conseguimos repassar. Dessa forma, o nosso setor, provavelmente, vai subir preços acima da inflação neste ano também. É impossível continuar operando com mais da metade das empresas sem fazer lucro”, afirma Solmucci.

A pesquisa da entidade também indicou que 19% dos empresários operam seus negócios com prejuízo.

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