Inflação de serviços preocupa Brasil e EUA e dificulta luta dos BCs para controlar preços

Preços do setor seguem bem acima da média histórica no mundo, o que exige cautela das autoridades monetárias; como consequência, processo de desinflação deve caminhar em ritmo mais lento em 2024

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NOVA YORK E SÃO PAULO - Dos disputados ingressos para os shows de Taylor Swift ao efeito da Messimania na liga de futebol dos Estados Unidos, os sinais de uma inflação de serviços resistente reforçam o alerta de que a última milha (“last mile”) da luta contra a alta dos preços pode ter um caminho esburacado à frente.

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Após encorajar investidores ao redor do globo quanto à queda dos juros ao longo deste ano, o processo de desinflação se mostra mais lento, pode exigir taxas elevadas por mais tempo e retardar o grito de vitória dos bancos centrais.

Dados da inflação ao consumidor de janeiro e fevereiro, no Brasil e nos Estados Unidos, vieram acima das expectativas de Wall Street e da Faria Lima, em novo alerta do setor de serviços. Na Europa, os preços caíram em países como Portugal, Alemanha, França e Espanha no mês passado, mas o segmento e o mercado de trabalho firme também preocupam o Banco Central Europeu (BCE).

“Tivemos dois meses de uma inflação instável. Temos dito constantemente que seria uma jornada esburacada. Agora, aqui estão alguns solavancos, e a questão é: há mais do que solavancos?”, questionou o presidente do Federal Reserve (Fed, o banco central americano), Jerome Powell, em entrevista à imprensa, ao comentar a visão dos dirigentes sobre a dinâmica da inflação nos EUA.

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Taylor Swift em show de São Paulo; mesmo ingressos para shows da cantora americana podem ter efeito na inflação do setor de serviços Foto: Julia Queiroz / Estadão

No Brasil, o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, também tem feito declarações recorrentes quanto à necessidade de monitorar os desdobramentos da inflação de serviços. Em uma delas, ele disse que os preços do setor seguem bem acima da média histórica no mundo, o que exige cautela das autoridades monetárias. Mas afirmou também, em uma palestra no início do mês, que ainda não vê uma luz amarela à frente.

Para Powell, os dados da inflação em janeiro e fevereiro não podem ser usados “em demasia”, mas também não devem ser “ignorados”. “Acho que não sabemos realmente se isso é um obstáculo no caminho ou algo mais. Teremos que descobrir”, admitiu ele.

O alerta também veio do Banco de Compensações Internacionais (BIS). Em seu mais recente relatório trimestral, o organismo, conhecido como o banco central dos bancos centrais, avaliou que a inflação de serviços deve retardar o corte de juros, além de servir como um obstáculo para a “last mile” na luta das autoridades monetárias contra os preços que dispararam na esteira da pandemia.

“Existem riscos. A luta contra a inflação ainda não terminou. Haverá diferenças entre países, mas, em geral, é importante que os bancos centrais permaneçam vigilantes e ágeis”, disse o diretor do departamento econômico e monetário do BIS, Claudio Borio, em entrevista à imprensa, ao comentar o novo relatório trimestral da entidade.

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Segundo o estudo do organismo, a inflação de serviços deve fazer com que o processo de desinflação caminhe em um ritmo mais lento em 2024. Há três razões para isso. Primeiro, o setor é menos sensível à queda dos preços de energia. Segundo, o mercado de trabalho segue aquecido e o setor de serviços é mais intensivo em mão de obra. Por fim, a pandemia causou “desvios substanciais” no segmento e, caso isso se repita, os preços praticados podem subir ainda mais para recuperar o atraso.

O economista-chefe do Bank of America para os EUA, Michael Gapen, vê a inflação de serviços resistente no país, mas diz que está “moderadamente preocupado” com o componente e os seus efeitos na economia americana. Na sua visão, um crescimento maior do Produto Interno Bruto (PIB) e uma menor taxa de desemprego em 2025 podem pressionar os preços do setor, mas sem grandes chances de respingar na trajetória da inflação e na política monetária do Fed.

Isso porque, por outro lado, os custos de moradia nos EUA, que têm grande influência no componente, devem apresentar uma tendência de queda nos próximos dois anos, rumo ao patamar dos aluguéis. “Os riscos de a inflação de serviços se tornar mais rígida são maiores do que o cenário oposto, mas a minha preocupação é de baixa a moderada, principalmente porque os custos de moradia têm um grande peso e devem apresentar uma tendência de queda (à frente)”, prevê.

O diretor de Investimentos de Renda Fixa Global da BlackRock, Rick Rieder, explica que muitos dos componentes dos preços do setor de serviços são cíclicos e têm dificuldade em responder ao instrumento de juros altos, que pode acabar sendo ineficiente nesses casos. E os impactos aparecem além de segmentos tradicionais como seguros, custos médicos e educação. “Um exemplo dramático é o extraordinário frenesi de preços pós-pandemia para serviços experienciais, como shows. Pense em Taylor Swift, e eventos esportivos como o efeito do Messimania na liga de futebol americana”, diz Rieder.

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No Brasil, a preocupação dos analistas também é com a última pernada na luta contra os preços. Na quarta-feira, 20, no comunicado da sua decisão de juros, o Comitê de Política Monetária (Copom) afirmou que a trajetória de desinflação continua, mas destacou que medidas de inflação subjacente têm superado as expectativas nos últimos dados.

O economista-chefe do Banco BV, Roberto Padovani, diz que, sem a ajuda da desinflação de matérias-primas vista em parte de 2022 e 2023, o IPCA deve demorar mais para convergir ao centro da meta, de 3%. O mercado de trabalho aquecido e a expectativa de elevação nos gastos do governo também indicam aumento da renda da população, que deve manter a inflação resiliente, sobretudo nos serviços.

Ele acrescenta que, aqui, dois fatores aparecem como um peso extra para a inflação: a expectativa de um cenário mais turbulento de crescimento americano, que deve contribuir para levar o dólar a R$ 5,30 no fim de 2024; e a incerteza sobre quem será o indicado pelo governo Lula para presidir o Banco Central a partir do próximo ano, que tem contribuído para manter as projeções do mercado para o IPCA acima do centro da meta.

“Isso não significa necessariamente uma aceleração inflacionária, porque, no fim do dia, o mundo é desinflacionário, com a China e a Europa desacelerando”, afirma Padovani. “Mas, quando você junta todos esses fatores, a última milha no Brasil pode dar trabalho, assim como nos Estados Unidos. A nossa preocupação é com a última milha.”

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O economista-chefe da G5 Partners, Luís Otávio de Souza Leal, diz que as surpresas recentes com o crescimento das vendas do varejo e dos serviços no Brasil — que superaram as expectativas do mercado em janeiro — ainda sinalizam pouca pressão para a inflação de serviços. Em contrapartida, o desempenho do mercado de trabalho indica uma taxa mais resiliente, que pode atrasar o alívio desse grupo.

“Não há, a princípio, uma expectativa de que a inflação de serviços vá voltar a subir no acumulado de 12 meses, a discussão é quanto ela vai desacelerar em relação ao ano passado”, diz o economista. “Talvez o dado mais preocupante tenha sido o Caged, que mostrou a criação de 180 mil empregos e, quanto mais aquecido estiver o mercado de trabalho, mais fácil fica conseguir aumentos acima da inflação.”

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