Brasília - Os atos criminosos que levaram à invasão e depredação do Palácio do Planalto, Congresso e Supremo Tribunal Federal são péssimos para a economia e para a fase inicial de “arrumação da casa” prometida pelo novo governo de Luiz Inácio Lula da Silva. A instabilidade por si só já deve gerar volatilidade com o risco do que aconteceu em Brasília se alastrar pelos Estados.
A crise adicionou uma nova preocupação para os técnicos da área econômica do governo e também para os analistas do mercado financeiro: o da marcha golpista ampliar as dificuldades para o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, adotar medidas impopulares, sobretudo, de alta de impostos e corte de subsídios e renúncias fiscais, além de redução das despesas com a menor execução do Orçamento em 2023.
Apesar da mobilização do governo na resposta aos ataques dos extremistas, Haddad disse a interlocutores, ouvidos pelo Estadão, que trabalha para anunciar as primeiras medidas de ajuste ainda esta semana, como estava planejado desde a semana passada. Haddad prefere não chamá-las de um plano, mas de medidas econômicas, o primeiro passo da estratégia para apontar uma trajetória de sustentabilidade da dívida pública com as medidas.
Se o governo quer mostrar normalidade e busca seguir com o cronograma, no mercado há preocupação de atrasos nos anúncios e de o governo Lula ficar ainda mais “conservador” e acabar brecar medidas mais duras, sobretudo sob a influência da ala política, como aconteceu com a prorrogação da desoneração dos combustíveis nos primeiros dias do governo.
O fim da desoneração da gasolina, que estava na conta da equipe de Haddad, deve ficar mais difícil diante do ambiente explosivo alimentado pelos bolsonaristas. Uma ala dos analistas acha, no entanto, que Haddad pode ganhar tempo na preparação do anúncio e melhorar as medidas. O plano de Haddad, que mostra um ajuste de R$ 223 bilhões, não agradou porque parte das medidas não é recorrente e tem impacto uma única vez nas contas públicas.
“A gravidade do ponto de vista institucional e social não muda a situação fiscal do governo. Uma eventual postergação dessas medidas de ajuste do enfrentamento das questões fiscais é muito ruim”, avalia Jeferson Bittencourt, economista da ASA Investment e ex-secretário do Tesouro Nacional. Segundo ele, há um ajuste fiscal pendente que quanto mais tempo demorar pode se “materializar” em mais dívida pública. O ex-secretário afirmou que os atos ocorridos no domingo podem ter outro efeito: tornar o governo mais avesso a tomar medidas impopulares. “Preocupa a agenda de votação da disposição de fazer reformas estruturais e rever benefícios tributários”, disse.
Em relatório divulgado ontem , a economista-chefe do Credit Suisse Brasil, Solange Srour, e equipe alertam que os atos podem atrasar a agenda econômica. “Os acontecimentos de ontem (domingo) podem atrasar por algum tempo a discussão da agenda econômica, mais especificamente, do plano de ajuste fiscal, de médio prazo”, diz o relatório. Para o Credit, é muito improvável o anúncio de uma revisão das medidas de desoneração fiscal (principalmente nos combustíveis).
Um dos articuladores do encontro de governadores com Lula, o governador do Piauí, Rafael Fonteles (PT), disse ao Estadão que a hora é de união em defesa da democracia e a que agenda pode ficar para depois. “Queremos uma investigação exemplar”, disse. Segundo ele, a prioridade agora é a defesa da democracia. “As outras pautas econômicas e sociais vão ficar para depois”.
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