Depois de encolher em 2023, o investimento deve voltar a crescer no Brasil neste ano, ainda que sem indicar uma reversão do quadro de fragilidade estrutural do País nessa área - no ano passado, a taxa de investimento no País ficou em um patamar bastante fraco, a 16,5% do PIB.
Agora, a economia brasileira deve ser favorecida por uma conjuntura positiva, com a sequência do ciclo de queda da taxa básica de juros (Selic) e de alguma redução da incerteza na condução da política econômica pelo governo Lula.
No ano passado, enquanto o Produto Interno Bruto (PIB) cresceu 2,9%, a formação bruta de capital fixo (investimento) recuou 3%, embora tenha dado algum sinal de melhora no quarto trimestre, quando subiu 0,9% e interrompeu quatro trimestres seguidos de queda.
“(O crescimento em 2024) É um bom sinal, mas estamos vindo de uma queda e uma base de comparação baixa”, afirma Juliana Trece, pesquisadora e economista do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas (FGV Ibre), que estima que a formação bruta de capital fixo vai crescer 3,4% este ano. “Por enquanto, não está sendo previsto nada surpreendente. A expectativa é tímida, mas, pelo menos, é de um crescimento’, diz.
Em 2024, os juros devem seguir em queda. A Selic começou a recuar em agosto passado, quando estava em 13,75%. Atualmente, o patamar da taxa básica é de 11,25%. E a expectativa dos analistas consultados pelo relatório Focus, do Banco Central, é a de que caia até 9% ao fim deste ano. Juros elevados afetam o investimento das companhias porque deixam a aquisição de bens e o crédito mais caros.
“O investimento reage muito a política monetária e a mudanças de expectativas”, afirma Andrea Damico, economista-chefe da Armor Capital. “E o que a gente viu nos últimos anos foi um juro num patamar restritivo.”
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O ciclo de queda dos juros explica apenas uma parte da melhora dos investimentos que será observada em 2024. Por ora, há também uma menor incerteza com o rumo da política econômica em relação ao que havia na virada de 2022 para 2023, quando o atual governo ainda não havia tomado posse.
Apesar de não ser considerado perfeito pelos analistas, o arcabouço fiscal, por exemplo, conseguiu dar uma previsibilidade para o rumo das contas públicas e do tamanho do endividamento da economia brasileira nos próximos anos. O governo também conseguiu a aprovação da reforma tributária, o que deve ajudar a melhorar o ambiente de negócios no Brasil a longo prazo.
As contas públicas têm sido um dos pontos mais sensíveis da atual administração. Neste ano, a equipe econômica promete entregar um resultado primário zero - ou seja, gastar, descontando o que paga com os juros da dívida, o equivalente ao arrecadado. Mas os economistas apontam para um cenário diferente. No relatório Focus, a previsão é de que o déficit primário seja de 0,78% do PIB em 2024.
“O ministro (da Fazenda) vem sinalizando que está correndo atrás de um déficit zero. Isso ainda não se materializou, e, a meu ver, existe alguma incerteza”, afirma Leonardo Carvalho, técnico de Planejamento e Pesquisa da Diretoria de Estudos e Políticas Macroeconômicas (Dimac) do Ipea. “E isso é importante porque as decisões de investimento necessitam também do que os empresários acham que vai acontecer com a questão fiscal, se em algum momento o governo vai conseguir fazer com que o total da dívida em relação ao PIB pare de crescer.”
No entanto, na quinta, 7, Lula afirmou que vai discutir em breve com o Congresso o aumento no limite de gastos, o que, segundo ele, será necessário com o aumento das arrecadações. Em fevereiro, o presidente criticou as discussões envolvendo o cumprimento da meta de déficit fiscal zero. Na época, segundo ele, “se der para fazer superávit zero, ótimo; se não der, ótimo também”.
Problema estrutural de décadas trava aumento dos investimentos
O aumento dos investimentos é considerado fundamental para que o País consiga crescer a taxas mais altas nos próximos anos sem apresentar desequilíbrios, como a volta de uma inflação mais incômoda. E com a restrição fiscal, os novos projetos vão depender cada vez mais da iniciativa privada. No ano passado, a queda da formação bruta de capital fixo levou a taxa de investimento no País para um patamar de 16,5% do PIB.
O grande problema é que o número ruim não fica restrito a 2023. Ao longo das últimas décadas, a economia brasileira tem apresentado uma dificuldade estrutural para conseguir aumentar a taxa de investimento. Foram poucos os anos em que ela superou os 20% do PIB, um patamar considerado razoável. Em 2024, deve chegar a 17,6%, de acordo com a projeção do Fundo Monetário Internacional (FMI) - um patamar que deve se manter nos próximos anos.
De fato, o desempenho do Brasil é ainda mais preocupante quando se compara com outros países. Entre 2021 e 2028, a média da taxa de investimento das economias emergentes deve ser de 32,2% do PIB, de acordo com dados do FMI compilados pelo Ibre. A do Brasil será de 17,4% do PIB, e a da América Latina, ficará em 20,4% do PIB.
A melhora a ser observada neste ano, portanto, deixa claro que tem a ver com entraves mais momentâneos. Para conseguir alavancar o patamar dos investimentos, o País terá de fazer mais. Precisará, por exemplo, aumentar a taxa de poupança dos setores público e privado e das famílias. Em 2023, foi de 15,4% do PIB, abaixo do apurado em 2022 (15,8%).
“Se não aumentar a taxa de poupança, fica difícil conseguir aumentar a taxa de investimento. Sem aumentar a taxa de poupança doméstica, vai precisar ter poupança externa”, afirma Sergio Vale, economista-chefe da consultoria MB Associados. “E depender de poupança externa de uma forma muito intensa coloca a gente sob o risco de enfrentar uma volatilidade muito intensa lá fora.”
Será necessário também melhorar o ambiente de negócios – a reforma tributária é um caminho –, com regras claras e estáveis para atrair investimentos e promover uma abertura da economia para uma integração da economia brasileira com o resto do mundo.
Na avaliação do presidente da consultoria de negócios Inter.B, Claudio Frischtak, os investimentos se movem em função do tamanho e da dinâmica do mercado consumidor, assim como dos custos envolvidos na decisão de expandir a capacidade e criar novos produtos. Para ele, o maior entrave aos investimentos hoje é a percepção de risco associada a uma elevada incerteza quanto aos rumos do País. “Essa incerteza vem sendo inflada pelo ‘ruído’ que na realidade vem dos 3 poderes.”
Há, no entanto, uma série de interrogações sobre como a regulamentação da reforma tributária será realizada, especialmente com os desafios de um ano eleitoral pela frente.
Há uma percepção de insegurança jurídica, captura de orçamento e má alocação de recursos, agravadas pela sensação de perda de controle do processo político pelo governo. Além disso, diz Frischtak, o País tem um Executivo dividido - com o pessoal batendo cabeça e um falatório que revela a propensão a um certo intervencionismo -, o que afeta os pequenos e médios empresários, que nutrem forte desconfiança em relação ao governo.
“O fato é que investir é, em essência, uma aposta no futuro; muitos não estão dispostos a apostar, apesar do enorme potencial do País.”
Os exemplos recentes dão margem para a sensação de incerteza e insegurança. Em janeiro, o governo Lula fez um movimento e, posteriormente, recuou da tentativa de colocar Guido Mantega na presidência da Vale. A mineradora já perdeu R$ 48,3 bilhões em valor de mercado desde o início deste ano por causa do processo tumultuado, que teve solução de curto prazo. O conselho renovou o contrato de Eduardo Bartolomeo, até 31 de dezembro de 2024. Há incerteza dentro da própria empresa, contudo, de que o processo de sucessão desenhado favoreça um nome alinhado ao governo.
Já na semana passada, o valor da Petrobras despencou após a companhia anunciar que não iria distribuir dividendos extraordinários aos seus acionistas - num total de R$ 49,3 bilhões. O movimento foi lido pelo mercado como uma interferência política. Em 27 de fevereiro, o presidente Lula afirmou em entrevista à RedeTV: “as empresas brasileiras precisam estar de acordo com aquilo que é o pensamento de desenvolvimento do governo brasileiro”.
Agenda verde pode criar condições para atrair investimentos
Hoje, a atração dos investimentos com base na agenda verde está no radar do governo federal, que também espera atrair novos projetos com a volta do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) e com o Nova Indústria Brasil, um pacote que reedita políticas de antigas gestões petistas ao prever R$ 300 bilhões em financiamentos e subsídios ao setor.
“O Brasil tem uma das maiores tarifas de importação do mundo, tem uma exigência de conteúdo local extremamente descabida, e nova política industrial reforça isso. Também temos poucos acordos comerciais”, diz Vale. Para 2024, a MB Associados projeta uma alta de 0,6% nos investimentos.
Se por um lado a agenda é extensa, a boa notícia é a de que o Brasil pode se beneficiar - e muito - se endereçar uma agenda correta, diante da capacidade que tem para atrair os investimentos verdes e com as mudanças geopolíticas, com o chamado nearshoring - a mudança no modo de organização das multinacionais, que passaram a levar parte de suas fábricas para perto dos mercados consumidores.
“Se o Brasil tiver um programa mais estruturado de como alavancar a indústria a partir da nossa matriz energética renovável, isso tende a destravar o investimento não só para a redução de emissão de gás carbônico dos demais setores, mas também pode alavancar o investimento no setor energético”, afirma Rafael Cagnin, economista do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi).
“O mercado global de energia verde ainda não está estruturado. A gente precisa de uma demanda interna fortalecida para justificar esses investimento, que são de longo prazo e de muito capital intensivo”, acrescenta.
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