GOIÂNIA. A australiana AgBiTech desembarcou há alguns anos no Brasil para oferecer aos agricultores locais controle biológico de pragas. Para poder vender os produtos no País, porém, a empresa precisava fazer testes de qualidade e contratou três pesquisadores no Parque Científico e Tecnológico Samambaia, da Universidade Federal de Goiás (PTS/UFG). Hoje, tem cerca de 30 profissionais contratados, que ocupam várias salas no parque, nas quais fazem testes com milhares de larvas e mariposas.
“A ideia inicial nem era fazer pesquisa e desenvolvimento”, diz Daniel Caixeta, pesquisador sênior da AgBiTech. Mas, com mão de obra qualificada e abundante, uma estrutura sofisticada e custos em conta, os planos mudaram: hoje, mais da metade da pesquisa global da companhia é desenvolvida no País.
A inovação científica é um lado menos medido no movimento de melhoria do desenvolvimento humano e da redução da desigualdade social no Centro-Oeste. “A formação de pessoas qualificadas pelas universidades por si só gera impacto importante, com a transformação social da realidade dos estudantes e de suas famílias”, afirma Luizmar Adriano Junior, diretor executivo do PTS/UFG. “Isso representa retorno do investimento público que financia a universidade, a inovação e a pesquisa, bem como a sociedade como um todo, e que nem sempre conseguimos mensurar.”
O parque Samambaia abriga hoje 11 empresas incubadas e oito em fase de pré-incubação, que esperam ganhar certo tamanho para se tornarem operacionais. De lá, já saíram outras 33 companhias que passaram a operar com as próprias pernas e ganharam o mercado. Teriam saído mais, caso a estrutura tivesse aumentado na proporção inicialmente projetada. Hoje, há uma fila de interessadas em fazer parte da estrutura, mas o PTS não consegue abrigar a todas.
“O crescimento dos parques tecnológicos se dá por rajadas: temos fases em que entram verbas e, logo em seguida, elas secam”, afirma Adriano. “Não é um modelo apropriado de desenvolvimento porque prejudica o planejamento e a manutenção da operação.”
Com a recente crise fiscal do governo de Goiás e o enxugamento de verbas para a educação do governo Bolsonaro, o PTS ficou por anos sem ver a cor de recursos públicos. O aluguel de espaços a empresas como a AgBiTech e a prestação de serviços a outras companhias serviu para cobrir parcialmente despesas e o custeio das operações.
Em agosto, porém, o Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT) e a agência de inovação Finep anunciaram linhas de R$ 240 milhões que serão destinados a 19 parques tecnológicos. Também tem havido captações de recursos junto a programas estaduais e a empresas que têm interesse na estrutura e em projetos oferecidos pelo centro.
LEIA TAMBÉM
Essa entrada de recursos resultará em estruturas físicas, laboratoriais e espaços para abrigar empresas. Entre os novos projetos contemplados, estão centros de excelência em inteligência artificial, em estudos moleculares em energias renováveis e petróleo e um laboratório multiusuário de computação de alto desempenho, que pretende se tornar um dos maiores do País para computação científica. Segundo Adriano, o projeto de energia, desenvolvido em parceria com a Petrobras, abrigará um conjunto de equipamentos que também serão únicos na América Latina.
Reforço
As novas estruturas ficarão junto às já existentes e que priorizaram as áreas de atuação do parque: alimentos, biotecnologia, energias renováveis e tecnologia da informação, com agronegócio e mineração como linhas paralelas. Entre muitas iniciativas, há um hub de inovação, desenvolvido em parceria com a Merck, para fortalecer a capacidade produtiva da indústria e sua autonomia tecnológica, com a formação de profissionais para a indústria farmacêutica, bastante forte no Estado.
“O parque é um grande articulador das demandas da sociedade por pesquisa e desenvolvimento, encontrando as competências científicas, o capital intelectual da universidade”, afirma Adriano.
Ao contrário de outros Estados da região, Goiás é menos dependente do agronegócio. Quase 62% do PIB goiano é proveniente de serviços, outros 23,6% vêm das indústrias - e menos de 15% vêm dos campos. Assim, o Estado com o maior IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) da região gera oportunidades de pesquisa e desenvolvimento, bem como qualificação e demanda por mão de obra em diferentes áreas.
Uma das maiores usuárias de um dos sofisticados laboratórios do PTS, o CRTI, por exemplo, é a indústria de mineração, bastante forte no Estado, bem como a de medicamentos. Diferentes tipos de moléculas, elementos químicos e cristais são analisados em microscópios óticos e eletrônicos, de raio-X e outros equipamentos, sendo que há alguns únicos na América do Sul.
O PTS também esteve por trás de uma rede de laboratórios makers, desenvolvidos em parceria com o Sebrae e a Fapeg (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Goiás), nos quais os interessados podem desenvolver protótipos que queiram oferecer ao mercado. Há hoje quase 350 usuários cadastrados.
“Vemos os recentes aportes como um aceno de mudança na cultura e política de investimento que coloca os parques tecnológicos como uma peça importante no processo de reindustrialização do Brasil”, diz Adriano. “Esperamos ter uma política de Estado para o setor, com previsão de recursos anuais para poder planejar, executar e manter um ambiente profícuo para a inovação contínua no País.”
Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.