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‘Não descarto nova deflação este mês’, diz professor da FEA

Para Heron do Carmo, especialista em inflação, não há razão para uma nova alta da taxa básica de de juros, hoje em 13,75% ao ano, na próxima reunião do Copom

Foto do author Márcia De Chiara
Atualização:

O economista Heron do Carmo, professor sênior da FEA/USP e um dos maiores especialistas em inflação do País, não descarta a possibilidade de uma nova deflação este mês – que seria a terceira consecutiva, depois dos resultados de julho e agosto.

Por conta do quadro atual da perda de fôlego dos preços, que foi turbinado pelo corte de impostos sobre combustíveis, energia e telecomunicações e ainda contou com arrefecimento dos alimentos e estabilização do câmbio, ele não vê razão para uma nova alta da taxa de juros na próxima reunião do Comitê de Política Monetária do (Copom) do Banco Central. “A taxa real de juros já está positiva em relação à inflação passada. Ele faz referência a uma Selic em 13,75% ao ano, ante uma inflação acumulada em 12 meses abaixo de 9%.

Quanto ao efeito rebote da inflação represada pelo corte de imposto voltar em 2023, o economista afirma que o risco existe, mas acredita que seja pouco provável que ocorra. “Seria muito impopular e também não se justifica.” Heron argumenta que o mais provável seria uma reforma tributária, do que a volta da cobrança do imposto. A seguir, os principais trechos da entrevista.

Heron do Carmo, professor sênior da FEA/USP, acha mais provável uma reforma tributária no lugar da volta da cobrança do ICMS sobre combustíveis em 2023 Foto: Hélvio Romero/Estadão

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Como o senhor avalia o quadro atual de preços e a deflação pelo segundo mês seguido?

De 2020 para cá tivemos quatro choques que não foram naturais e que afetaram os preços. O choque da pandemia, que foi deflacionário. O segundo choque foi o da saída da pandemia, que puxou preços para cima, como o do petróleo. O terceiro choque foi a guerra da Ucrânia, que impulsionou combustíveis e alimentos. E, agora, no Brasil tivemos um choque deflacionário, com a redução de impostos sobre serviços de utilidade pública e combustíveis. O fato de a guerra da Ucrânia entrar numa certa estabilidade, e o mercado de produtos agrícolas reagir com oferta maior por conta de várias safras, acabaram contribuindo para o arrefecimento dos alimentos. O que chama atenção é justamente a questão da alimentação, porque os combustíveis eram favas contadas. Por conta de tudo isso, houve queda na inflação nos dois últimos meses. Em setembro a inflação deverá ser muito baixa e não descarto a possibilidade de outra deflação.

Por quê?

Tivemos redução dos preços dos combustíveis. Também alimentos, como leite e carne, estão devolvendo os aumentos significativos de preços que houve no passado. A taxa de câmbio está estável e, na média do mês, ficou relativamente mais baixa. Há também os efeitos da subida da taxa básica de juros. Com isso teremos um recuo significativo da inflação deste ano relativamente ao previsto.

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Qual é a sua previsão de inflação para este ano?

Em torno de 6%. Cheguei a projetar mais de 10%. Mas depois das medidas de corte de impostos e da mudança do comportamento do câmbio, reduzi a projeção

A deflação veio para ficar?

Há possibilidade de termos deflação em setembro, mas depois, a meu ver, não.

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Qual é o risco de termos um efeito rebote no ano que vem da inflação represada pelo corte de impostos sobre combustíveis, energia elétrica e telefonia?

Acho pouco provável que ocorra a volta do ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços) sobre combustíveis, energia elétrica e telefonia. Seria muito impopular e também não se justifica. Depois das privatizações , houve uma tendência de aumentos recorrentes dos Estados nas alíquotas do ICMS. Houve casos em que a alíquota efetiva chegou a 40% sobre combustíveis e agora voltou para o padrão, entre 17% e 18%, que é a referência para outros itens. O mais provável é que se pense numa reforma tributária, do que voltar com imposto.

Qual é a sua expectativa de inflação para o ano que vem?

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Por ora, em torno de 5% e pouco. Mais isso depende muito de qual política fiscal será implantada no início do próximo governo. Quem ganhar a eleição tem na memória o que aconteceu no segundo mandato da presidente Dilma Rousseff. O governo corrigiu no início de 2015 a defasagem das tarifas acumulada em 2013 e 2014. A inflação explodiu e o governo foi junto. Acho mais razoável que seja feito algum tipo de acordo para não voltar com aquelas alíquotas, principalmente no caso do ICMS. Caso contrário, teremos um choque provocado pela devolução de boa parte dessa deflação, num momento de início de ano quando já há tradicionalmente aumentos por conta da virada do calendário. Existe esse risco, mas não acho provável que aconteça.

A deflação registrada em agosto, a segunda consecutiva, deve frear a intenção do Comitê de Política Monetária do Banco Central de aumentar em 0,25 ponto porcentual a taxa básica de juros na próxima reunião do colegiado?

Não vejo razão para aumentar juros. A taxa real de juros já está positiva em relação à inflação passada: é de 13,75% ao ano para uma inflação em 12 meses abaixo de 9%. O efeito de mais uma alta nos juros seria muito pequeno. Aliás, com a independência do Banco Central, o órgão tem o mandato de olhar para o emprego, para atividade, não só para a inflação.

Como o senhor explica essa dissonância entre a deflação registrada pelos índices e o fato de a população não ter dinheiro suficiente para fazer compras no supermercado?

Temos uma deflação no curto prazo, mas a inflação acumulada ainda é muito elevada e derrubou o rendimento real das famílias. A situação está um pouco mais confortável, mas, de jeito nenhum, está normalizada. Estávamos no Everest [maior montanha do mundo] e caímos para o K2 [segunda maior montanha do mundo]. Apesar da deflação, as pessoas vão continuar sentindo desconforto entre a sua renda e os preços. É preciso um tempo suficientemente mais longo para que os preços relativos voltem ao padrão anterior às crises.

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