A desinflação mais rápida do que o esperado nos últimos meses fortaleceu no mercado a avaliação de que o IPCA pode ficar abaixo do teto da meta em 2023 (4,75%), interrompendo a sequência de descumprimento do alvo iniciada em 2021. Embora ainda não seja o cenário-base da maioria das instituições, economistas ouvidos pelo Estadão/Broadcast reconhecem aumento da chance.
A meta de inflação do Banco Central (BC) para 2023 é de 3,25%, mas há um intervalo de 1,5 ponto percentual para cima e para baixo. A desinflação é caracterizada pela redução dos fatores que contribuem para o aumento da inflação.
Na semana passada, UBS BB e XP Investimentos revisaram seus cenários e passaram a prever inflação abaixo do teto da meta este ano, reduzindo a projeção de alta do IPCA de 4,9% para 4,7% em ambos os casos. Os economistas das duas casas citaram, em relatórios, a desinflação de bens e a redução dos preços de combustíveis pela Petrobras como fatores que influenciaram as mudanças.
“A Petrobras anunciou um corte de 5,6% na gasolina e de 3,9% no GLP aos distribuidores no dia 30 de junho, o que causa, na nossa visão, um efeito permanente (negativo) de 0,14 ponto porcentual na inflação deste ano”, explicou o economista da XP Alexandre Maluf, citando também a expectativa de deflação de automóveis com a prorrogação do programa de descontos em carros patrocinado pelo governo federal.
Leia também
Outros analistas conservam a expectativa de IPCA acima do teto da meta em 2023, mas reconhecem que uma taxa abaixo de 4,75% está no radar. O estrategista-chefe da Constância Investimentos, Alexandre Lohmann, espera inflação de 4,80% este ano — já considerando deflações nas leituras de junho (-0,14%) e julho (-0,11%) — e afirma que o cumprimento da meta pelo BC este ano não está fora da mesa.
“Estamos avaliando, mas é muito factível termos o IPCA dentro do teto, já que entre a minha previsão e o teto não tem quase nada”, diz Lohmann. “Houve uma queda muito importante de alimentação e um corte recente da gasolina que puxaram para baixo a inflação corrente.”
Mesmo assim, o economista alerta que a esperada sequência de deflações em junho e julho pode levar a uma correção excessiva das estimativas do mercado para baixo, devido à desaceleração do IPCA acumulado em 12 meses.
A Constância espera IPCA de 4,2% no próximo ano, mas Lohmann afirma que deve revisar a projeção a um nível mais próximo de 4,5%, incorporando o impacto do El Niño sobre os preços de alimentos. “A gente vai estar, nos dois próximos anos, numa situação de flertar com o teto ou estar ligeiramente abaixo, o que é uma melhora, mas não é o normal, onde se está mais perto do centro”, diz Lohmann.
Na mesma linha, o economista da Quantitas João Fernandes projeta alta de 4,8% no IPCA no fim de 2023, mas admite que uma inflação abaixo do teto da meta é algo que está no radar. Ele pondera que uma parte das surpresas para baixo vistas na inflação deste ano decorreu de fatores mais pontuais, em especial a queda nos preços de commodities, mas que o alívio observado em medidas mais qualitativas pode persistir.
“O primeiro semestre trouxe notícias positivas principalmente na parte de bens, que estão com leituras bem baixas”, diz. “Nos serviços, mesmo com muita heterogeneidade dentro do grupo, já vemos algumas frentes em desaceleração.”
As boas notícias para a inflação no segundo semestre são que o período deve mostrar uma maior fraqueza da atividade econômica em comparação ao primeiro semestre, e o mercado de trabalho, por mais que esteja surpreendendo na ponta, deverá apresentar uma piora até o fim do ano. “Isso representa menos pressão de demanda, o que significa menos pressão sobre os preços”, afirma.
Para o economista, são esses itens mais qualitativos que podem permitir um recuo da inflação abaixo de 4,75% ainda neste ano, e são os serviços que apresentam um potencial maior para proporcionar essa surpresa. Fernandes projeta alta de 2,4% para os bens industriais em 2023 e de 5,7% para os serviços. A Quantitas vê o início dos cortes da taxa Selic em agosto e prevê que a taxa chegue a 12% no fim do ano.
Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.