O engenheiro mecânico aposentado Claudio Florio, que é dono há 12 anos de um ateliê especializado em serviços de costura, o Fix Atelier, aplica seus conhecimentos da engenharia para calcular custos e preços cobrados na sua oficina. Dos 220 serviços de costura prestados, a mão de obra representa quase a metade do custo da hora de trabalho.
Depois de quase dois anos sem reajustar preços, o empresário aumentou 12% em abril do ano passado e mais 10% no final do ano. Nas suas contas, precisaria fazer mais um aumento de 6%. Mas, por enquanto, manteve os preços, porque o volume de trabalho cresceu tanto que a defasagem compensou.
“A demanda está bem aquecida e 20% acima da de 2019, antes da pandemia”, diz. Ele atribui o aquecimento à volta da procura reprimida pela pandemia e à conquista de 60 a 65 novos clientes a cada mês.
O tempo de espera para a conclusão do serviço atualmente na oficina é de uma semana, enquanto o normal seria de três dias. Ele conta que chega a perder R$ 400 de serviço por dia porque não consegue contratar costureiras com o padrão de trabalho desejado.
O caso de Florio mostra o que vem acontecendo no setor de serviços. Impulsionados pelo aumento da demanda e pelo repasse de custos, ambos reprimidos no auge da pandemia, os preços deram um salto neste início de ano. Isso acende o sinal de alerta e coloca mais pressão sobre o Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central para adiar o corte nos juros. O Copom se reúne esta semana para indicar o rumo da política monetária para os próximos 40 dias.
Em fevereiro, a inflação de serviços descolou do Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), de 0,84%, e subiu 1,41%. A alta dos serviços no mês passado foi mais que o dobro da de janeiro (0,60%) e a maior marca mensal em quase 20 anos. Só ficou abaixo do resultado da inflação de serviços de fevereiro de 2004, quando o aumento havia sido de 1,57%, apontam cálculos da LCA Consultores, com base no IPCA do IBGE. Em 12 meses até fevereiro, os preços dos serviços subiram 7,84% e também superam a inflação cheia no mesmo período, de 5,60%.
No mês passado, de 28 itens não alimentícios do IPCA que tiveram os maiores reajustes de preços, mais da metade (18) foi serviços. O grande destaque ficou com a educação. Normalmente, as escolas sobem uma vez por ano, nesta época. Desta vez, o reajuste de 6,4%, em média, em fevereiro, superou o de anos anteriores.
Pacotes turísticos com alta de 2,09% em fevereiro, costureira (1,42%), consulta médica (1,39%), aluguéis residenciais (0,88%), manicure, cabeleireiro, barbeiro (0,71%) também ganharam destaque nos aumentos do mês passado.
A disparada dos preços dos serviços neste início de ano resulta, segundo economistas, da combinação do aumento da demanda por causa da normalização das atividades. Essa maior procura, por sua a vez, tem chancelado os repasses para os preços ao consumidor de aumentos de custos reprimidos no auge da pandemia.
No caso dos aluguéis, por exemplo, um componente extra tem turbinado os preços. Com elevação da taxa de juros dos financiamentos imobiliários, que beiram 11% ao ano, influenciada pelo juro básico (Selic), a compra da casa própria ficou inviável, observa o economista da LCA Consultores, Fabio Romão. O resultado foi o aumento da procura por locação e a pressão nos aluguéis. Em 12 meses até fevereiro, os aluguéis residenciais subiram 6,94%, segundo o IPCA.
Foi exatamente esses preços tão elevados que surpreenderam a publicitária Rafaela Morselli, de 27 anos. Ela e o marido moram em Guarulhos (SP) e trabalham em São Paulo. Com o retorno ao trabalho presencial, Rafaela decidiu mudar para São Paulo, próximo do trabalho, na zona oeste da cidade. A intenção é evitar o gasto de três horas diárias com deslocamento de ida e volta, mais despesas com estacionamento e gasolina.
Desde janeiro a publicitária procura, sem sucesso, um apartamento de dois dormitórios, próximo do trabalho. Ela achava que gastaria cerca de R$ 3 mil com aluguel. Mas o imóvel mais barato que encontrou até agora foi um estúdio, com cerca de 40 metros quadrados, por R$ 4 mil na zona Oeste, fora a despesa de condomínio, na faixa de R$ 500. “Os aluguéis estão muito altos.”
Custo da mão de obra impacta os serviços
Outro fator que tem se refletido nos preços dos serviços é aumento do custo da mão de obra, especialmente por conta da sinalização do reajuste do salário mínimo acima da inflação, observa o economista da LCA.
Nos serviços de costura como os do ateliê do engenheiro Claudio Florio, que envolvem reforma e confecção, a alta foi de 1,42% em fevereiro e o reajuste acumulado ficou em 18,15% em 12 meses.
O economista-chefe da MB Associados, Sergio Vale, diz que dois anos acumulados de inflação elevada tiveram reflexos nos preços dos serviços, além do nível de atividade forte no setor, devido à normalização das atividades.
Na sua avaliação, a pressão de gastos públicos sinalizada pelo governo deve turbinar os preços do setor. “Estamos voltando para os tempos de Lula 2 e Dilma em que a inflação de serviços vivia permanentemente elevada, muito em parte pela pressão salarial criada pelo próprio governo, seja via servidores, seja via salário mínimo.”. Para este ano, o economista espera que a inflação de serviços atinja 6,5%, ante um IPCA cheio projetado de 6%.
Serviços são a incógnita para Banco Central
“A pulga atrás da orelha do Banco Central e dos analistas é se realmente os serviços vão desacelerar e em qual ritmo”, afirma Romão, da LCA. Por ora, o economista espera que o IPCA feche o ano em 5,7% e que os serviços subam 6,2%, após terem aumentado 8% em 2022. Se os serviços subirem 7% este ano, a inflação cheia pode bater 6% e superar o IPCA do ano passado, prevê.
Romão pondera que outro foco de pressão da inflação deste ano é o comportamento dos preços administrados. Mas a dúvida maior, argumenta, diz respeito aos serviços, porque são preços livres que oscilam ao sabor do mercado. “Nos administrados, o risco é calculado”, observa.
A alta dos serviços, na opinião de Vale, pode significar juros elevados por um período maior do que o inicialmente previsto. Por isso, ele mantém a expectativa de queda da Selic para o terceiro trimestre.
Inflação de alimentos preocupa mais
Já o economista Guilherme Moreira, coordenador do Índice de Preços ao Consumidor (IPC) da Fipe, encara a alta da inflação de serviços de outra forma. “Não vejo esse problemão com a inflação de serviços.”
Ele diz que a elevação da inflação de serviços é “uma arrumação da casa no pós-pandemia”. Isto é, parte do aumento da demanda atual por serviços foi tirada do comércio, que avançou muito na venda de bens durante a pandemia, quando as atividades estavam restritas. Além disso, a renda da população, que é o combustível para o consumo de serviços, não voltou aos níveis pré-pandemia.
“A minha preocupação hoje ainda é com a inflação de alimentos”, diz Moreira. Mesmo com safra recorde de grãos e a desaceleração dos preços dos alimentos, ele destaca que o nível de preços da comida hoje é muito elevado. De janeiro de 2020 a fevereiro deste ano, a alimentação no domicílio pelo IPC da Fipe subiu 47,59%, quase o dobro da inflação geral acumulada no mesmo período (25,7%). Os preços dos alimentos não vão cair 47% daqui para frente e a renda tirada das pessoas não deve voltar, alerta. Por isso, diz Moreira, o processo de inflação no Brasil é complicado. “Se fosse só uma inflação de serviços, seria mais fácil controlar.”
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