IPCA pode furar teto nos seis primeiros meses de 2025 e forçar segunda carta de Galípolo

Mercado espera inflação apenas um pouco abaixo do teto da meta em junho, e previsões tem subido; mudança considerará meta contínua acumulada em 12 meses

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Foto do author Cícero Cotrim

BRASÍLIA - As projeções de inflação do mercado indicam que o IPCA acumulado em 12 meses pode superar o teto da meta de inflação, de 4,5%, ao longo de todo o primeiro semestre de 2025. Com isso, o Banco Central terá falhado na missão de cumprir o alvo já nos seis primeiros meses de vigência da nova meta contínua de inflação, aprovada este ano pelo Conselho Monetário Nacional (CMN).

Se esse cenário se confirmar, o futuro presidente do BC, Gabriel Galípolo, terá de escrever duas cartas abertas explicando as razões do descumprimento antes de completar um ano à frente da autarquia - caso ele tenha mesmo de assinar um documento sobre a perda da meta de 2024. O IPCA de dezembro só será divulgado pelo IBGE em 10 de janeiro, quando Galípolo já será oficialmente o chefe da autarquia.

Gabriel Galípolo será o presidente do Banco Central a partir de 2025 Foto: Felipe Rau / Estadão

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Em vez do sistema vigente até o fim deste ano, que considera o ano-calendário, a nova meta contínua de inflação leva em conta o IPCA acumulado em 12 meses. Se ele ficar acima ou abaixo do intervalo de tolerância, de 1,5% a 4,5%, por seis meses seguidos, considera-se que o BC perdeu o alvo.

Segundo as medianas do Sistema Expectativas de Mercado, o IPCA acumulado em 12 meses até janeiro deve atingir 4,66%. Ele deve oscilar para pouco abaixo do teto em fevereiro, com 4,43%, e acelerar novamente em março (4,63%) e abril (4,64%). Em maio (4,44%) e junho (4,46%), a taxa prevista permanece apenas um pouco abaixo do limite superior. Mas as estimativas têm subido nas últimas semanas.

O economista da Terra Investimentos Homero Guizzo espera que o IPCA suba 4,60% no acumulado de 2024, acima do teto do alvo, e só caia consistentemente abaixo de 4,50% no fim do ano que vem. “O novo regime vai começar em descumprimento e vai demorar um pouco para sairmos desse quadro”, afirma.

Ele diz que o quadro de “superaquecimento” da economia brasileira tende a aumentar o repasse da desvalorização cambial para os preços. Isso vai impedir que os bens industrializados sejam uma fonte de alívio para a inflação, segundo Guizzo. Em contrapartida, os preços administrados e os preços de alimentos podem dar algum alívio ao IPCA no ano que vem, embora esse não seja o cenário básico.

A estrategista de inflação da Warren Investimentos, Andrea Angelo, estima que a inflação acumulada em 12 meses deve se manter acima de 4,70% até abril do ano que vem. Pressões sazonais do primeiro trimestre, como reajustes de mensalidades escolares e pagamento do IPVA, devem pressionar a taxa. Mas, entre maio e julho, ela espera uma queda do IPCA abaixo de 4,50%. Isso evitaria o estouro da meta.

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“Há muitas pressões sazonais no começo do ano e ainda vamos ter um choque adicional, de alimentos, que vai continuar no primeiro trimestre do ano que vem e começa a se espalhar, pegando até serviços”, diz a estrategista. “A inflação vai voltar para 4,70% em agosto e ficar assim praticamente até o fim do ano.” A Warren espera um IPCA de 4,70% em 2024 e 4,50% em 2025, com viés de alta.

Política monetária

O possível descumprimento da meta contínua nos seus seis primeiros meses de vigência não deve danificar a credibilidade do regime, segundo os economistas ouvidos pelo Estadão/Broadcast. É possível que sirva até para fortalecer o discurso do BC, que voltou a aumentar os juros em setembro. O mercado espera elevação da taxa Selic até 12,50% em março de 2025.

“O argumento de ‘olhar para a frente’ do BC é muito plausível, ele está olhando o segundo trimestre de 2026, mas a inflação corrente alta acaba disseminando os efeitos. Esse movimento de inflação pressionada ajuda a justificar o ciclo de alta de juros”, diz Angelo, da Warren.

Guizzo, da Terra, diz que a dinâmica da inflação pode ameaçar a credibilidade do BC. A pressão nos preços tem vindo dos serviços, sensíveis à política monetária, e não de componentes menos preocupantes, como os preços administrados. O mercado de trabalho apertado e a demanda forte, somados ao IPCA já pressionado, podem fazer com que mais aumentos dos juros sejam necessários, diz.

“Nosso cenário-base é de Selic terminal (ao fim do ciclo de alta) de 13%, mas os fundamentos deixam claro que um aperto maior da Selic pode rapidamente se tornar o cenário-base”, diz o analista. “Os riscos em torno desse cenário de Selic terminal de 13% estão claramente assimétricos para cima, por causa do quadro de superaquecimento do mercado de trabalho.”

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