Itaipu financia universidade no Paraná por R$ 752 milhões em vez de reduzir conta de luz

Obras da Unila, iniciadas no 2º mandato de Lula e paradas desde 2014, devem ser retomadas em abril, após término da licitação com propostas de consórcios; MME diz que redução da tarifa tem sido prioridade da usina

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Foto do author Alvaro Gribel

BRASÍLIA – A usina hidrelétrica binacional de Itaipu se prepara para financiar uma obra orçada em R$ 752 milhões no campus da Universidade Federal Latino-Americana (Unila), em Foz do Iguaçu, no Paraná. O projeto, idealizado pelo governo Lula no segundo mandato, teve as obras paralisadas em 2014 e deve ser retomado em abril, com a construção de um restaurante universitário, um edifício administrativo, além de um bloco de salas de aula.

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Esses gastos de Itaipu, chamados de “outras despesas de exploração”, incluem gastos “socioambientais” que não têm relação com a geração de energia, mas acabam deixando a conta de luz mais cara. Entidades do setor elétrico defendem o fim dessas despesas para que haja redução da tarifa cobrada dos consumidores brasileiros.

Procurado, o Ministério de Minas e Energia (MME) disse que a redução da tarifa tem sido prioridade da usina, após determinação do ministro Alexandre Silveira, e que são previstos aportes de R$ 2 bilhões para reduzir a conta em 2025.

Já o Ministério da Educação e a Itaipu responderam que o valor da obra na universidade inclui “custos de revisão dos mais de 3 mil projetos executivos da obra de Oscar Niemeyer”. O Escritório das Nações Unidas de Serviços para Projetos (Unops), que conduz o projeto, afirmou que o valor é uma estimativa e que a obra está em fase de licitação (leia mais abaixo).

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Obras no campus da Universidade Universidade Federal Latino-Americana (Unila), em Foz do Iguaçu, no Paraná. Foto: Unila

Entidades do setor elétrico, no entanto, entendem que a tarifa de Itaipu não está caindo, mas apenas deixando de subir, após acordo feito entre Brasil e Paraguai.

“Os custos de Itaipu foram crescendo, mas não para a compra de equipamentos, linhas de transmissão ou unidades geradoras de energia – e sim para gastos socioambientais. Somos contra o consumidor brasileiro ser suporte financeiro de obras”, afirma Luiz Eduardo Barata, presidente da Frente Nacional dos Consumidores de Energia.

Especialistas em contas públicas também criticam essas despesas por correrem por fora do Orçamento federal, com menos transparência.

“Trata-se de um gasto tipicamente orçamentário, mas que não está no Orçamento”, diz o economista e pesquisador do Insper Marcos Mendes. “Para que se tenha conhecimento do gasto total e das escolhas de alocação, um princípio fundamental é o da unicidade do Orçamento: todas as despesas e receitas em políticas públicas precisam estar dentro da peça orçamentária”, diz.

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Nos últimos anos, esse tipo de gasto “socioambiental” foi turbinado por Itaipu, à medida que a usina foi terminando de pagar os financiamentos externos (ver gráfico abaixo). Depois de 50 anos, os empréstimos contratados pelo Brasil para a construção da usina foram totalmente quitados, em fevereiro de 2023. Para o setor elétrico, a redução dessa despesa deveria ser totalmente repassada para a conta de luz, o que faria a tarifa da usina para o consumidor cair cerca de 30%, de US$ 16,71 o MWh para a casa de US$ 12.

Entenda o projeto

A Unila é um projeto idealizado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em seu segundo mandato, e que tinha como foco promover a integração de estudantes da América Latina. O campus, projetado pelo arquiteto Oscar Niemeyer, nunca foi finalizado, apesar de a universidade funcionar desde 2010 e contar hoje com mais de 4 mil alunos.

Em 2014, as obras para a construção das edificações foram paralisadas após a desistência do projeto por parte do consórcio Mendes Junior-Schahin, que alegou desequilíbrio econômico-financeiro do projeto.

“O consórcio Mendes Júnior-Schahin abandonou a construção, alegando desequilíbrio econômico-financeiro em razão do aumento de custos originados por divergências e incompatibilidades no projeto e a necessidade de alteração nas fundações do prédio de aulas e restaurante, após a descoberta de falhas geológicas”, diz a Unila em seu site.

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Em 2023, com a presença de Lula, foi firmado um convênio entre a Unila e a usina de Itaipu, que se comprometeu a financiar a obra.

O presidente Lula da Silva durante cerimônia de assinatura do Protocolo de Intenções Itaipu/MEC/UNILA em julho de 2023. Foto: Ricardo Stuckert/PR

“Essa universidade aqui é a revolução que eu quero para a América Latina. Uma América Latina politizada, uma América Latina com milhões de engenheiros”, disse Lula no evento.

Valor final depende de licitação

O projeto é conduzido em parceria com o Escritório das Nações Unidas de Serviços para Projetos (Unops) e supervisionado pelo Ministério da Educação (MEC). Procurada, o Unops explicou que o valor de R$ 752 milhões firmado com Itaipu é uma estimativa e que a obra está em fase de licitação – quando os consórcios apresentam propostas sobre o quanto gastariam para executar o projeto.

“Atualmente, o Unops está finalizando o processo licitatório, razão pela qual maior detalhamento de valores e do cronograma de desembolso só poderá ser realizado após a divulgação dos resultados da licitação”, afirmou a entidade, por meio da sua assessoria.

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Além do restaurante, do edifício-sede e das salas de aula do novo campus, o consórcio vencedor terá de construir também marquises, uma passarela e as vias de acesso ao novo campus.

A previsão é de que o resultado da licitação seja conhecido ainda este mês, para início das obras em abril.

“O Unops prevê a adjudicação do contrato para a execução das obras da Unila e o início das obras para o mês de abril de 2025. No momento, o processo encontra-se em fase de avaliação e, portanto, as informações são confidenciais e restritas ao comitê de avaliação”, afirmou a entidade.

Por meio de nota, o Ministério da Educação e a usina de Itaipu afirmaram que o valor para finalizar o projeto inclui “custos de revisão dos mais de 3 mil projetos executivos da obra de Oscar Niemeyer”. Como o processo de licitação está em fase de análise, há sigilo sobre o detalhamento de valores.

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“O Unops está finalizando o processo licitatório, razão pela qual maior detalhamento de valores e do cronograma de desembolso só será possível após a divulgação dos resultados da licitação”, diz o texto.

Conta de luz poderia cair

Richard Lee Hochstetler, Diretor de Assuntos Econômicos e Regulatórios do Instituto Acende Brasil, explica que a tarifa de energia de Itaipu está na casa de US$ 16 o quilowatt-hora (kWh). Com o fim do pagamento das amortizações dos empréstimos, a tarifa poderia ter sido reduzida para US$ 12 o kWh.

Após negociações entre Brasil e Paraguai, e o aumento dos gastos socioambientais, a tarifa subiu para US$ 19 por kWh. O ministro Alexandre Silveira negociou com Itaipu para que a usina pague uma espécie de “cashback” para o consumidor brasileiro – o que, na prática, manteve a tarifa em US$ 16.

“Ainda assim, é um custo maior do que poderia ser, se o fim do gasto com o financiamento da obra (de Itaipu) fosse integralmente repassado para a tarifa”, explica Hochstetler

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Ele pontua que Itaipu é um projeto binacional, com gestão dos governos de Brasil e Paraguai – por isso a usina não está sujeita aos órgãos de fiscalização tradicionais do Brasil, como o Tribunal de Contas da União (TCU), e o próprio Congresso Nacional.

“Essas despesas socioambientais são um orçamento paralelo, não estão sujeitas aos procedimentos regulatórios. O TCU não atua, e também não passa pelo escrutínio do processo orçamentário do Congresso. Dá muita liberdade para os países (Brasil e Paraguai) fazerem o que quiserem”, afirmou.

O MME diz que a tarifa foi definida após acordo com Itaipu, e que recursos serão usados para baratear a conta do Brasil.

“Por orientação do ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, os valores necessários para manter a tarifa da usina ao consumidor brasileiro têm sido priorizados em relação às contrapartidas socioambientais, com aportes previstos de cerca de R$ 2 bilhões por Itaipu em 2025″, afirmou a pasta em nota.

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‘Janjapalooza’, COP-30 e emas no Alvorada

Os gastos socioambientais de Itaipu têm sido motivo de controvérsia, não só pelo aumento de despesas, mas também pelas escolhas dos projetos e risco de influência política.

Em 2023, Itaipu enviou um técnico veterinário para ajudar no manejo de 12 filhotes de emas que haviam nascido no Palácio do Alvorada, residência oficial do presidente Lula e da primeira-dama Janja da Silva, que é ex-funcionária aposentada de Itaipu.

“Toda a assessoria prestada pela Itaipu teve caráter técnico e não houve qualquer investimento financeiro na construção do recinto das emas no Palácio da Alvorada”, explicou Itaipu por meio de nota.

A empresa também doou R$ 15 milhões para o festival Aliança Global Contra a Fome a Pobreza, organizado pela primeira-dama, e que ficou conhecido como Janjapalooza, durante a cúpula do G-20, no Rio.

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Em nota, Itaipu afirmou que “o patrocínio reforça a relevância da participação da Itaipu em eventos de impacto global, como o G20, que promove discussões sobre o combate à fome, à pobreza e à desigualdade racial, assim como a promoção de energia limpa, justa e de qualidade para todos”.

Também alega que os gastos não têm impacto sobre a tarifa dos consumidores.

“Os investimentos em iniciativas culturais e sociais não impactam a tarifa de energia elétrica dos consumidores brasileiros, conforme previsto no acordo tarifário vigente”, disse a empresa.

A 30ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças do Clima, a COP-30, que será realizada em novembro deste ano em Belém do Pará, também recebeu R$ 1,3 bilhão da usina.

Em evento público, Janja da Silva afirmou que pediu ao diretor-geral da usina, Enio Verri, que patrocinasse a equipe brasileira de canoagem. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva, por sua vez, já disse que uma empresa pública como Itaipu Binacional precisa usar parte do seu dinheiro para melhorar a qualidade de vida da população.

Procurada, a Secretaria Especial de Comunicação da Presidência (Secom) afirmou que os assuntos cabiam a Itaipu. Sobre o patrocínio a canoagem, Itaipu afirmou que a “parceria entre a Itaipu Binacional e a canoagem é consolidada há anos, tendo início em 2009 com a criação do Projeto Social Meninos do Lago”.

Até 2022, os gastos socioambientais de Itaipu contemplavam 54 municípios no Paraná e apenas um município no Mato Grosso do Sul. Já em 2023, com o término do pagamento dos empréstimos sem a redução da tarifa, o número saltou para todos os 399 municípios do Paraná e para 35 no Mato Grosso do Sul.

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