'Jabuti' na MP das Concessões isenta bancos de punição em crimes ambientais

Artigo incluído em medida discutida no Congresso pretende eliminar responsabilidade de instituições, salvo em caso de culpa ou intenção comprovada; Ibama se mobiliza por veto

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Foto do author André Borges

BRASÍLIA - A inclusão de um artigo na medida provisória 752, a MP das Concessões, pretende isentar os bancos de qualquer punição em casos nos quais ações ilegais de desmatamento estejam apoiadas em financiamentos dados por essas instituições financeiras. 

Filme de Renata Simões mostra que os padrões de produção e consumo atuais têm esgotado os recursos naturais do planeta de forma acelerada Foto: Daniel Beltrá / Greenpeace

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O "jabuti", como são conhecidas as emendas incluídas nos textos sem nenhuma relação com o tema central da medida, prevê que os bancos supervisionados pelo Banco Central do Brasil e as entidades governamentais de fomento "somente responderão por dano ambiental nos contratos de parceria, se comprovado dolo ou culpa, bem como a relação de causalidade entre sua conduta e o dano causado". 

Surpreendido com o jabuti, o Ibama tem se mobilizado para tentar convencer o presidente Michel Temer a vetar o artigo. O Estado teve acesso a uma nota técnica que o órgão ambiental federal elaborou a respeito dos riscos para o meio ambiente, caso o artigo não seja vetado. 

Pagar multa custa menos que prevenir dano ambiental

Na avaliação do Ibama, o artigo contraria regras que estão em vigor e "dificulta a atuação da fiscalização ambiental na cadeia de custódia dos produtos de origem ilegal em decorrência de infrações ambientais".

A mudança impediria o Ibama de aplicar, por exemplo, a punição de R$ 47,5 milhões que apresentou em 22 de outubro do ano passado contra o banco Santander, por financiar o plantio de grãos em áreas da Amazônia que já estavam embargadas pelo órgão de fiscalização, por serem áreas de proteção ambiental. Em operação feita em parceria com o Ministério Público Federal de Mato Grosso, a fiscalização constatou que recursos do banco financiaram a plantação de milhares de toneladas de milho e soja em áreas já bloqueadas por causa de plantações irregulares anteriores. Em vez de serem revitalizadas, essas terras continuaram a ser exploradas.

A multa se baseou na conclusão de que o banco intermediou a plantação de 95 mil sacas de milho na safra de 2015, em uma área de 572 hectares. As irregularidades foram encontradas nas cidades de Porto dos Gaúchos, Feliz Natal e Gaúcha do Norte, próximos a Sinop (MT), um dos principais polos de produção de grãos do País. A identificação das irregularidades foi feita a partir do cruzamento de informações realizado nos últimos meses por agentes do Ibama e do MPF, no âmbito da Operação Shoyo, que mapeou as áreas embargadas, o histórico de imagens por satélite e, finalmente, a emissão de "cédulas de produto rural", as chamadas CPRs - um tipo de título usado por produtores para tomar crédito. À época, o Santander informou que cumpria rigorosamente a legislação vigente e adotava as melhores práticas do mercado em políticas socioambientais.

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A inclusão do artigo 35, que não tem relação com o objeto da MP 752, que deveria cuidar especificamente das regras de concessões no setor de transportes, foi aprovada na Câmara e no Senado e agora só depende de sanção presidencial. O prazo para publicar a sanção da medida, que passou a ser o Projeto de Lei de Conversão (PLV) nº 3/2017, acaba na próxima segunda-feira, dia 5 de junho.

Ao discorrer sobre o objetivo da MP das Concessões, o Ibama lembra que "a lei não pode conter matéria estranha" a seu objeto. "Está configurado problema jurídico claro ao se incluir o tema da responsabilidade ambiental das organizações financeiras em texto que dispõe sobre assunto evidentemente diverso", declara o órgão vinculado ao Ministério do Meio Ambiente (MMA). "A responsabilidade ambiental, portanto, por força dos preceitos legais que fundamentam a Política Nacional do Meio Ambiente, é sempre objetiva e o poluidor responde pelo dano ambiental, mesmo que o cause indiretamente."

Em sua conclusão, a área técnica do Ibama afirma que, caso o texto seja aprovado, "o Estado brasileiro arriscará adotar políticas públicas contraditórias e excludentes entre si, pois ao mesmo tempo em que investirá recursos humanos e financeiros no combate ao desmatamento ilegal, financiará, por meio de bancos públicos, o desmatamento ilegal". 

"Isto porque os bancos públicos ou privados são regidos por uma lógica própria, de mercado, cujo objetivo principal é o lucro, sendo assim, sem a expectativa de sanção não há garantia ou mecanismo para que as regras ambientais sejam internalizadas pelas instituições financeiras", conclui o documento.

A preocupação com as mudanças na regra foram levadas pelo Ibama ao ministro do MMA, José Sarney Filho, para que tente convencer a Casa Civil a retirar o artigo incluído no texto que aguarda publicação no Diário Oficial da União.