Estudo publicado no Simpósio de Jackson Hole mostra que a queda de juros e as compras de ativos por parte do Federal Reserve (Fed, o banco central americano) durante a pandemia impulsionaram o volume de novas hipotecas nos Estados Unidos em cerca de US$ 3 trilhões.
Enquanto o vírus trancava todos em casa, o Fed cortou as taxas, assim como outros bancos centrais, para combater os efeitos da covid-19 na maior economia do mundo. O BC dos EUA também fez grandes compras de títulos do Tesouro americano, os chamados Treasuries, e aqueles lastreados em hipotecas (MBS, na sigla em inglês) como uma forma de dar liquidez aos mercados financeiros durante a pandemia.
Os autores do estudo estimam que ambas as ações foram responsáveis por uma redução de cerca de 40 pontos-base no spread das hipotecas, ou seja, a diferença que os bancos pagam para captar e cobram para emprestar, durante os anos de 2020 e 2021.
“Isso levou a um aumento cumulativo nas origens de hipotecas de cerca de US$ 3 trilhões [nos EUA] e emissão líquida de títulos lastreados em hipotecas de cerca de US$ 1 trilhão, com os bancos responsáveis por cerca de metade desse aumento”, calculam os economistas Itamar Drechsler, Alexi Savov, Philipp Schnabl e Dominik Supera, em estudo publicado durante o Simpósio de Jackson Hole, promovido pelo Fed de Kansas City, nos EUA.
Leia mais
De acordo com eles, esses efeitos tiveram um “grande impacto” nos gastos dos consumidores americanos e também no investimento residencial nos Estados Unidos durante a covid-19.
O foco da análise foi justamente avaliar o impacto da política monetária no segmento de hipotecas nos EUA, isolando efeitos como, por exemplo, a demanda por moradia por conta do trabalho em casa, que explodiu na pandemia como uma forma de controlar a propagação do vírus.
“A política monetária teve um impacto poderoso nos mercados de hipotecas ao mudar a oferta de crédito hipotecário dos dois maiores detentores do segmento: os bancos e o Federal Reserve”, dizem os economistas.
Do lado do Fed, os efeitos se dão pela compra ou venda de títulos lastreados em hipotecas por meio dos chamados programas de flexibilização e aperto quantitativo (QE e QT, na sigla em inglês). Já por parte dos bancos, o impulso vem dos depósitos, que aumentam diante de cortes de juros e também pelo fato de que as instituições financeiras investem esses recursos em MBS.
Segundo os autores, os programas de flexibilização e aperto quantitativo do Fed o canal de depósitos desempenharam um grande papel não só na expansão bem como na contração do crédito hipotecário durante o ciclo de política monetária entre os anos de 2020 e 2024, ou seja, durante e depois da pandemia. Isso porque após baixar as taxas no início da pandemia, o Fed foi obrigado a elevar os juros rapidamente, de 0% para mais de 5% em um prazo de um ano e meio, no aperto monetário mais veloz e agressivo em mais de 40 anos para combater a explosão dos preços que veio a reboque.
Quando a política monetária reverteu o curso, os bancos e o Fed reduziram suas participações em hipotecas, fazendo com que as taxas subissem e o spread aumentasse, conforme Drechsler, Savov, Schnabl e Supera, no documento.
“A política monetária teve, portanto, um impacto descomunal nas taxas de hipotecas”, avaliam. “Isso explica por que os mercados de hipotecas foram tão centrais para a transmissão da política monetária”, acrescentam.
Na visão dos economistas, as ações do Fed e dos bancos seguirão sendo relevantes para os efeitos da política monetária nas economias. “Olhando para o futuro, as nossas descobertas sugerem que os efeitos combinados do programa de flexibilização e do canal de depósitos no mercado de hipotecas continuarão a ser importantes para a transmissão da política monetária”, concluem.
Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.