The Economist: Japão encerra o maior experimento em política monetária do mundo

Pela primeira vez em 17 anos, autoridades do país elevam as taxas de juros

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Por Redação

Em 19 de março, autoridades do Banco do Japão (BdJ) anunciaram que extinguiriam uma série de medidas instituídas para retirar a economia de sua estagnação deflacionária — marcando o fim de um experimento radical. O banco elevou sua meta de taxa de juros em empréstimos overnight pela primeira vez desde 2007, de algo entre -0,1% e zero para zero a 0,1%, tornando-se o último Banco Central a eliminar sua política de juro negativo.

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O BdJ também vai parar de comprar fundos de índice e abolirá seu ordenamento de controle da curva de juros, uma ferramenta que limita juros de obrigações a longo prazo. Mesmo assim, o BdJ enfatizou que sua posição permanecerá adaptável: a retirada de suas políticas mais incomuns não prenuncia o início de um ciclo de altas nos juros.

A alteração reflete mudanças na condição subjacente da economia japonesa. A inflação tem ficado acima da meta de 2% do banco há 22 meses. Negociações anuais ocorridas recentemente entre sindicatos e grandes empresas sugerem um crescimento salarial maior que 5% pela primeira vez em 33 anos.

“O BdJ confirmou o que muitos vinham suspeitando: a economia japonesa mudou, saiu da deflação”, afirma Hoshi Takeo, da Universidade de Tóquio. O que não significa que o Japão esteja bombando — o consumo está fraco e o crescimento, anêmico. Mas a economia não requer mais todo um arsenal de políticas destinadas a elevar a inflação. Quando perguntaram ao presidente do BdJ, Ueda Kazuo, como ele batizaria seu novo ordenamento, ele respondeu que não há necessidade de um nome especial. É uma política monetária “normal”, disse.

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A economia do Japão entrou em deflação nos anos 1990, após o estouro de uma bolha financeira e imobiliária e o fracasso de várias instituições financeiras. O BdJ começou a experimentar novas ferramentas — cautelosamente no início. Apesar de cortar as taxas de juros para zero em 1999, o banco aumentou o índice no ano seguinte, mas os preços voltaram a cair (um dos dois membros da diretoria que se opuseram à decisão na época foi Ueda). Então o BdJ foi além, tornando-se o primeiro Banco Central do pós-guerra a implementar um afrouxamento quantitativo — a compra de obrigações com dinheiro recém-criado — em 2001.

Mas isso não abrangeu o lado selvagem da política monetária até a chegada de Kuroda Haruhiko à presidência do BdJ, em 2013. Apoiado pelo então primeiro-ministro, Abe Shinzo, Kuroda embarcou em um programa de vasta flexibilização monetária, prometendo disparar uma “bazuca” de estímulos. O banco adotou uma meta de inflação de 2% e começou uma “flexibilização quantitativa e qualitativa” que testemunhou grandes compras de títulos do governo aliadas a uma orientação agressiva adiante (promessas de manter a política frouxa).

Em 2016, o banco estabeleceu sua principal taxa overnight em -0,1%, significando que os bancos comerciais eram de fato cobrados para usá-la em depósitos, e então implementou o controle de curva de juros também para restringir as taxas a longo prazo. Apesar de ter aumentado um pouco, a inflação nunca alcançou consistentemente a meta do Banco Central durante o mandato de Kuroda, que terminou quase um ano atrás.

O "governador" do Banco do Japão, Kazuo Ueda, durante a coletiva de imprensa em que anunciou que a instituição encerraria a política de taxas de juros negativas Foto: Richard A. Brooks / AFP

Agora, as autoridades estão confiantes de que a inflação finalmente se enraizou. Obstáculos em cadeias de fornecimento e custos crescentes de importação fizeram a inflação aumentar inicialmente, mas os aumentos de preços desde então se generalizaram. Os índices de crescimento do PIB no último trimestre de 2023 foram recentemente revisados para o campo positivo devido a um aumento nas despesas de capital.

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Os salários eram a peça que faltava no quebra-cabeça. No ano passado, negociações salariais anuais produziram ganhos de 3,8%, os maiores em três décadas. Mas o crescimento salarial ainda ficava atrás da inflação, o que ocasionou perda de renda real. Então vieram os números bombásticos da semana passada — que incluíram um grande aumento na chamada porção-base dos salários japoneses, que não é ligada ao tempo de serviço.

Um período constante de preços em elevação encorajou os sindicatos a pressionar fortemente por aumentos salariais; a decrescente força de trabalho no Japão também obriga as empresas a competir por talentos. Os formuladores de políticas “têm sido muito, muito pacientes, esperando deliberadamente o momento certo”, afirma o ex-presidente do BdJ Nakaso Hiroshi. “E agora é o momento certo.”

Apesar da decisão tão marcante, o impacto a curto prazo será limitado. O BdJ tinha dado pistas de suas intenções, o que ocasionou apreciação no movimento, e afrouxado seu limite de juros no ano passado. O iene depreciou levemente em relação ao dólar em seguida ao anúncio. Os juros a longo prazo assentaram-se em 0,7% a 0,8%, abaixo do ponto de referência previsto em 1%.

Apesar de alguns investidores locais poderem trazer fundos para o país como consequência da mudança na política, fluxos globais de capital não deverão se mover drasticamente, já que as taxas japonesas ainda se situarão abaixo dos padrões internacionais, nota Kiuchi Takahide, do Instituto de Pesquisas Nomura. E a mudança na política de juros não surtirá grande efeito: sob o ordenamento anterior do BdJ havia três faixas de contas, e a fatia dos fundos mantidos nelas e sujeitos a taxas negativas era mínima.

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A dúvida é, daqui adiante, para onde vai o BdJ. As autoridades têm sido cuidadosas em sinalizar que não estão embarcando em um ciclo de alta nos juros. No mês passado, o vice-presidente do banco, Uchida Shinichi, afirmou que não haveria uma série rápida de aumentos nos juros. Ueda deu poucas pistas sobre o ponto no qual acredita que as taxas se assentarão; a maioria dos economistas estima que os juros não excederão 0,5%.

O BdJ também continuará a comprar “amplamente a mesma quantia” em títulos do governo para controlar os juros a longo prazo. A normalização de seu próprio balancete será um processo gradual. “O BdJ deixou uma grande pegada no mercado”, afirma Kato Izuru, do instituto Totan Research. “Eles querem reduzir essa pegada, mas ela não pode ser reduzida subitamente.”

Conforme o BdJ entra em sua nova era, há vários riscos à espreita. Um vem do exterior. Uma diminuição de ritmo nos Estados Unidos ou na China, os dois maiores parceiros comerciais do Japão, influenciaria a demanda externa e prejudicaria o panorama para as empresas japonesas, dificultando o investimento.

E outro vem de dentro. No longo prazo, os pagamentos de juros da grande dívida do governo japonês aumentarão, pressionando as finanças públicas. O sistema financeiro parece bem, mas a agência reguladora do Japão incrementou recentemente a supervisão sobre credores regionais. Muitos observadores estão preocupados a respeito do impacto das elevações nas taxas de juros sobre as hipotecas e os pequenos e médios negócios que possuem grandes reservas de dinheiro.

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De forma mais preocupante, a inflação poderia cair até um patamar abaixo da meta novamente. A inflação dos preços, ainda que se coloque acima de 2%, já está caindo. Dois diretores apaziguadores votaram contra a decisão de abolir as taxas de juros negativas, argumentando que é necessário mais tempo para se certificar de que inflação veio para ficar.

Para que a tendência continue, o Japão precisa de reformas que elevem a produtividade e impulsionem o índice de crescimento potencial, argumenta Nakaso. Se existe alguma lição da era dos experimentos monetários no Japão, é que os poderes dos bancos centrais têm limites. Durante a nova era do Japão, outros terão de assumir a liderança./Tradução de Guilherme Russo

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