Tóquio - A combinação entre enfraquecimento do iene e controle da covid-19 em todo o globo motivou o Japão a enxergar no turismo a chave para evitar um crescimento econômico baixo. A aposta é endossada pelos cidadãos e está exposta no interesse do primeiro-ministro Fumio Kishida em ser anfitrião de diferentes eventos de peso, como a Expo 2025 - Sociedade do Futuro e a própria cúpula do G7 deste final de semana, que contará com a presença do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) na condição de convidado.
O iene enfrenta uma trajetória de depreciação diante do crescente diferencial de juro entre Japão e outras economias e já cedeu 5,39% frente ao dólar nos últimos 12 meses. No país asiático, a taxa de depósito de curto prazo, a taxa básica de juros local, é de -0,1%, e a meta para o rendimento do principal título público (JBG) está entre -0,50% e 0,50%, conforme mantido na mais recente decisão de política monetária.
O Banco do Japão (BoJ, o BC japonês) tem destoado de outros bancos centrais, como o Federal Reserve (Fed, o BC americano) e o próprio Banco Central brasileiro, ao manter os juros ultrabaixos por não enxergar o repique da inflação como um processo estruturado. Em setembro, o governo local chegou a lançar mão de compras de ienes, uma intervenção no mercado de câmbio que não acontecia desde 1998.
As estratégias para atrair turistas são várias, passando por propagandas massivas na internet e mudanças de protocolos. No dia 8, o governo japonês deixou de exigir o teste de covid-19 como requisito para entrada no país, três dias após a Organização Mundial da Saúde (OMS) anunciar o fim da emergência global para o coronavírus. O uso de máscaras também foi tornado facultativo - embora a população local, na sua maioria, mantenha o hábito que ganhou força na epidemia asiática de Síndrome Respiratória Aguda Grave (SARS) no início dos anos 2000.
Em abril, o governo japonês autorizou a abertura de um resort com cassino em Osaka, também com o objetivo de atrair turistas.
Quem mora no Japão já sente os efeitos da combinação entre moeda fraca e pandemia controlada. “O iene está tão razoável que nós vamos ver mais turistas e fluxos de compras de ienes para estabilizar a moeda”, afirmou ao Estadão/Broadcast o estrategista-chefe do MUFG Bank, Takahiro Sekido, que mora na capital japonesa. “Já vejo mais turistas aqui em Tóquio”, relata.
O premiê do Japão, Fumio Kishida, assume no vídeo institucional do G7 que a cúpula pode ajudar o turismo nacional. “É uma oportunidade para a atenção do mundo se concentrar no Japão. Levaremos ao mundo os encantos do nosso país, incluindo a nossa cultura tradicional e a nossa gastronomia. Eu espero que pessoas de todas as esquinas do mundo experimentem a cultura japonesa e artes”, diz o primeiro-ministro.
Fora de Tóquio, o otimismo é o mesmo. Ao longo do G7 Financeiro, que ocorreu na semana passada em Niigata com a participação do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, voluntários entregavam a jornalistas e outros visitantes um “kit Niigata”: mini-saquê - a cidade é a terra desta bebida -, folders com dicas de turismo, doces locais e outras informações importantes. “Queremos que vocês venham para Niigata também para passar férias”, disse à reportagem uma das voluntárias.
O Japão deve crescer 1,3% em 2023, pelas contas do Fundo Monetário Internacional (FMI). O número foi revisado para baixo em abril - antes, a expectativa era de uma alta de 1,8% no Produto Interno Bruto (PIB). Para 2024, a projeção é de 1,0%.
Fase inflacionária
Enquanto o mundo luta contra a alta de preços e aplica o remédio amargo de mais juros, o Japão ainda enfrenta o problema inverso, igualmente desafiador: a dificuldade em manter uma inflação sustentada ao redor da meta de 2%. Mas a política ultra acomodatícia do Banco do Japão, associada ao ambiente inflacionário global, parece estar surtindo efeito ao forjar um novo ambiente de preços no país. A virada pode deixar para trás o fantasma da deflação, que há décadas assombra o arquipélago.
As razões para o caso sui generis do Japão quando o assunto é economia chegam aos fatores culturais, com uma população resistente a repassar elevação de custos em salários, aluguéis e preços. Resistem até mesmo a gastar, mesmo que guardar dinheiro no banco, em um cenário de juro negativo, signifique perder capital. “As empresas japonesas economizam dinheiro e não gastam com seus funcionários”, explica ao Estadão/Broadcast o estrategista-chefe do MUFG para Japão, Takahiro Sekito, que mora em Tóquio.
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Uma mudança de ventos na seara dos preços, no entanto, ganhou força sobretudo com o choque inflacionário da guerra na Ucrânia e dá sinais de que pode ter sustentabilidade. Não há, contudo, consenso de que o movimento é firme a ponto de clamar por uma alta de juros imediata do BoJ. “Mesmo no Japão, reconhecemos a pressão inflacionária, embora tenhamos temido a deflação no passado”, diz Sekito.
O núcleo do índice de preços ao consumidor (CPI, na sigla em inglês), que exclui itens voláteis como energia e alimentos, foi de 3,2% em março na comparação anual. Acima, portanto, da meta de inflação de 2%. A divulgação de abril está marcada para esta quinta-feira. Apesar de acima da meta, o índice representou uma desaceleração dos 4,2% registrados em janeiro, a maior alta em 41 anos. É o ponto nevrálgico das dúvidas sobre se o movimento é sustentável ou não.
Para o Bank of America, trata-se, sim, de uma nova fase na economia japonesa. “As perspectivas para o Japão estão mudando de forma fundamental. O Japão pode ainda não ter alcançado uma inflação sustentável de 2%, mas claramente está começando a escapar da armadilha de inflação zero ou deflação em que está preso”, defende a instituição, que aposta em mudanças em breve no controle da curva de juros. O BofA não precifica para tão cedo, no entanto, uma elevação nos juros, instrumento mais comum dos bancos centrais para conter a inflação.
Para Sekito, do MUFG, a dinâmica do crescimento salarial no Japão, ainda não é suficiente para o banco central do país “passar para a próxima fase”. “Olhando para o futuro, o BoJ continuará a facilitar o ambiente monetário”, diz à reportagem, ressaltando a existência de “expectativas positivas de inflação” no Japão.
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