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Javier Milei é pró-mercado? Na Argentina, o próprio mercado tem dúvidas

Economistas apontam que, se eleito, Milei pode ter dificuldade para formar base no Congresso e até governo

Foto do author Luciana Dyniewicz
Atualização:

Primeiro lugar na eleição primária para a Presidência argentina, o candidato libertário Javier Milei é visto com preocupação por agentes do mercado financeiro do país. Além da proposta de dolarização, a falta de coerência em seu discurso e de uma base política concreta são fontes de apreensão.

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A Bolsa argentina vem refletindo essa tensão. Ela vinha em alta desde o ano passado com o mercado apostando que o nome ligado ao atual presidente, Alberto Fernández, mais intervencionista, perderia as eleições em outubro para alguém a favor de reformas econômicas.

Apenas entre janeiro e 11 de agosto deste ano, véspera da primária, o índice Merval (o principal da Bolsa do país) em dólares subiu 46%. Desde então, porém, a tendência mudou - o recuo no período foi de 5,4%. “O mercado também não tem uma boa percepção de Milei, isso freou o rali”, diz o economista Camilo Tiscornia, diretor da consultoria C&T.

Para Andrés Borenstein, da consultoria EconViews, ainda que alguns vejam Milei como um candidato pró-mercado por sua postura a favor da liberalização, esse posicionamento não será suficiente para que reformas econômicas sejam adotadas no país. Borenstein diz haver uma preocupação com a capacidade do candidato, se eleito, conseguir formar um governo.

“Ele não tem equipe. Tem algumas pessoas próximas. Algumas boas, outras ruins. Mas quem vai fazer parte de sua equipe de educação? De saúde? De economia? Um presidente precisa de umas 5 mil pessoas para governar. Ele não tem base”, diz o economista.

Borenstein afirma que Milei também não tem um apoio parlamentar como teve o ex-presidente brasileiro Jair Bolsonaro nem um partido forte por trás, como o americano Donald Trump. “Ele não tem governadores nem prefeitos. Tem apenas entre 10 e 15 senadores e deputados. Não tem apoio sindical nem vínculo com empresários.”

Tiscornia, da C&T, diz que Milei “sempre foi um político quase sozinho”. “Para implementar um governo, ele não tem muita gente ao seu redor. Começou a juntar pessoas que gostam de suas ideias, mas são poucas.”

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Milei exibe motosserra, uma referência ao seu "Plano Motosserra" de corte de gastos públicos  Foto: LUIS ROBAYO / AFP

Diante dessa falta de equipe, o candidato já procurou se aproximar de políticos com diferentes posições ideológicas. Afirmou que Mauricio Macri teria “um papel de destaque” em seu governo, o que foi mal recebido por aliados do ex-presidente argentino - Macri apoia sua ex-ministra de Segurança, Patricia Bullrich, que ficou em segundo lugar nas primárias. Mais recentemente, Milei se aproximou do sindicalista peronista Luis Barrionuevo.

“Não se sabe como ele governará, se eleito, nem que aliança política fará. Mas ele vai precisar de apoio do peronismo (corrente política do atual ministro da Fazenda e candidato à Presidência, Sergio Massa) ou do Juntos por el Cambio (coalizão macrista)”, acrescenta Tiscornia. Na visão do economista, seria mais fácil Milei se aproximar de nomes do peronismo, que costumam se aliar a quem está no poder, seja de direita ou de esquerda. “O peronismo é mais pragmático para estar no poder.”

Se o candidato vencer as eleições e se fechar com os peronistas para governar, um eventual corte de gastos radical para diminuir o déficit fiscal - uma de suas promessas - ficaria menos provável, diz Tiscornia. Outra medida que promete, a dolarização da economia, também é vista como incerta.

Ao mesmo tempo em que aponta que o economista pró-dolarização Emilio Ocampo seria seu presidente do Banco Central, outro economista de sua equipe (Darío Epstein) diz que a medida não será adotada se não houver dólares suficientes.

Apoiadores de Milei em ato de campanha Foto: LUIS ROBAYO / AFP

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“A sensação é que não há convicção. Ele se contradiz. Não se sabe se ele vai querer pôr em prática as ideias de campanha”, afirma Tiscornia.

Sócio da consultoria Abeceb, Gustavo Pérego, no entanto, vê a possibilidade de deputados e senadores do Juntos por el Cambio apoiarem medidas reformistas de Milei. É provável que a coalizão macrista, de centro-direita, passe a ter o maior número de cadeiras no Congresso, algo que Mauricio Macri não teve quando presidente e que dificultou seu governo.

“Milei terá de discutir com pessoas mais a favor de reformas e, tirando a questão da dolarização, ele tem uma parte importante da política econômica parecida com a do Juntos por el Cambio”, afirma Pérego, que acrescenta, por outro lado, que a inexperiência política de Milei pesará contra.

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