BRASÍLIA - A aprovação do novo arcabouço fiscal na Câmara revelou a bem-sucedida articulação conduzida diretamente por Fernando Haddad no meio político. Mas, na direção da agenda econômica, seja ligada à equipe econômica ou a outras áreas do governo, também têm aparecido algumas falhas, e há pontos que estão em aberto à espera de uma solução política pelo ministro da Fazenda.
A expectativa de que Haddad possa encontrar uma saída para pelo menos sete erros de articulação política do governo Lula na economia, reunidos pelo Estadão, se dá em razão da relação que o ministro estabeleceu com o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL) na tramitação do arcabouço fiscal. Nos bastidores, tanto políticos quanto interlocutores do mercado financeiro dizem que o ministro conquistou a confiança de Lira em um momento chave de empoderamento do Congresso, o que será decisivo para a aprovação da reforma tributária.
Veja quais são os sete erros à espera de uma solução política:
1. Mudança no Carf por MP
Sem aviso, o governo editou uma medida provisória para mudar o Carf (Conselho Administrativo de Recursos Fiscais) e garantir a volta do chamado voto de qualidade nos julgamentos do conselho, que tinha sido eliminado havia pouco tempo, em 2020, pelo Congresso, numa agenda patrocinada pelo Centrão de Lira.
2. Acordo no STF ‘por cima’ do Parlamento
Com a forte resistência dos congressistas à MP do Carf, Haddad e sua equipe costuraram um acordo com a OAB no STF. A rixa só aumentou porque o Executivo foi buscar apoio no Judiciário, sem construir a saída no Legislativo. A MP foi à geladeira e o governo enviou um projeto de lei ao Congresso.
3. Retrocesso no saneamento
O governo editou decretos mudando o marco do saneamento, uma lei aprovada recentemente por muitos dos deputados e senadores que seguem no Congresso. O movimento reforçou a grita dos parlamentares de centro-direita contra o que chamam de rota revisionista de Lula e seus ministros.
4. Indicação de Galípolo sem aviso prévio
Haddad anunciou a indicação de Gabriel Galípolo, seu número 2, para o Banco Central sem avisar Rodrigo Pacheco (PSD-MG). A escolha, porém, depende de sabatina no Senado e a falha de comunicação custará pelo menos mais 15 dias para o escolhido.
5. Eletrobras no STF
O governo foi à Justiça para reclamar que considera estar subrepresentado na empresa. Tanto Lira quanto Pacheco chamaram a iniciativa de retrocesso, e parlamentares creem que governo busca reestatizar a companhia.
6. Verborragia contra a Eletrobras
Lula e Rui Costa criticaram a privatização - o chefe da Casa Civil chegou a falar em “mau cheiro de imoralidade” no processo de venda do controle da companhia. A privatização foi autorizada pelo Congresso em 2021, com relatoria de Elmar Nascimento (União-BA), aliado de primeira hora de Lira.
7. Tributação no exterior sem sinalização
Governo baixou uma MP, num fim de semana, sem avisar a Lira e outros deputados de que passaria a taxar investidores no exterior como forma de compensar a isenção no IR para rendimentos de até R$ 2 mil.
Haddad mais ‘calejado’
No dia da votação mais importante para o governo Lula até agora, a do marco fiscal, Haddad foi o único ministro convidado a participar de reunião com Lira e Rodrigo Pacheco (PSD-MG) e 14 representantes do setor privado. A leitura política em Brasília da comemoração antecipada da aprovação cristalizou o descredenciamento do time político de Lula, Alexandre Padilha (Relações Institucionais) e Rui Costa (Casa Civil), pela cúpula do Congresso.
Na noite seguinte, 24, sob o comando de Lira, os parlamentares deram o recado ao Planalto, impondo três derrotas ao governo na área ambiental. Ainda que a votação do novo arcabouço fiscal tenha sido expressiva, com 372 votos favoráveis, o governo só tem 130 votos firmes no Congresso e, por isso, não tem apoio suficiente para impor sua agenda.
Embora tenha conseguido superar esse clima hostil e se transformado em aliado de Lira e Pacheco, Haddad terá de corrigir a rota de erros e, nesse caminho, ele está ficando mais calejado ao entender que, na política, “o gesto é tudo”.
O grande teste, porém, não será nas medidas reformistas, que Lira e Pacheco chamam de “pauta País” e que tomaram para si, como o arcabouço e a reforma tributária, mas nas iniciativas que ele terá de aprovar para aumentar a arrecadação - necessária para colocar o marco fiscal de pé.
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“Aumento de imposto não passa no Congresso hoje. A tributação dos trusts, pode até passar porque foi feita para compensar o Imposto de Renda; mas, de resto, muito difícil. Na reforma tributária, nós queremos melhorar a vida de quem produz, não facilitar a vida do governo”, afirma o senador Efraim Filho (União-PB).
Um dos erros mais recentes é Haddad ter editado uma medida provisória (MP) num domingo (30 de abril), véspera de 1.º de maio, sem sinalizar previamente a Lira que taxaria os investimentos em ativos no exterior.
Apesar do tropeço político, a equipe de Haddad optou por correr o risco por causa do teor da medida, que sempre enfrentou resistências, e poderia ser abortada antes mesmo de sair do papel. Em matéria tributária, que envolve interesses bilionários, a máxima é que não se avisa antes. Mas, para interlocutores do presidente da Câmara, a surpresa não caiu bem e há risco de a MP caducar, embora algumas lideranças acreditem que a taxação pode receber apoio no Congresso e surpreender os críticos da medida.
Nesse jogo de erros e acertos, o primeiro escorregão ocorreu na tentativa de arrecadar mais com a mudança no Carf. Haddad optou por tentar elevar o poder da União no conselho por meio de uma medida provisória, apesar de o Congresso ter aprovado em 2020 um projeto de lei na direção oposta - com o fim do voto de qualidade (voto de minerva) da Receita Federal em casos de empate. Na ocasião, os parlamentares decidiram dar mais poder aos contribuintes nos julgamentos, numa decisão patrocinada por Lira e Pacheco.
O resultado disso é que a MP, que expira na próxima quinta, 1.º, deve caducar. Haddad já entrou em campo para corrigir a rota. O governo enviou um projeto de lei, que tramita com urgência, mas ainda não há relator designado.
O segundo tropeço neste mesmo assunto foi Haddad ter costurado acordo com a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) no Supremo Tribunal Federal (STF), ignorando o Legislativo. Isso foi mal interpretado porque o ministro buscou resolver em outro Poder uma querela que os parlamentares dizem ser parte de um “revisionismo” do governo, a exemplo da privatização da Eletrobras.
A autorização de venda do controle da estatal foi concedida em 2021, pelo Congresso, com projeto relatado por Elmar Nascimento (União-BA), aliado de primeira hora de Lira e apontado como possível sucessor dele na presidência da Câmara. Ainda assim, por iniciativa de Rui Costa, segundo informou Lula, o governo decidiu ir ao STF para questionar o poder de voto do governo na empresa.
A iniciativa não teve o apoio de Haddad, que na última sexta-feira, 26, fez malabarismo para evitar se posicionar diretamente sobre o assunto. “Acho que a privatização foi mal feita. Disse isso quando foi aprovada”, disse Haddad em entrevista à GloboNews. “Defendemos a posição do governo no caso Eletrobras, mesmo sabendo que Congresso e Judiciário podem ter outras”.
Lira já avisou que, no Congresso, a iniciativa de rever a privatização não vai prosperar - o que foi interpretado como uma senha de que o mesmo vale para o marco do saneamento. O projeto de lei que derruba os decretos de Lula sobre o tema, aprovado na Câmara no fim de abril, está oficialmente tramitando no Senado. Mas ninguém acredita que sairá da gaveta, ainda mais depois que o governo sinalizou a senadores que pretende revogar o texto para evitar a derrota.
“A revisitação de temas que o Congresso votou há pouco tem que acontecer, quando acontecer, no âmbito do Congresso. É importante que acalmem os ânimos com relação a essas pautas que, efetivamente, não terão eco nos plenários das duas Casas, independentemente da vontade dos presidentes”, afirmou Lira, na última semana, em discurso ao lado de Haddad.
Neste caso, ainda que a iniciativa tenha partido da Casa Civil de Rui Costa, Haddad deverá entrar em campo para ajudar a preparar um novo decreto, dessa vez negociado com os parlamentares.
Galípolo no Banco Central
O próximo item da fila, porém, é acertar os ponteiros com o Senado para viabilizar a indicação de seu número 2, Gabriel Galípolo, para a diretoria de política econômica do Banco Central.
O anúncio, feito sem aviso prévio ao presidente da Casa, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), atrasou a sabatina dele na Comissão de Assuntos Econômicos do Senado. Com isso, agora são poucas as chances de o escolhido de Haddad chegar ao BC a tempo de participar da próxima reunião do Copom (Comitê de Política Monetária), nos dias 20 e 21 de junho, para definir a taxa básica de juros.
Antes disso, Galípolo já foi informado pela equipe política do governo de que deverá participar de uma série de reuniões com senadores para fazer a sua apresentação. Sua rejeição não está no mapa.
Líder do governo no Senado, Jaques Wagner (PT-BA) minimiza o mal-estar provocado pelo jeito com que a escolha veio a público, sem costura política prévia, como é de praxe. “Eu também não fui avisado”, disse Wagner. “Ele (Galípolo) virá conversar com os senadores, como é normal. Todo candidato tem de visitar os seus eleitores.”
Entre economistas do mercado financeiro, a imagem de Haddad como articulador político é positiva, porque ajudou a viabilizar a agenda econômica no Congresso, ao limpar o caminho para a aprovação do arcabouço fiscal e, no futuro, da reforma tributária.
Mas há quem veja risco nessa trajetória, ao ressaltar que Haddad só ficou popular entre os deputados porque “político gosta de gastar, e o arcabouço deixa gastar” mais no curto prazo.
No meio político, a aproximação de Haddad e Lira é vista ainda como um jeito de o presidente da Câmara incomodar o PT e estimular o fogo-amigo no núcleo do governo Lula.
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