Em seu discurso de posse, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva deu o recado: “Ao ódio responderemos com amor”, afirmou, para deleite da massa que lotava a Praça dos Três Poderes, em Brasília. Mas, decorridos apenas sete meses desde que voltou ao Palácio do Planalto, embalado pela “frente ampla” que apoiou sua candidatura “pela democracia”, o que se observa é um Lula que parece sempre pronto a disparar seus petardos contra todos os que se colocaram ou se colocam em seu caminho.
Apesar de insistir na narrativa de que “o amor venceu”, ao dizer que “é preciso acabar com esse clima de ódio que foi criado no mundo e no Brasil”, que “não somos galo de briga” e que “temos de jogar o ódio na lata de lixo e colocar o coração pra bater”, ele é o primeiro a partir para o confronto. Pontifica contra o ódio, mas não perde uma oportunidade de fomentá-lo. Levanta-se contra os “fascistas”, um “bonde” no qual cabe qualquer um que não reze por sua cartilha, mas muitas vezes é difícil distinguir o que diz e faz das atitudes de quem ele critica com truculência.
Em vez de se empenhar para abrandar a polarização no País, Lula resgatou o velho “nós contra eles” e voltou a tratar adversários como inimigos a serem “extirpados” da face da Terra, repetindo uma estratégia que acabou por contribuir, em boa medida, para turbinar a resistência aguerrida que apeou o PT do poder, primeiro com o impeachment de Dilma e depois tendo à frente o ex-presidente Jair Bolsonaro. Com frequência, Lula recorre a xingamentos como “canalha”, “vagabundo” e “titica” para se referir a seus oponentes e – como Bolsonaro – usa suas lives para defenestrá-los, embora tenha prometido na campanha seguir outra trilha.
“Gabinete do ódio”
Até o tal “gabinete do ódio”, que funcionava no Planalto no governo Bolsonaro, inspirado na máquina de perseguição e destruição de reputações criada pelo próprio PT quando estava no poder, foi repaginado agora pela turma que cuida do site lula.com.br, com o objetivo de disparar ataques contra adversários e alimentar narrativas favoráveis a Lula e a seus aliados nas redes sociais.
Lá fora, apesar do discurso em defesa da paz mundial e da democracia, ele tem criado arestas com os países desenvolvidos, ao “passar pano” para a Rússia e seu presidente Vladimir Putin, criticar o presidente ucraniano Volodymyr Zelensky e defender “ditaduras amigas” como as da Venezuela, da Nicarágua e de Cuba, como fazia em seus primeiros mandatos.
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Além de Bolsonaro e Zelensky, figuram entre os alvos preferidos de sua ira o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, o senador e ex-juiz Sergio Moro, a elite e os ricos do País, os empresários e o agronegócio. Confira a seguir 25 “pauladas” desferidas por Lula desde sua posse, que mostram que o amor não venceu o ódio, ao contrário do que diz a narrativa que ele propaga.
Sobre hostilidades ao ministro Alexandre de Moraes, do STF, em Roma
1. “Vocês têm que estar preparados, porque nós derrotamos o Bolsonaro, mas não derrotamos os bolsonaristas ainda. Os malucos estão na rua, ofendendo pessoas, xingando pessoas como aconteceu esses dias com Alexandre de Moraes, no aeroporto de Roma, que um canalha não só ofendeu ele, como bateu no filho dele” (23/7).
2. “Nós precisamos punir severamente pessoas que ainda transmitem ódio. Um cidadão desse é um animal selvagem, não é um ser humano. Essa gente que renasceu no neofascismo colocado em prática no Brasil tem que ser extirpada, e nós vamos ser muito duros com essa gente, para eles aprenderem a ser civilizados” (19/7).
Sobre os acontecimentos de 8/1
3. “O que aconteceu no Palácio do Planalto, no Congresso Nacional e no STF foi uma revolta dos ricos que perderam as eleições” (6/2).
Sobre o ex-presidente Jair Bolsonaro
4.”Quando maioria da população deixa de gostar da política, surge uma titica como o Bolsonaro” (4/7).
5. “Já está provado que eles (os fascistas) tentaram dar um golpe coordenado pelo ex-presidente, que agora tenta negar. Mas quando ele perdeu as eleições ficou trancado dentro de casa para ficar preparando o golpe” (19/6).
6. ”Não sei se vocês têm dimensão, mas entre desoneração, isenção e distribuição de dinheiro, foram gastos R$ 300 bilhões para que o gângster que estivesse lá continuasse governando este país” (17/6).
7.”Eu vou trabalhar 24 horas por dia, vou viajar mais, porque este país não merece um vagabundo que não vai ao Palácio do Planalto para governá-lo. Este país merece alguém que trabalha e que não minta” (17/6).
8. “Digo sempre que, se juntar todos os presidentes desde a proclamação da República até essas eleições, a soma de todas as candidaturas juntas não gastou o que esse cidadão gastou na perspectiva de perpetuar o fascismo neste país” (10/4).
Sobre o impeachment de Dilma
9. “Vocês sabem que depois de um momento auspicioso no Brasil, quando governamos de 2003 a 2016, houve um golpe de Estado. Se derrubou a companheira Dilma Rousseff com um impeachment, a primeira mulher eleita presidenta da República do Brasil” (24/1).
10. “Quase tudo que fizemos de beneficio social no País, em 13 anos de governo, foi destruído em seis anos. Ou melhor, em sete anos. Três do golpista Michel Temer e quatro do governo Bolsonaro” (25/1).
Sobre Roberto Campos Neto, presidente do Banco Central
11. “O presidente do Banco Central só tem que entender que ele não é dono do Brasil” (13/7).
12. “Você tem um cidadão no Banco Central que me parece que não entende nada do País, não entende nada de povo, não tem sentimento com o sofrimento do povo e mantém essa taxa de juros pra atender os interesses de quem?” (29/6).
13. “Esse cidadão no Banco Central que ninguém sabe quem botou ele lá” (27/6).
14. “Eu acho que esse cidadão joga contra a economia brasileira. Não existe explicação aceitável do porquê a taxa de juros estar em 13,75%” (22/6).
15. “Ele não tem nenhum compromisso comigo. Ele tem compromisso com quem? Com o Brasil? Não tem. Ele tem compromisso com o outro governo, que o indicou. Isso é importante ficar claro. Ele tem compromisso com aqueles que gostam de taxa de juros alta” (6/5).
Sobre o senador e ex-juiz Sergio Moro, em relação à investigação da Polícia Federal envolvendo um plano do PCC para matar autoridades
16. “Eu não vou falar, porque eu acho que é mais uma armação do Moro. (...) É visível que é uma armação do Moro. Mas eu vou pesquisar, eu vou descobrir o que aconteceu” (23/3).
Sobre a elite brasileira
17. “A única razão (pela qual) eu voltei a me candidatar a presidente da República foi para provar, outra vez, à elite atrasada brasileira, que um torneiro mecânico é capaz de fazer o que eles não conseguiram fazer em tantos anos nesse País” (6/6).
Sobre os empresários
18. “O empresário não ganha muito dinheiro porque ele trabalhou. Ele ganha muito dinheiro porque os trabalhadores dele trabalharam”
Sobre os produtores rurais e o agronegócio
19. Ele (Carlos Fávaro, ministro da Agricultura)) não é pequeno produtor, é grande produtor. Tem a famosa feira de agricultura em Ribeirão Preto (Agrishow) que alguns fascistas, alguns negacionistas não quiseram sua presença. Desconvidaram meu ministro” (11/5).
20. “Eu quero dizer que venho aqui nessa feira (Bahia Farm Show) só para fazer inveja aos maus-caracteres de São Paulo, que não deixaram meu ministro (Carlos Fávaro, da Agricultura) participar (da Agrishow, em Ribeirão Preto)” (11/5).
Sobre o mercado financeiro
21. “Com todo respeito que posso ter ao chamado mercado financeiro, esse povo nunca gostou do PT, nunca votou no PT, nunca gostou do (ministro da Fazenda Fernando) Haddad. O Haddad não foi indicado para atender aos interesses da Faria Lima. Os interesses da Faria Lima são outros” (13/7).
Sobre a Venezuela e seu presidente, Nicolás Maduro
22. “Companheiro Maduro, você sabe a narrativa que se construiu contra a Venezuela, de antidemocracia e do autoritarismo. (...) Se eu quiser vencer uma batalha, eu preciso construir uma narrativa para destruir o meu potencial inimigo (29/5).
Sobre Zelensky e a guerra na Ucrânia
23. “O (Volodymyr) Zelensky (presidente da Ucrânia) não pode querer tudo. Talvez se discuta a Crimeia (região da Ucrânia ocupada pela Rússia em 2014). A Otan (também) não vai poder se estabelecer na fronteira (com a Rússia)” (6/4).
Sobre a Revolução Industrial e o meio ambiente
24.”Na verdade, quem poluiu o planeta nestes últimos 200 anos foram aqueles que fizeram a Revolução Industrial e, por isso, têm que pagar a dívida histórica que têm com o planeta Terra. Não foi o povo africano que poluiu o mundo. Não foi o povo latino-americano que poluiu o mundo” (22/6).
Sobre o presidente do Chile, Gabriel Boric, que criticou líderes latino-americanos por não adotar posição mais crítica com a Rússia na reunião de cúpula com a União Europeia
25. “Eu não tenho por que concordar com o Boric, é uma visão dele. Eu acho que a reunião foi extraordinária. Possivelmente, a falta de costume de participar dessas reuniões faz com que um jovem seja mais sequioso, mais apressado, mas as coisas não são assim. (...) Ele tem um pouco mais de ansiedade que os outros” (19/7).
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