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O outro lado do noticiário

Opinião | As ‘lições’ de Dilma que Lula não aprendeu

Prestes a completar 11 meses no governo, o presidente já deu todos os sinais possíveis, para quem ainda tinha alguma dúvida, de que seu plano é aplicar o mesmo receituário malsucedido adotado por sua pupila na economia

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Foto do author José Fucs
Atualização:

Se a turma de centro-esquerda, centro e centro-direita que “fez o L” nas eleições acreditava que, desta vez, seria diferente, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva se incumbiu de mostrar que não será.

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Prestes a completar 11 meses no governo, Lula já deu todos os sinais possíveis e imagináveis, para quem ainda tinha alguma dúvida, de que não aprendeu as “lições” deixadas pela ex-presidente Dilma Rousseff na economia. Não as lições de seus eventuais acertos, se é que eles existiram, mas de seus erros, que jogaram o País na maior recessão da história, com uma queda acumulada de 7% no PIB (Produto Interno Bruto), em 2015 e 2016.

Em vez de deixar para trás o receituário malsucedido de Dilma, que levou às chamadas “pedaladas fiscais” e ao seu impeachment, Lula está resgatando muitas das propostas e soluções implementadas por sua pupila. Fazem parte da lista o intervencionismo estatal, o excesso de gastos sem lastro, a pressão pela redução dos juros, a “proteção” da indústria nacional e a distribuição de benesses generalizadas com recursos dos pagadores de impostos.

Embora muitos dos que decidiram votar em Lula em 2022 “pela democracia” se mostrem surpresos com os rumos de seu governo, inclusive alguns economistas considerados mais “liberais” que agora recheiam o noticiário com seu chororô, já era até certo ponto previsível que isso iria acontecer.

Como Dilma, Lula está deixando as contas no vermelho e deverá aumentar a dívida pública de forma significativa até o fim do mandato, segundo as previsões dos analistas. Foto: Ricardo Stuckert / Instituto Lula

Afinal, foi o próprio Lula quem primeiro seguiu por essa trilha, no auge da crise global de 2008, provocada pela debacle no mercado americano de hipotecas, numa tentativa de atenuar a força do “tsunami” que abalou a economia mundial e de transformá-lo numa “marolinha” sem grandes consequências para o País.

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O sucesso do “pacote” anticrise – centrado no aumento dos gastos públicos e dos investimentos estatais – foi tão grande na época, ao permitir que o Brasil passasse praticamente ao largo das turbulências, que o que era para ser algo temporário, acabou ganhando um caráter de política permanente. Dilma a levou às últimas consequências em suas gestões, mesmo depois que a crise passou, e o PT a incorporou ao seu programa como um contraponto ao “neoliberalismo” e à austeridade fiscal que o partido sempre criticou. Não seria Lula, portanto, que iria mudar o rumo das coisas agora, em seu terceiro mandato.

O problema, como mostrou a “herança maldita” deixada por Dilma, é que o uso de “anabolizantes” para alavancar a economia tem um limite e provoca uma série de efeitos colaterais. No curto prazo, ele pode até funcionar, gerando mais um “voo de galinha” e dando a ilusão de que o País está decolando para valer. Mas uma hora, mais cedo ou mais tarde, a conta acaba chegando, deixando um rastro de destruição pelo caminho, que costuma afetar principalmente os mais vulneráveis.

A matemática é implacável. Por mais que Lula e o PT acreditem que é possível aumentar as despesas de forma ilimitada, ainda não inventaram uma fórmula para gastar muito além do que o orçamento permite, ampliando em progressão geométrica o nível de endividamento e os desembolsos com o pagamento de juros, que apresente, no fim da linha, um saldo positivo. Em geral, o que acaba acontecendo é o contrário do que se pretendia alcançar a princípio com a gastança.

Interesses políticos

Além de aumentar a dívida pública, os gastos sem lastro do governo acabam por produzir um coquetel indigesto, que inclui o aumento da inflação, a alta dos juros, a retração da economia, a elevação das incertezas dos agentes econômicos e o adiamento de novos projetos e investimentos por parte da iniciativa privada. Com isso, o desemprego, em vez de diminuir, aumenta, e a renda, em vez de crescer, encolhe. Neste cenário hostil, a arrecadação tributária também acaba por perder fôlego, agravando o rombo fiscal e tornando ainda mais difícil a reversão do problema depois.

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Ao mesmo tempo, com o aumento da intervenção do governo na economia e o uso das estatais para estimular o crescimento e acomodar interesses políticos e empresariais, os riscos de malfeitos se multiplicam, como mostrou o petrolão, o esquema de corrupção em escala industrial que prosperou na Petrobras durante os governos petistas.

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Ainda que as investigações e condenações dos envolvidos pela Lava Jato tenham sido anuladas pelo STF (Supremo Tribunal Federal) por problemas processuais, o certo é que a descoberta das falcatruas já permitiu à Petrobras recuperar pelo menos R$ 6,2 bilhões desviados de seu caixa, em decorrência de acordos de colaboração, leniência, repatriações e renúncias, segundo informações divulgadas pela própria empresa.

Apesar de tudo isso, Lula se recusa a aceitar as evidências e insiste em ressuscitar velhas ideias, com o apoio do PT e de seus aliados. E, agora, diante de sua perda de popularidade, já detectada pelas pesquisas, e dos efeitos perversos provocados pela desaceleração da China e pelas guerras na Ucrânia e no Oriente Médio, tudo indica que ele deverá “dobrar a aposta” para tentar, mais uma vez, dar um gás na economia com o uso indiscriminado dos “anabolizantes” estatais. Mesmo que, para amenizar o impacto dos gastos nas contas públicas, o governo tenha de abocanhar cada centavo dos contribuintes, com a adoção de uma série de medidas arrecadatórias propostas pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad.

A única coisa impossível é Deus pecar. O resto, a gente pode fazer qualquer coisa, é só querer

Luiz Inácio Lula da Silva

O próprio Lula já deu a letra da trajetória que deve trilhar, ao dizer que “dificilmente” o País deverá cumprir a meta de zerar o déficit fiscal em 2024, que não pretende apertar o cinto e que “dinheiro bom é dinheiro transformado em obras”. “Nós temos de ser criativos. Temos que aceitar os desafios aqui. Eu, na minha vida, não aceito a ideia de que tem coisas que são impossíveis”, afirmou recentemente, reforçando sua profissão de fé na receita adotada pelos governos petistas desde o seu segundo mandato. “Na minha experiência de vida, a única coisa impossível é Deus pecar. O resto, a gente pode fazer qualquer coisa, é só querer.”

Fórmula de sucesso

Desde já, ante as perspectivas que se apresentam e o aumento das incertezas na praça, os danos começam a aparecer. Mesmo com a inflação sob aparente controle no momento, a expectativa dos analistas é de que o Banco Central diminua de forma preventiva o ritmo de corte dos juros. Espera-se também que o piso da taxa básica (Selic), antes estimado em cerca de 9% ao ano no fim do atual ciclo de afrouxamento monetário, fique em pelo menos 10%. Se tal previsão se confirmar, isso vai representar um gasto adicional de cerca de R$ 80 bilhões ao ano para a rolagem da dívida pública, consumindo recursos preciosos do Tesouro, que poderiam ser direcionados para a área social.

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Se Lula tivesse aprendido as lições de Dilma, certamente estaria indo por outro caminho. Eventualmente, no início, ele seria um pouco mais acidentado, mas mais à frente o País colheria frutos suculentos, com a geração de um ciclo de desenvolvimento sustentável que o tiraria do limbo em que se encontra há décadas. Lula, porém, não parece muito preocupado com os resultados de longo prazo de suas políticas e age como se tivesse descoberto a fórmula de sucesso das nações, que permitiria a realização ilimitada de gastos sem que isso tenha qualquer consequência no futuro. O Brasil, em vez de ir para a frente, está de novo andando para trás.

Opinião por José Fucs

É repórter especial do Estadão. Jornalista desde 1983, foi repórter especial e editor de Economia da revista Época, editor-chefe da revista Pequenas Empresas & Grandes Negócios, editor-executivo da Exame e repórter do Estadão, da Gazeta Mercantil e da Folha. Leia publicações anteriores a 18/4/23 em www.estadao.com.br/politica/blog-do-fucs/

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