A decisão do ministro Flávio Dino, do STF (Supremo Tribunal Federal), de determinar ao município de São Paulo que os preços cobrados pelos serviços funerários voltem aos níveis cobrados antes da concessão dos mesmos, corrigidos pela inflação, é um exemplo que dá um caráter inédito à insegurança jurídica existente hoje no País.
Não é de hoje que o STF e seus ministros vêm tomando decisões, inclusive com efeito retroativo, que tumultuam a vida das empresas e dos empreendedores, transformando o País numa espécie de faroeste jurídico, em que tudo está sub-júdice. Foi o que aconteceu, por exemplo, no caso em que a Corte determinou que o ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços) deve incidir sobre a base do PIS/Cofins (Programa de Integração Social e Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social), afetando não só o que as empresas pagam, mas também o que deveriam ter pago do tributo.
Ainda assim, ao interferir nos preços de um serviço público que é objeto de um contrato firmado pela prefeitura de São Paulo com a iniciativa privada em 2023, com base em metas de desempenho e na sustentabilidade financeira da concessão, dentro das regras previstas na legislação, Dino foi além. Alegando “práticas mercantis” que estariam em desacordo com “preceitos constitucionais”, mesmo que o contrato com a concessionária preveja um desconto de 25% nos valores do chamado “funeral social”, inexistente no modelo anterior, Dino revela todo o seu viés ideológico anticapitalista com a decisão, que atendeu a solicitação do PC do B, partido ao qual foi filiado durante 15 anos, antes de se bandear para o PSB, em 2021.
Embora a medida tenha caráter liminar e ainda dependa do aval do plenário do STF para ser mantida, ela coloca em xeque milhares de concessões de serviços públicos feitas pelo Brasil afora, nos três níveis de governo – federal, estadual e municipal –, para que a iniciativa privada entregue à população, com melhor qualidade, segundo regras contratuais pré-estabelecidas, o que os governos não conseguem entregar.
Coloca em xeque também dezenas de concessões que estão em preparação em todo o País, prejudicando os cidadãos que esperam a melhoria dos serviços prestados pelo poder público. Quem é que vai se sentir seguro agora para firmar um contrato de longo prazo com prefeituras, estados e com a União, para prestação de serviços públicos, diante da decisão de Dino?
Até faz sentido que a Prefeitura seja questionada sobre problemas que eventualmente ocorram na prestação do serviço pela concessionária, se eles estiverem em desacordo com o que prevê o contrato de concessão, que estabelece um prazo de quatro anos para a realização de reformas estruturais nos cemitérios. É do jogo. Agora, não é esse o caso da decisão de Dino, que recentemente já havia censurado livros por homofobia, em decisão que lembrou os “anos de chumbo” vividos pelo País.
Como uma estrada concedida à iniciativa privada, em que os usuários preferem pagar pedágio para ter uma estrada melhor, com a manutenção necessária e a realização de benfeitorias e obras que melhorem sua segurança, a melhoria do serviço funerário e dos cemitérios de São Paulo tem um preço, que foi calculado de acordo com as despesas necessárias para alcançá-la, preservada a chamada “tarifa social” para os mais pobres.
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Só quem mora em São Paulo sabe como eram os serviços funerários e a gestão de cemitérios na cidade antes da concessão, quando eles ficavam abandonados e a atividade era um polo crônico de corrupção, e o quanto a atuação da iniciativa privada pode contribuir para a melhoria da qualidade do atendimento feito à população na área.
É possível imaginar que um partido da esquerda radical como o PSOL brade contra os preços cobrados pelos serviços funerários de São Paulo e defenda nos palanques a revogação do contrato de concessão, celebrado na gestão do atual prefeito, Ricardo Nunes, que acabou de ser reeleito por larga margem para o cargo. Ou que militantes do “movimento estudantil” se insurjam contra a “privatização” de serviços públicos de forma geral. Mas, quando um ministro do STF segue pelo mesmo caminho, a questão se torna bem mais preocupante.
Fica agora a expectativa de que os colegas de Dino no Supremo revejam sua decisão, para que as parcerias do setor público com o setor privado, que tantos benefícios têm trazido para a população nas mais diferentes atividades, possam continuar a prosperar no País. Diante do retrospecto do STF, porém, é difícil hoje prever que isso irá acontecer.
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