A divulgação do crescimento de 0,9% no PIB (Produto Interno Bruto) do terceiro trimestre do ano, com alta acumulada de 3,3% nos últimos 12 meses em relação ao mesmo período de 2023, foi motivo de júbilo para o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e sua tropa de choque.
O resultado, segundo Lula e seus aliados, seria uma prova de que o governo está no caminho certo com sua política econômica, centrada na gastança sem lastro, déficits fiscais recorrentes, aumento de impostos e dívida pública em alta. Indicaria também que “o mercado”, ah, o mercado, esse ente abstrato contra o qual tanto se esbraveja, quer “ajudar a afundar o Brasil”, nas palavras da ministra do Planejamento, Simone Tebet, ao turbinar o dólar e os juros futuros, fechando os olhos para a realidade empolgante que os números revelam.
A questão, lamento dizer, é que esse crescimento do PIB, recebido com entusiasmo pelo governo e usado por seus “proxis” nas redes sociais para turbinar a versão oficial, não é o que parece. Fruto do uso de anabolizantes, que energizam a economia de forma espúria, ele simplesmente não é sustentável ao longo do tempo, embora no curto prazo até alimente a ilusão de que tudo está indo às mil maravilhas.
Como um esportista que faz uso de esteroides proibidos para melhorar sua performance, mas depois sofre problemas no coração, tem de abandonar o esporte e muitas vezes acaba até morrendo de forma precoce, esse crescimento anabolizado do PIB também vai cobrar o seu preço mais adiante, como aconteceu no governo Dilma 2. Com o agravante de que, ao contrário do que ocorre com um esportista, em que só ele paga por seus excessos, a conta na economia, acaba sobrando para todos nós mais adiante, como a gente sabe bem.
Desde a transição de governo, antes mesmo de tomar posse, em janeiro do ano passado, Lula tem feito uso daquele que é, provavelmente, o anabolizante mais letal para a economia: a gastança sem lastro, de forma recorrente e crescente, com reflexos nocivos na dívida pública, nos juros e nas expectativas dos agentes econômicos. Com isso, ele vem transformando desde o início o tal do arcabouço fiscal criado pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, com apoio do Congresso, numa peça de ficção, na qual só os devotos da seita petista – e talvez nem eles – ainda acreditam.
Lula até procura usar Haddad como uma espécie de porta-voz da responsabilidade fiscal, para lhe servir de contraponto e vender ilusões à sociedade, como se o ministro não estivesse a seu serviço e não tivesse sido indicado, entre todos os outros nomes que o presidente tinha à disposição na época, como seu representante nas eleições de 2018, quando estava no xilindró, impedido de participar do pleito.
Mas, na verdade, Lula e Haddad, que ocupa provavelmente o posto mais importante do governo, são um só e é um equívoco imaginar que o ministro da Fazenda faça qualquer coisa que não esteja de acordo com as ideias do chefe. Ambos trabalham para colocar de pé a agenda econômica do PT e retomar a trilha seguida por Dilma – esboçada já no governo Lula 2 –, que gastou como se não houvesse amanhã e deixou como saldo a maior recessão de que se tem notícia em todos os tempos, com uma queda acumulada de 7% no PIB em 2015 e 2016.
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O governo até está tentando “dourar a pílula”, ao anunciar um pacote de corte de gastos. O pacote, porém, praticamente não prevê corte de despesas e ainda propõe a criação de novos impostos, além de conferir uma isenção bilionária para quem ganha até R$ 5 mil por mês. Por isso, gerou uma enorme frustação no mercado financeiro, que se refletiu na deterioração dramática das expectativas. Não por acaso o Deutsche Bank apontou em relatório divulgado nesta semana que o governo “Lula 3 é Dilma 2″ e desaconselhou o investimento no Brasil a seus clientes no momento.
Segundo cálculos feitos por analistas independentes, o Tesouro aumentou os gastos em nada menos que R$ 345 bilhões, em termos reais (descontada a inflação), só no primeiro ano do atual mandato de Lula, em relação ao último ano do governo Bolsonaro – uma “pedrada” equivalente a cerca de 3,2% do PIB, levando-se em conta que o indicador foi de R$ 10,9 trilhões em 2023.
Curto prazo
Em 2024, o ritmo de expansão de gastos diminuiu um pouco, mas a previsão ainda é de um déficit de cerca de 60 bilhões, equivalente a 0,5% do PIB, conforme as projeções dos economistas dos bancos, compiladas pelo Banco Central no Boletim Focus. Se tal previsão for confirmada, a expansão de gastos do governo Lula nos dois primeiros anos passará dos R$ 400 bilhões em termos nominais, um número que dispensa comentários.
Com o aumento desenfreado dos gastos, a dívida pública federal, que estava roçando os R$ 6 trilhões no fim de 2022, o equivalente 50,4% do PIB, de R$ 10,1 trilhões na época, já passa dos R$ 7 trilhões. E a previsão é que ela feche 2024 perto dos R$ 7,4 trilhões, em torno de 65% do PIB, estimado em R$ 11,4 trilhões no fim deste ano. O aumento significativo da dívida federal deverá contribuir de maneira decisiva para a elevação do endividamento bruto do setor público consolidado (DBGG) no País, que ultrapassou os R$ 9 trilhões pela primeira vez na história no fim de novembro, incluindo operações compromissadas do Banco Central, o INSS, as estatais e as pendências dos Estados e municípios, chegando perto de 80% do PIB.
Na economia, em geral, o uso de anabolizantes como a realização de gastos sem lastro para turbinar o nível de atividade e o PIB, tende a promover melhoras no curto prazo. Só que depois, como a gastança não é sustentável, porque os déficits nas contas públicas e o nível de endividamento vão à estratosfera, gerando reações negativas dos agentes econômicos, os efeitos colaterais começam a aparecer e a situação tende a se degringolar de vez, como se viu no governo Dilma. Mas, como o interesse de Lula com tudo isso parece ser o de garantir sua reeleição em 2026, talvez dê para ele ir empurrando o problema com a barriga até lá, para tentar se manter no poder.
Pressões inflacionárias
Talvez o maior sinal dos males que os anabolizantes já estão provocando na economia seja o fato de o Banco Central ter sido obrigado a reverter a queda dos juros que estava em curso, para conter as pressões inflacionárias geradas pelo volume de despesas a descoberto feitos pelo governo, que tem procurado colocar uma série de gastos fora dos limites do arcabouço, como se, com isso, melhorasse efetivamente a situação das contas públicas. Até o futuro presidente do Banco Central, Gabriel Galípolo, indicado pelo próprio Lula para o cargo, tem dito que a taxa de juros terá de continuar sua escalada para fazer frente às pressões inflacionárias geradas pela política fiscal do governo.
Outro sinal evidente do aumento artificial do PIB é a taxa de investimento do País, que garante as bases para o crescimento sustentável, continua na faixa de 17% a 18% do PIB, que é um nível ainda muito baixo. Isso mostra que esse crescimento não está baseado no aumento de produtividade, que é a forma saudável de impulsionar o desenvolvimento do País, e sim no aumento de despesas sem lastro do governo.
Sem argumentos sensatos para justificar o descontrole dos gastos e o rombo monumental nas contas públicas, o governo tem procurado terceirizar a responsabilidade pela gastança, ao jogar nas costas de seu antecessor parte significativa da responsabilidade, reciclando a velha falácia da “herança maldita” usada contra FHC no primeiro mandato de Lula. Agora, no entanto, como aconteceu lá atrás, os números não sustentam a versão oficial, embora ela se propague por aí em ritmo acelerado.
Narrativa favorável
De acordo com integrantes da equipe econômica do ex-ministro Paulo Guedes, as pendências deixadas pelo governo Bolsonaro, ficaram em torno de R$ 30 bilhões, compostos principalmente pela parte dos precatórios de 2022 que foi rolada para 2027. Um estudo realizado pelos economistas Marcos Mendes, Samuel Pessôa e Alexandre Manoel, que compara as heranças deixadas pelos governos Dilma, Temer e Bolsonaro, mostra que as pendências deixadas pelo ex-presidente Bolsonaro (resultado fiscal estrutural menos gastos “encobertos”) foram até menores, de 0,2% do PIB ou cerca de R$ 20 bilhões. É, portanto, à irresponsabilidade fiscal do próprio governo Lula que se deve atribuir a gastança – e a ninguém mais, por mais que o governo tente impulsionar uma narrativa que lhe seja favorável.
Como mostra o passado recente, aumentar o PIB com anabolizantes é fácil. O problema são os males que eles causam ao País depois, exigindo um esforço hercúleo para recolocar as contas públicas em ordem e penalizando de forma cruel a sociedade com a retração da economia. Mas Lula, como o corredor que chega na frente numa corrida com uso de esteroides, prefere celebrar a vitória momentânea, colocando no peito a medalha de ouro, a batalhar duro para vencer a prova com as finanças públicas equilibradas e a adoção de medidas que levem ao crescimento sustentável da economia.
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