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O outro lado do noticiário

Opinião | Crescimento do PIB com ‘anabolizantes’ é fácil; o problema são os males que eles causam depois

Lula e seus aliados celebram melhora na atividade econômica, mas resultado deve ser mais um ‘voo de galinha’, fruto da gastança sem lastro promovida pelo governo, e deixar uma conta salgada a ser paga por quem for assumir a presidência em 2027 e por todos os brasileiros

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Atualização:

A divulgação do crescimento de 0,9% no PIB (Produto Interno Bruto) do terceiro trimestre do ano, com alta acumulada de 3,3% nos últimos 12 meses em relação ao mesmo período de 2023, foi motivo de júbilo para o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e sua tropa de choque.

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O resultado, segundo Lula e seus aliados, seria uma prova de que o governo está no caminho certo com sua política econômica, centrada na gastança sem lastro, déficits fiscais recorrentes, aumento de impostos e dívida pública em alta. Indicaria também que “o mercado”, ah, o mercado, esse ente abstrato contra o qual tanto se esbraveja, quer “ajudar a afundar o Brasil”, nas palavras da ministra do Planejamento, Simone Tebet, ao turbinar o dólar e os juros futuros, fechando os olhos para a realidade empolgante que os números revelam.

A questão, lamento dizer, é que esse crescimento do PIB, recebido com entusiasmo pelo governo e usado por seus “proxis” nas redes sociais para turbinar a versão oficial, não é o que parece. Fruto do uso de anabolizantes, que energizam a economia de forma espúria, ele simplesmente não é sustentável ao longo do tempo, embora no curto prazo até alimente a ilusão de que tudo está indo às mil maravilhas.

Para o Deutsche Bank, que desaconselhou investimentos no Brasil no atual governo, "Lula 3 é Dilma2" Foto: WILTON JUNIOR/Estadão

Como um esportista que faz uso de esteroides proibidos para melhorar sua performance, mas depois sofre problemas no coração, tem de abandonar o esporte e muitas vezes acaba até morrendo de forma precoce, esse crescimento anabolizado do PIB também vai cobrar o seu preço mais adiante, como aconteceu no governo Dilma 2. Com o agravante de que, ao contrário do que ocorre com um esportista, em que só ele paga por seus excessos, a conta na economia, acaba sobrando para todos nós mais adiante, como a gente sabe bem.

Desde a transição de governo, antes mesmo de tomar posse, em janeiro do ano passado, Lula tem feito uso daquele que é, provavelmente, o anabolizante mais letal para a economia: a gastança sem lastro, de forma recorrente e crescente, com reflexos nocivos na dívida pública, nos juros e nas expectativas dos agentes econômicos. Com isso, ele vem transformando desde o início o tal do arcabouço fiscal criado pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, com apoio do Congresso, numa peça de ficção, na qual só os devotos da seita petista – e talvez nem eles – ainda acreditam.

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Lula até procura usar Haddad como uma espécie de porta-voz da responsabilidade fiscal, para lhe servir de contraponto e vender ilusões à sociedade, como se o ministro não estivesse a seu serviço e não tivesse sido indicado, entre todos os outros nomes que o presidente tinha à disposição na época, como seu representante nas eleições de 2018, quando estava no xilindró, impedido de participar do pleito.

Mas, na verdade, Lula e Haddad, que ocupa provavelmente o posto mais importante do governo, são um só e é um equívoco imaginar que o ministro da Fazenda faça qualquer coisa que não esteja de acordo com as ideias do chefe. Ambos trabalham para colocar de pé a agenda econômica do PT e retomar a trilha seguida por Dilma – esboçada já no governo Lula 2 –, que gastou como se não houvesse amanhã e deixou como saldo a maior recessão de que se tem notícia em todos os tempos, com uma queda acumulada de 7% no PIB em 2015 e 2016.

O governo até está tentando “dourar a pílula”, ao anunciar um pacote de corte de gastos. O pacote, porém, praticamente não prevê corte de despesas e ainda propõe a criação de novos impostos, além de conferir uma isenção bilionária para quem ganha até R$ 5 mil por mês. Por isso, gerou uma enorme frustação no mercado financeiro, que se refletiu na deterioração dramática das expectativas. Não por acaso o Deutsche Bank apontou em relatório divulgado nesta semana que o governo “Lula 3 é Dilma 2″ e desaconselhou o investimento no Brasil a seus clientes no momento.

Segundo cálculos feitos por analistas independentes, o Tesouro aumentou os gastos em nada menos que R$ 345 bilhões, em termos reais (descontada a inflação), só no primeiro ano do atual mandato de Lula, em relação ao último ano do governo Bolsonaro – uma “pedrada” equivalente a cerca de 3,2% do PIB, levando-se em conta que o indicador foi de R$ 10,9 trilhões em 2023.

Curto prazo

Em 2024, o ritmo de expansão de gastos diminuiu um pouco, mas a previsão ainda é de um déficit de cerca de 60 bilhões, equivalente a 0,5% do PIB, conforme as projeções dos economistas dos bancos, compiladas pelo Banco Central no Boletim Focus. Se tal previsão for confirmada, a expansão de gastos do governo Lula nos dois primeiros anos passará dos R$ 400 bilhões em termos nominais, um número que dispensa comentários.

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Com o aumento desenfreado dos gastos, a dívida pública federal, que estava roçando os R$ 6 trilhões no fim de 2022, o equivalente 50,4% do PIB, de R$ 10,1 trilhões na época, já passa dos R$ 7 trilhões. E a previsão é que ela feche 2024 perto dos R$ 7,4 trilhões, em torno de 65% do PIB, estimado em R$ 11,4 trilhões no fim deste ano. O aumento significativo da dívida federal deverá contribuir de maneira decisiva para a elevação do endividamento bruto do setor público consolidado (DBGG) no País, que ultrapassou os R$ 9 trilhões pela primeira vez na história no fim de novembro, incluindo operações compromissadas do Banco Central, o INSS, as estatais e as pendências dos Estados e municípios, chegando perto de 80% do PIB.

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Na economia, em geral, o uso de anabolizantes como a realização de gastos sem lastro para turbinar o nível de atividade e o PIB, tende a promover melhoras no curto prazo. Só que depois, como a gastança não é sustentável, porque os déficits nas contas públicas e o nível de endividamento vão à estratosfera, gerando reações negativas dos agentes econômicos, os efeitos colaterais começam a aparecer e a situação tende a se degringolar de vez, como se viu no governo Dilma. Mas, como o interesse de Lula com tudo isso parece ser o de garantir sua reeleição em 2026, talvez dê para ele ir empurrando o problema com a barriga até lá, para tentar se manter no poder.

Pressões inflacionárias

Talvez o maior sinal dos males que os anabolizantes já estão provocando na economia seja o fato de o Banco Central ter sido obrigado a reverter a queda dos juros que estava em curso, para conter as pressões inflacionárias geradas pelo volume de despesas a descoberto feitos pelo governo, que tem procurado colocar uma série de gastos fora dos limites do arcabouço, como se, com isso, melhorasse efetivamente a situação das contas públicas. Até o futuro presidente do Banco Central, Gabriel Galípolo, indicado pelo próprio Lula para o cargo, tem dito que a taxa de juros terá de continuar sua escalada para fazer frente às pressões inflacionárias geradas pela política fiscal do governo.

Outro sinal evidente do aumento artificial do PIB é a taxa de investimento do País, que garante as bases para o crescimento sustentável, continua na faixa de 17% a 18% do PIB, que é um nível ainda muito baixo. Isso mostra que esse crescimento não está baseado no aumento de produtividade, que é a forma saudável de impulsionar o desenvolvimento do País, e sim no aumento de despesas sem lastro do governo.

Sem argumentos sensatos para justificar o descontrole dos gastos e o rombo monumental nas contas públicas, o governo tem procurado terceirizar a responsabilidade pela gastança, ao jogar nas costas de seu antecessor parte significativa da responsabilidade, reciclando a velha falácia da “herança maldita” usada contra FHC no primeiro mandato de Lula. Agora, no entanto, como aconteceu lá atrás, os números não sustentam a versão oficial, embora ela se propague por aí em ritmo acelerado.

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Narrativa favorável

De acordo com integrantes da equipe econômica do ex-ministro Paulo Guedes, as pendências deixadas pelo governo Bolsonaro, ficaram em torno de R$ 30 bilhões, compostos principalmente pela parte dos precatórios de 2022 que foi rolada para 2027. Um estudo realizado pelos economistas Marcos Mendes, Samuel Pessôa e Alexandre Manoel, que compara as heranças deixadas pelos governos Dilma, Temer e Bolsonaro, mostra que as pendências deixadas pelo ex-presidente Bolsonaro (resultado fiscal estrutural menos gastos “encobertos”) foram até menores, de 0,2% do PIB ou cerca de R$ 20 bilhões. É, portanto, à irresponsabilidade fiscal do próprio governo Lula que se deve atribuir a gastança – e a ninguém mais, por mais que o governo tente impulsionar uma narrativa que lhe seja favorável.

Como mostra o passado recente, aumentar o PIB com anabolizantes é fácil. O problema são os males que eles causam ao País depois, exigindo um esforço hercúleo para recolocar as contas públicas em ordem e penalizando de forma cruel a sociedade com a retração da economia. Mas Lula, como o corredor que chega na frente numa corrida com uso de esteroides, prefere celebrar a vitória momentânea, colocando no peito a medalha de ouro, a batalhar duro para vencer a prova com as finanças públicas equilibradas e a adoção de medidas que levem ao crescimento sustentável da economia.

Opinião por José Fucs

É repórter especial do Estadão. Jornalista desde 1983, foi repórter especial e editor de Economia da revista Época, editor-chefe da revista Pequenas Empresas & Grandes Negócios, editor-executivo da Exame e repórter do Estadão, da Gazeta Mercantil e da Folha. Leia publicações anteriores a 18/4/23 em www.estadao.com.br/politica/blog-do-fucs/

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