A operação-hospital articulada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva para viabilizar a concessão à Argentina de uma linha de crédito do Novo Banco de Desenvolvimento (NDB, na sigla em inglês), mais conhecido como Banco dos Brics, enfrenta forte resistência de países do bloco, segundo apurou o Estadão, e dificilmente será concretizada.
Disposto a fazer “qualquer sacrifício” para ajudar o governo peronista de Alberto Fernández, obrigado a impor um rígido controle das importações devido ao baixo nível das reservas cambiais do país, estimadas em apenas US$ 2 bilhões, Lula deu para a ex-presidente Dilma Rousseff, atual comandante do banco, a missão de garantir o “papagaio”.
A ideia seria anunciar o negócio já na próxima reunião anual de governadores do banco, marcada para os dias 30 e 31 deste mês, em Xangai, da qual devem participar o ministro da Economia argentino, Sergio Massa, a convite da China, e o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, além dos representantes dos demais sócios da instituição.
O problema, para o negócio sair, é que não basta apenas que a Argentina seja admitida como sócia do banco. Como Lula já sabe, é preciso também realizar uma alteração no estatuto da instituição, já que o NDB foi criado para financiar projetos de infraestrutura para os países associados e não para conceder empréstimos de liquidez a terceiros, como ele quer.
É até possível que a Argentina seja admitida de forma acelerada como integrante do banco, atropelando o rito normalmente cumprido para a admissão de novos sócios. Desde a sua fundação em 2015 pelos Brics, grupo formado por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul, outros países foram admitidos no NDB, como Egito, Emirados Árabes Unidos, Bangladesh e Uruguai. Mas parece improvável no momento, de acordo com as informações obtidas pelo Estadão, que a mudança no estatuto seja aprovada para permitir a liberação do empréstimo para a Argentina.
Até porque, se o estatuto for alterado e a operação for realizada, o papel original do banco será completamente desvirtuado. Além disso, será aberto um precedente que poderá levar a novos pedidos do gênero por outros integrantes da instituição para salvar países vizinhos. A Índia, por exemplo, poderá se sentir no direito de pedir um crédito para o Sri Lanka, e a África do Sul, para o Zimbábue, que também passam por dificuldades financeiras. Até a China, que vem concedendo bilhões de dólares em empréstimos governamentais a países em desenvolvimento nos últimos anos, poderá querer realizá-los por meio do NDB daqui para a frente, para pulverizar o (altíssimo) risco das operações.
Agora, caso a proposta de mudança do estatuto realmente não prospere, a alternativa ventilada por Lula seria a concessão de garantias dos países membros do NDB para operações de comércio exterior da Argentina com empresas brasileiras. A manobra, porém, também parece difícil de ser concretizada.
Para viabilizá-la, cada país do grupo precisaria oferecer uma parcela das garantias necessárias e, no caso do Brasil, o dinheiro teria de sair do mesmo “bolo” destinado à concessão de garantias do Tesouro Nacional para operações de crédito de Estados e municípios no exterior. Em outras palavras, o governo teria de repassar para outro país parte das garantias reservadas aos entes da Federação, o que teria um efeito político devastador internamente. A operação ainda daria ao Brasil uma vantagem competitiva nas exportações para a Argentina, o que também parece algo difícil de ser aceito pelos demais países, que também realizam negócios bilionários com o vizinho brasileiro.
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No fim, o mais provável, para não deixar a Argentina de pires na mão, é que a China considere a liberação, ela própria, isoladamente, de uma ajuda direta ao país, mas mediante a exigência de contrapartidas, como o uso de parte do dinheiro para pagamento de importações de produtos chineses.
Como se pode observar, a tentativa de colocar o Banco dos Brics – e a diplomacia e a estrutura de Estado brasileiras – a serviço da Argentina revela, de forma emblemática, a visão distorcida de Lula e de seus aliados a respeito da governança da instituição, para tentar ajudar o “governo amigo” de Fernández.
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