A decisão da Petrobras de investir até R$ 8 bilhões para promover a ampliação da Refinaria Abreu e Lima, em Pernambuco, celebrada de forma entusiasmada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, simboliza com perfeição a viagem no “túnel do tempo” que o atual governo está empreendendo, para ressuscitar um passado que deixou um saldo doloroso para o País.
Como uma espécie de “trem-fantasma”, que assombra a oposição e todos os brasileiros que zelam pela responsabilidade fiscal e acreditam na força do setor privado para conduzir o processo de desenvolvimento, Lula vem tentando retomar, desde o primeiro dia de seu governo, uma série de planos e projetos adotados em gestões anteriores do PT, ancorados na visão estatista que predominou naquele período.
Ao mesmo tempo, ele tem se oposto a tudo o que veio depois do impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff, em 2016, para reequilibrar as finanças públicas e melhorar a governança das estatais, violentadas nos governos petistas, e para tornar mais amigável o ambiente de negócios para os empreendedores.
Do uso de estatais como a Petrobras para tentar impulsionar a fórceps o crescimento econômico às investidas para interferir na gestão de empresas privadas como a Vale; da retomada do PAC (Programa de Aceleração do Crescimento) e dos incentivos do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) à gastança sem lastro que jogou o País na maior recessão de que se tem notícia em todos os tempos, que prejudicou principalmente os mais pobres, a lista de ações do governo Lula para resgatar projetos malsucedidos do passado parece não ter fim.
Isso sem falar na tentativa de promover um “revogaço” das medidas liberalizantes e de melhoria da gestão pública adotadas nos governos Temer e Bolsonaro, como a autonomia do Banco Central, a Lei das Estatais, o novo marco do saneamento, que tornou mais atraentes a realização de investimentos na área pelo iniciativa privada, e a privatização da Eletrobras. Até a Ceitec (Centro Nacional de Tecnologia Eletrônica Avançada), uma empresa criada no segundo mandato de Lula para fabricar circuitos integrados, que estava em processo de extinção e só deu prejuízo desde então, ganhou uma sobrevida na atual gestão.
“O PT e a maioria das lideranças do partido e da esquerda não admitem que as políticas adotadas lá atrás foram a causa da grande recessão de 2014 a 2016
Marcos Mendes
Como diz o economista Marcos Mendes, pesquisador associado do Insper, uma escola de negócios, direito e engenharia de São Paulo, Lula, o PT e seus aliados parecem ser incapazes de aprender com seus erros, ignorando os efeitos nefastos que produziram na economia. “O PT e a maioria das lideranças do partido e da esquerda não admitem que as políticas adotadas lá atrás foram a causa da grande recessão de 2014 a 2016″, afirmou Mendes, em entrevista ao Estadão. “Eles acham que tudo estava indo muito bem e que foi a Lava Jato, o processo de impeachment, alguma coisa no campo político que atrapalhou o projeto deles. É natural, portanto, que, ao voltar ao poder, retomem aquelas políticas que eles acreditam que estavam indo bem.”
Em linha com o que diz Mendes, é sintomático que Lula tenha acusado a Lava Jato, sem quaisquer provas, de ter agido em conluio com o governo americano para prejudicar a estatal petrolífera brasileira, no discurso que fez ao anunciar a retomada dos investimentos em Abreu e Lima, um exemplo emblemático da aplicação inadequada de recursos públicos e de corrupção nos governos petistas.
‘Mancomunação’
“Tudo o que aconteceu neste país foi uma mancomunação entre alguns juízes, alguns procuradores subordinados ao Departamento de Justiça dos Estados Unidos, que nunca aceitou o Brasil ter uma empresa como a Petrobras”, disse Lula, desconsiderando que os crimes apurados pela Lava Jato jamais foram contestados, apesar dos “problemas processuais” que levaram o STF (Supremo Tribunal Federal) a tirá-lo do xilindró e a anular decisões judiciais tomadas no âmbito da operação, que recuperou cerca de R$ 5 bilhões para os cofres públicos do País.
Em sua ofensiva para ressuscitar as malfadadas políticas do passado, tema de uma reportagem recente do jornal Financial Times, Lula e o PT “se esquecem” também de que, desde que Dilma foi defenestrada pelo Congresso pelas “pedaladas fiscais” que promoveu, numa iniciativa considerada até hoje como um “golpe” pelo partido e por seus apoiadores, o Brasil já não é o mesmo das primeiras administrações petistas.
Hoje, o governo enfrenta dificuldades no Congresso para tocar os seus planos estatizantes, apesar do fisiologismo de boa parte dos parlamentares, que reforça as características perdulárias do presidente. Ainda que avalize o aumento de gastos sem lastro proposto por Lula, a maioria dos parlamentares da atual legislatura é de centro, centro-direita e direita, e não tem se mostrado disposta até agora a apoiar o “revogaço” proposto pelo governo.
Foi assim, por exemplo, com as tentativas de revogar o novo marco do saneamento e a medida que liberava o trabalho aos domingos no comércio. Foi assim também com as propostas para rever a autonomia do Banco Central e a privatização da Eletrobras, ventiladas nos bastidores e rejeitadas pelo presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira.
Margem de manobra
“A principal reforma que o Congresso brasileiro vai ter que brigar diariamente (para implementar) é a reforma de não deixar retroceder tudo o que já foi aprovado no Brasil no sentido da amplitude do que é mais liberal” afirmou Lira, em maio do ano passado, ao participar de evento em Nova York com lideranças empresarias e investidores estrangeiros.
O problema é que, mesmo assim, o governo ainda tem uma margem de manobra considerável para reviver políticas nocivas, independentemente do aval do Congresso, como no caso do investimento da Petrobras em Abreu e Lima e da possível ida do ex-ministro da Fazenda Guido Mantega para o Conselho de Administração da Vale, com o objetivo de interferir nos rumos da empresa.
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Além disso, o governo aposta no apoio do STF para legitimar sua agenda, com decisões favoráveis a seus pleitos em questões como a privatização da Eletrobras e a revisão da Lei das Estatais, que foram judicializadas pelo PT e por seus aliados, o que pode contribuir para agravar o quadro sinistro que já está se desenhando no horizonte.
Eleito com um discurso voltado para a “pacificação” do País, por um frentão “pela democracia” que incluiu forças que iam da extrema esquerda à centro-direita, Lula até o momento só atuou para reforçar a polarização política e impor a velha agenda estatista do PT à sociedade, como se tivesse vencido as eleições com uma chapa “puro-sangue”.
Forças alienígenas
Sua determinação em ressuscitar planos e projetos do passado e rever medidas adotadas nos governos Temer e Bolsonaro é um aviso inequívoco, para quem ainda tinha alguma dúvida, de que Lula, o PT e seus aliados não estão nem um pouco preocupados com que o que pensam sobre o assunto as forças alienígenas que “fizeram o L” no pleito de 2022.
Pelo que já se vê em pouco mais de um ano de governo, o discurso de campanha de Lula foi apenas isso – discurso de campanha, para enganar os incautos e voltar ao poder. Agora, porém, “a Inês é morta’, como se diz por aí. Aos brasileiros descontentes com os rumos do governo, aí incluídos aqueles que votaram e os que não votaram em Lula, só resta esperar que o Congresso continue a minimizar os danos do flashback do presidente, no que for possível, e se preparar para enfrentar o que seu trem-fantasma nos reserva pela frente.
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