A decisão do presidente Lula de convocar os ministros das áreas que serão diretamente atingidas pelas medidas de corte de gastos, propostas pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, e sua equipe, não é a estratégia normalmente adotada em uma democracia presidencialista.
Em países presidencialistas, diante de uma crise em determinado setor, o presidente da República convoca o ministro da área, pede que ele formule os programas necessários para resolver a crise e, após aprová-los, convoca os outros ministros cujas áreas serão atingidas para anunciar as políticas que serão adotadas para que eles não tomem conhecimento dos programas pela imprensa, o que seria uma indelicadeza.
Ao decidir convocar os ministros envolvidos para discutir as propostas, o presidente Lula da Silva abriu uma caixa de Pandora que será difícil de ser fechada sem custos relevantes para o próprio presidente e para o governo. Em primeiro lugar, mostra perda de poder decisório do presidente diante de sua base política e parlamentar. Alguns ministros chegaram a ameaçar se demitir caso não fossem consultados.
O Partido dos Trabalhadores (PT) assinou um manifesto dos movimentos sociais com críticas às propostas de ajuste fiscal defendidas pelo ministro da Fazenda, forçando a presidente do PT, Gleisi Hoffmann, a declarar que “o manifesto que o PT assinou é contra as pressões indevidas do mercado e sua mídia sobre o governo do presidente Lula, com objetivo de cortar políticas e programas sociais. Não é e nunca foi contra a equipe econômica ou seus ministros”.
Leia também
O episódio mostra a indecisão do presidente sobre como enfrentar a crise e indica perda de confiança na equipe econômica, em especial no seu ministro da Fazenda.
A comparação com o início do primeiro mandato do presidente Lula é sugestiva. Em 2003, o ministro Antonio Palocci intensificou o ajuste fiscal e implementou uma reforma da previdência. Alguns parlamentares do PT votaram contra as propostas, foram expulsos do partido e formaram o PSOL.
A decisão do ministro da Fazenda de cancelar a viagem que faria à Europa para tratar de “problemas domésticos” foi interpretada pelos investidores como um indicador de urgência para resolver os problemas, o que gerou arrefecimento das pressões negativas sobre os preços dos ativos.
Entretanto, com a persistência das negociações e os vários adiamentos no anúncio das medidas, o ceticismo voltou a dominar o cenário, fazendo com que os preços dos ativos fizessem o caminho de volta: dólar a R$ 5,80, juros futuros acima de 13% ao ano e Ibovespa abaixo de 128 mil pontos. Esse é o custo da indecisão para o País.
Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.