Chefe de pesquisa macroeconômica para América Latina do BNP Paribas, Fernanda Guardado diz que a taxa básica de juros terá de ir a 12,75% ao ano para que o Banco Central consiga levar a inflação à meta de 3% “em meados de 2026″. Na revisão de cenário divulgada na semana passada, o banco passou a prever quatro altas seguidas de 0,50 ponto porcentual na Selic.
“Já há bastante tempo, projetamos que o Banco Central, nessa reunião de novembro, vai acelerar o ritmo para 0,50 ponto porcentual”, diz Fernanda, ex-diretora do BC. “Acreditamos que eles vão fazer isso em novembro e em dezembro para garantir, com esse ritmo um pouco mais forte, que a política monetária aja no tempo hábil para trazer a inflação de volta para a meta em meados de 2026. Nós víamos que o ciclo continuaria até março. E nós ainda vemos. Mas agora esperamos que esse ritmo de 0,50 se repita também em janeiro e em março.”
Na projeção do BNP, a Selic chegará a 12,75% em março de 2025 e permanecerá nesse patamar até a reunião de dezembro, quando haverá um corte de 0,50 ponto porcentual, encerrando o ano em 12,25%.
Hoje, a Selic está em 10,75% ao ano. Em seu último encontro, o Comitê de Política Monetária (Copom) promoveu uma alta de 0,25 ponto porcentual - foi o primeiro aumento do terceiro mandato do governo Lula.
Sobre a incerteza fiscal que contribuiu para a piora dos ativos brasileiros nas últimas semanas, Fernanda vê com bons olhos a possibilidade de a equipe econômica anunciar um pacote de contenção de gastos. “Se o governo, de fato, anunciar um pacote nesse sentido, acho que tem o potencial para diminuir um pouco essa desconfiança em relação ao futuro da política fiscal”, afirma.
A seguir trechos da entrevista concedida ao Estadão.
Como a sra. analisa a economia brasileira no atual momento? O crescimento surpreende, mas os ativos estão bastante deteriorados.
A economia tem apresentado um dinamismo surpreendente. Começamos 2024 com uma projeção de crescimento de 2% e revisamos para 3%. Este é o quarto ano consecutivo, em que não apenas nós, mas a maior parte dos analistas econômicos - e até o próprio Banco Central - está revisando para cima as projeções. Os indicadores mais recentes que temos recebido mostram que esse dinamismo persiste. É uma notícia muito positiva ver o Brasil crescendo dessa maneira, mas há um lado preocupante, porque é um crescimento que se dá acima do potencial de crescimento da economia. E isso tem o potencial de manter acesos os riscos inflacionários.
E a preocupação com a questão fiscal e a expectativa pelas medidas de corte de gastos?
De fato, os riscos em relação ao cumprimento das metas fiscais, principalmente para 2025 e 2026, têm impactado negativamente os preços de ativos. Não são apenas as dúvidas em relação ao atingimento da meta, mas as diversas notícias e iniciativas que foram observadas nas últimas semanas que trabalhavam no sentido de maiores gastos, em um ambiente em que as metas fiscais são vistas como bastante desafiadoras e a trajetória da dívida/PIB também é muito desafiadora. Todas as notícias que traziam novas propostas de gastos - meritórias ou não - acabavam tendo esse impacto muito negativo na precificação dos ativos e na própria curva de juros do mercado, por conta desse questionamento sobre se haveria ou não alguma consolidação fiscal no horizonte.
Vale lembrar que, quando a gente fala de ativos de mercado, não é só o câmbio. Falamos também, principalmente, da curva de juros, que tem um impacto muito relevante no custo da dívida pública. Então, quando essas notícias fiscais impactam negativamente a curva de juros, fazendo com que juros cobrados em diversos horizontes futuros fiquem mais caros, isso significa que o Tesouro também está tendo de se financiar mais caro. É sempre importante ressaltar como esses impactos não se restringem só ao câmbio. Eles têm um impacto direto no endividamento público.
E o governo consegue cumprir a meta fiscal deste ano?
Em 2024, o governo se aproxima da banda inferior. Ainda temos dúvidas se eles atingirão a banda inferior da meta fiscal, mas, para o ano que vem, nós vemos um cenário bastante desafiador.
Por quê?
Nós acreditamos que a arrecadação será mais baixa do que aquela que foi enviada no Orçamento. Além disso, não está claro se a meta de poupança do governo com a contenção de fraudes vai de fato se verificar naquele tamanho. Por isso, essa notícia de um anúncio de um ajuste fiscal (o governo estuda limitar as principais despesas do Orçamento a um crescimento real de 2,5% ao ano) vai ser muito bem-vinda. Se o governo, de fato, anunciar um pacote nesse sentido, acho que tem o potencial para diminuir um pouco essa desconfiança em relação ao futuro da política fiscal. É importante ver iniciativas nesse sentido, da contenção do crescimento dos gastos, principalmente quando se observa que algumas linhas do Orçamento, como a de gastos obrigatórios, têm crescido bastante acima da inflação.
Mas há algum tipo de exagero na reação do mercado? Vimos, por exemplo, os juros futuros subindo a patamares muito elevados.
É sempre difícil fazer essa avaliação sobre se os prêmios estão excessivos ou não. Os prêmios vão refletir a aversão maior ou menor ao risco que as pessoas que financiam a dívida pública estão dispostas a correr. Então, diante desse cenário em que ocorreram diversas propostas e iniciativas de maiores gastos, já num ambiente de percepção de que a dívida pública vai crescer de forma muito forte, é de se esperar que haja um aumento do prêmio pedido para horizontes mais longos na dívida pública. É o que é. O mercado é o que é.
E como fica o Banco Central nessa história? Quais serão os próximos passos?
Já há bastante tempo, projetamos que o Banco Central, nessa reunião de novembro, vai acelerar o ritmo para 0,50 ponto porcentual. Acreditamos que eles vão fazer isso em novembro e em dezembro para garantir, com esse ritmo um pouco mais forte, que a política monetária aja no tempo hábil para trazer a inflação de volta para a meta em meados de 2026. Nós víamos que o ciclo continuaria até março. E nós ainda vemos. Mas agora esperamos que esse ritmo de 0,50 se repita também em janeiro e em março. Portanto, nós estamos revisando para cima a nossa Selic final para 12,75%.
Isso é suficiente para trazer a inflação para a meta em meados de 2026?
Isso, no terceiro trimestre de 2026. No modelo, é suficiente. Mas, agora, sempre há condicionantes importantes por trás dessa projeção. Uma das condicionantes é que se parte do nível atual de câmbio, sem depreciações adicionais, além do que é o usual para esse tipo de exercício. Não vemos notícias positivas para o Banco Central até o final do ano, com a grande exceção do possível anúncio do pacote de contenção de gastos. No início do ano, se tivermos o real um pouco mais confortável, pode trazer algum conforto para o Banco Central com a trajetória da inflação. Mas nós vamos precisar, por exemplo, ver a inflação corrente, de fato, vindo para um patamar mais baixo, para que, por exemplo, o (relatório) Focus comece a diminuir as expectativas mais longas. Como temos revisado para cima a projeção de inflação de curto prazo, eu acredito que esse tipo de notícia só vai acontecer lá em 2025, por isso, eu acho que o Banco Central vai precisar subir os juros em todo o primeiro trimestre do ano que vem.
E como fica o cenário de inflação?
Temos uma inflação de 4,7% em 2024 e 4% em 2025. Para 2026, temos uma diminuição, e a inflação converge para meta de 3%, condicional a esse ciclo de juros que acabei mencionar.
Qual será o impacto da Selic mais alta na atividade?
Nós temos 2% (de crescimento) do PIB no ano que vem. Mesmo jogando a Selic para cima, não estamos revisando para baixo o nosso PIB, em parte por conta da força dos dados que estão vindo no terceiro trimestre. Vai haver uma moderação do crescimento para próximo de 2%.
O que explica a surpresa inflacionária deste ano?
São vários fatores. Tivemos a estiagem, com impacto nos dados de alimentação, de energia elétrica. O real, de fato, teve uma depreciação ao longo do ano de mais de 15%, e isso certamente não ajudou. Quando observamos a abertura do IPCA, algumas das fontes de desinflação de 2023 ficavam para trás. Bens industriais voltaram a reacelerar, alimentos voltaram a acelerar e um grande segmento, que é serviços, parou de cair. A inflação de serviços atingiu um platô desde janeiro do qual não saiu. Tem sido um segmento muito inercial e dificilmente vai quebrar esse platô de inflação para baixo se considerar que o mercado de trabalho está aquecido. Os dados da Pnad ainda mostraram ganhos de rendimento real expressivos na comparação interanual e criação de vagas. Os indicadores de alta frequência de serviços apontam que o segmento segue bem. Há fundamentos que sustentam essa inflação de serviços suportada entre 4,5% e 5%. Ou seja, nós precisamos ver, de fato, uma desaceleração da atividade no segmento (de serviços) para que essa inflação possa ceder um pouco mais. E eu acredito que isso só vai acontecer no ano que vem.
E quais são os primeiros sinais do Galípolo, já confirmado como o próximo presidente do BC?
Eu acho que o Gabriel tem consciência do desafio que tem pela frente para trazer a inflação em direção à meta. Ele também tem consciência da importância de trazer a inflação para a meta de 3% e que esse é o objetivo primordial do Banco Central. Ele tem falado isso. Ele sabe que há uma desancoragem das expectativas e que tem algumas causas por trás disso, mas eu vejo que ele está bastante convicto da necessidade de, através de suas ações, mostrar o compromisso que tem com a meta. Ele votou pelo início do ciclo de altas. Acredito que nós teremos uma decisão unânime a favor de uma alta de 0,50 ponto porcentual nas próximas duas reuniões - e ele é uma parte relevante dessa unanimidade.
No cenário externo, quais serão os próximos passos do Fed?
O banco acredita que o Fed (Federal Reserve, banco central dos EUA) vai cortar os juros em 0,25 ponto porcentual nas próximas reuniões, e temos uma Fed Funds (taxas de juros) de 3,25% no final do ano que vem. É um Fed que vai se aproximar da taxa de juros neutra, mas ainda existem alguns riscos que o Fed vai ter de se deparar e observar se essa última milha da inflação vai, de fato, continuar de uma forma linear ou não. Por exemplo, no Brasil, a gente observou como, após uma desinflação bastante acentuada, a inflação atingiu um platô. Esse é um risco para os Estados Unidos. Os dados que saíram do CPI dão um pouco essa sensação de que a melhora no núcleo de inflação parou - a se observar nos próximos dados.
Pela frente, também há uma mudança de governo. Vai ser importante observar nos próximos meses como o candidato que vencer a eleição se posicionará em relação aos seus próximos passos na política fiscal, para isso dar clareza ao próprio Fed. Mas eu ainda adicionaria que, no caminho do Fed, temos tensões geopolíticas e uma economia bastante saudável, o que faz com que a necessidade de ser cauteloso daqui para frente seja maior.
Um eventual governo do Trump seria mais inflacionário?
O nosso time de mercados avançados fez um exercício bastante interessante. O banco não tem um posicionamento sobre um ou outro candidato. O que nós temos é um exercício para tentar entender qual seria o impacto de uma das propostas do candidato republicano em relação às tarifas. Olhando para esse exercício, se houvesse um aumento das tarifas como proposto, teríamos um impacto inflacionário relevante nos Estados Unidos. Consequentemente, o banco central americano seria obrigado a reagir a esse aumento inflacionário, e isso acabaria levando a um impacto baixista no PIB.
No cenário externo, há também uma preocupação com a China?
A China também preocupa, porque é o nosso maior mercado consumidor. A fraqueza da China, possivelmente, implica em queda nos preços das commodities que exportamos. E isso, de uma certa maneira, é uma menor sustentação para o real e uma menor renda para essas áreas que são expostas à China. Temos visto movimentos mais recentes do governo chinês na tentativa de reavivar, principalmente, o consumidor chinês. Ainda não está claro o quanto de sucesso eles conseguirão com essa estratégia, mas isso ajuda a limitar um pouco a deterioração que se observava.
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