BRASÍLIA – A Justiça Federal do Amazonas obrigou a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) a “aprovar imediatamente” a proposta da Âmbar Energia, empresa do grupo J&F, dos irmãos Joesley e Wesley Batista, de assumir o controle da Amazonas Energia, distribuidora do Estado.
A decisão foi publicada nesta segunda-feira, 23, no momento em que a agência reguladora se preparava para a possibilidade de decretar uma intervenção na companhia amazonense.
A Aneel informou que aguarda a notificação para dar cumprimento à decisão judicial. A agência ainda poderá recorrer. A Âmbar defendeu o plano apresentado, mas não comentou o conteúdo da determinação judicial. A Amazonas Energia e o Ministério de Minas e Energia não se pronunciaram.
A decisão liminar, assinada pela juíza Jaiza Maria Pinto Fraxe, foi dada em atendimento a um pedido da Amazonas Energia. Além de determinar que a agência aceite o plano na forma apresentada pela empresa, dando um prazo de 48 horas para o cumprimento, a juíza mandou o órgão regulador efetivar a conversão dos contratos da distribuidora já em vigor em Contratos de Energia de Reserva (CER), que repassam o custo para a conta de luz dos consumidores brasileiros. Os dois processos estão em análise da Aneel após abertura de consulta pública.
A empresa fez uma oferta pela Amazonas Energia após ser beneficiada pelo governo Lula com uma medida provisória (MP) que socorre o caixa da distribuidora e repassa o custo para a conta de luz dos consumidores brasileiros por até 15 anos. A medida não deve ser votada pelo Congresso e perde a validade no dia 10 de outubro, não gerando os benefícios autorizados pelo Executivo e aumentando as chances de uma intervenção. A proposta dos irmãos Batista tem um custo estimado R$ 15,8 bilhões para os consumidores, sendo que o ideal seriam R$ 8 bilhões, de acordo com a área técnica da Aneel.
De acordo com a juíza, a falta de uma decisão sobre o controle da Amazonas Energia. prejudica os interesses dos consumidores de energia elétrica no Amazonas, que enfrentam constantes quedas de energia e perda de aparelhos eletrônicos.
“O que efetivamente existe nos autos é a existência de um diploma legal com data de expiração próxima, qual seja 12 de outubro de 2024 (o prazo publicado pelo Congresso Nacional é 10 de outubro), sobre o qual a agência reguladora se encontra em mora de cumprimento. O risco de dano irreversível é inegável, tanto que já foi proferida decisão judicial acerca do assunto e até a presente data se encontra sem efetivo cumprimento”, diz a liminar, citando decisão anterior, proferida em agosto, que obrigou a Aneel a regulamentar a MP.
Aneel apontou problemas em proposta dos irmãos Batista e planejava intervenção na Amazonas Energia
Antes da decisão judicial, a possibilidade de intervenção era tratada como real pela cúpula da Aneel e representaria um revés para os irmãos Batista, que têm interesse em assumir o empreendimento, e para o governo Lula, que aposta na transferência de controle da companhia. O processo deve ser tratado pela diretoria da agência reguladora na semana que vem.
Diretores e técnicos do órgão identificaram riscos no plano apresentado pela Âmbar Energia. Pelo menos três autoridades foram cotadas e sondadas como possíveis interventores pela diretoria da Aneel nos bastidores, segundo apurou a reportagem: os superintendente da Aneel Ivo Sechi Nazareno e Júlio César Rezende Ferraz e o assessor da diretoria-geral da Aneel Leandro Caixeta Moreira. Procurados, os três não se manifestaram.
A intervenção poderia ser decretada caso o plano da Âmbar fosse rejeitado ou caso a empresa não concordasse com as exigências da Aneel. Nesse cenário, o interventor é responsável por gerir toda a companhia, nomear pessoas e apresentar um plano de trabalho exigido pela agência reguladora. Além disso, o governo fica autorizado a decretar caducidade da atual concessão, derrubando o atual contrato de administração da distribuidora, que está nas mãos da Oliveira Energia desde 2018.
O Ministério de Minas e Energia calcula um custo de R$ 4 bilhões para sanear o caixa da companhia caso o governo tenha que assumir o controle da distribuidora, fora uma indenização de R$ 2,7 bilhões para a concessionária atual, uma dívida de R$ 10 bilhões e todos os gastos futuros que a União teria que arcar. A Amazonas é uma empresa deficitária e enfrenta uma série de problemas regulatórios, dívidas e perdas financeiras.
Em agosto, conforme o Estadão antecipou, a área técnica da Aneel concluiu que a Âmbar não demonstrou capacidade técnica em distribuição de energia, que é o negócio da distribuidora, e apontou que a proposta dos irmãos Batista gera um custo de R$ 15,8 bilhões para a conta de luz, sendo que o ideal seriam R$ 8 bilhões, com impacto menor para o consumidor e maiores exigências para a companhia.
A agência abriu uma consulta pública para dar uma decisão final. No âmbito do processo e em conversa com representantes da Aneel, a empresa dos irmãos Batista insistiu no plano apresentado inicialmente. O ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, por sua vez, pressionou a agência reguladora a aceitar a transferência do controle (leia mais abaixo).
Técnicos e diretores da Aneel ainda permanecem com uma avaliação negativa sobre a proposta: gera custos altos para o consumidor, não resolve o problema da distribuição de energia no Amazonas e carece de compromissos maiores. O processo deve voltar à pauta do órgão na semana que vem.
No âmbito dos custos, as divergências giram em torno das metas e dos prazos para resolver os problemas da Amazonas Energia bancados pelos consumidores, entre eles as perdas não técnicas, ou seja, o furto de energia, conhecido como “gato”. O índice de perdas é calculado em 119,8%, gerando mais custos do que faturamento. O nível considerado adequado pela Aneel é de 68%. Pelo plano da Âmbar, o índice aceitável só seria atingido em 2038, de acordo com nota técnica da Aneel, que sugeriu uma mudança para 2033.
Há também um impasse sobre as dívidas da Amazonas Energia, calculadas em R$ 10 bilhões. Ao apresentar o plano, a Âmbar propôs fazer um aporte de capital na companhia para solucionar o endividamento até o fim do ano. A empresa comprou usinas termelétricas da Eletrobras que têm dívidas a receber da Amazonas Energia. Se assumir a companhia, ela seria, ao mesmo tempo, a devedora e a credora.
A área técnica da Aneel sugeriu fixar um prazo até o dia 31 de dezembro de 2024 para a resolução. Na fase de consulta pública, porém, a Âmbar discordou do prazo e propôs resolver o endividamento em até 15 anos, ancorada nas flexibilizações que serão bancadas pelo bolso do consumidor, para possibilitar uma remuneração da operação. Técnicos da Aneel identificaram ilegalidade na proposta de endividamento por não atender aos requisitos da medida provisória.
Ministro Alexandre Silveira pressionou Aneel a transferir controle de distribuidora
O ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, pressionou a agência a aceitar a transferência de controle da distribuidora do Amazonas. Na última quarta-feira, 18, Silveira se reuniu com o diretor-geral da Aneel, Sandoval de Araujo Feitosa Neto, e com a diretora da agência Agnes Maria de Aragão da Costa na sede do MME e cobrou uma solução.
O chefe da pasta tem defendido publicamente a transferência da Amazonas Energia e sugeriu até mesmo uma “intervenção” na Aneel. Em entrevista a jornalistas no dia 28 de agosto, Silveira classificou a transferência de controle da distribuidora como a “melhor solução” e disse que, caso não houver, o ministério vai estudar os cenários de intervenção e caducidade.
“Se por acaso tiver um colapso energético no Amazonas, eu quero saber onde as senhoras e os senhores vão bater: se é na Aneel, se é na empresa que quebrou por falta de cumprir obrigações regulatórias ou se é na porta do governo”, disse. Procurado nesta segunda, 23, para comentar o teor desta reportagem, o ministério não se pronunciou.
No dia 6 de setembro, o presidente da Âmbar, Marcelo Zanatta, e o presidente da Amazonas Energia, Márcio Zimmermann se reuniram com o diretor da Aneel e relator do processo, Ricardo Lavorato Tili, na sede da agência. A empresa dos irmãos Batista reforçou a defesa do plano apresentado por ela sem alteração nos prazos e condições para solucionar a situação financeira da companhia.
A Âmbar sustenta que a proposta apresentada por ela é a única maneira de tornar o negócio lucrativo e ainda resolver os problemas dos consumidores. Procurada pela reportagem, a empresa do grupo J&F defendeu o plano, mas não comentou diretamente a possibilidade de intervenção.
“A Âmbar Energia apresentou um plano de transferência de controle da Amazonas Energia que demonstra sua capacidade técnica e econômica para adequar o serviço de distribuição e que contém as condições necessárias para reverter a histórica inviabilidade econômica da distribuidora”, disse a companhia.
A empresa argumentou que, se não houver a transferência de controle, a União assumiria as operações e todos os contribuintes pagariam pelos custos. “O plano proposto busca evitar a repetição de condições que não foram capazes de solucionar o problema, garantir a segurança energética para os consumidores do Estado do Amazonas e benefícios para os consumidores de todo o País”, disse a empresa.
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