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Economista

Opinião | Interferência de Bezos no Washington Post mostra que big techs consideram ter autossuficiência

Dono do jornal desde 2013, bilionário da Amazon participava de reuniões com o conselho editorial sem impor diretrizes, o que mudou recentemente

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Foto do author Laura Karpuska

Ruth Marcus, editora por 40 anos no The Washington Post, deixou o cargo há duas semanas. Em uma coluna na New Yorker, ela explica que tentou permanecer, testando os limites da nova direção, antes de tomar a decisão de sair. Mas o ponto de ruptura veio quando a direção do jornal vetou uma coluna sua criticando a mudança na linha editorial do Post, que passou a priorizar artigos sobre “mercados livres e liberdades individuais” e a evitar publicações que questionassem esses princípios. Para Ruth, essa nova orientação comprometia a independência do jornal e transformava sua linha editorial em um instrumento de interesses políticos e empresariais.

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Curiosamente, essa interferência direta é um contraste com a postura que Jeff Bezos manteve durante anos. Quando comprou o Washington Post, em 2013, ele prometeu que os valores do jornal não mudariam. Durante a primeira administração Trump, não apenas manteve distância da linha editorial como apoiou a expansão da equipe política e a cobertura crítica ao governo. Segundo Ruth, Bezos participava de reuniões com o conselho editorial e se mostrava engajado nos debates, mas sem impor diretrizes. E nunca tentou influenciar o conteúdo de editoriais ou colunas de opinião.

Mas, o que aconteceu com Bezos? O empresário, que em seu primeiro embate com Donald Trump processou o governo americano e investiu no Washington Post, parece ter mudado de estratégia. Segundo o Financial Times, Bezos está protegendo seus interesses, especialmente os contratos bilionários da Amazon e da Blue Origin com o governo federal. Além disso, fontes próximas apontam que ele se ressentiu da postura do Partido Democrata em relação às big techs, especialmente das investigações antitruste conduzidas pelo governo Biden. Com Trump de volta ao poder, Bezos parece ter adotado uma abordagem pragmática: neutralizar riscos e garantir que seu império continue intocado.

Bezos participava de reuniões com o conselho editorial e se mostrava engajado nos debates, mas sem impor diretrizes até recentemente Foto: Michael M. Santiago/AFP

Mas por que agora? O Post sobreviveu a escândalos, guerras e governos hostis. A Amazon cresceu em meio a regulamentações cada vez mais rígidas. O que fez com que, de repente, fosse necessário abandonar o jornalismo independente para preservar o império?

Mudou também quem está no poder e como quem está no poder se comporta. Talvez seja por que as big techs estejam começando a se enxergar como autossuficientes – confiantes de que seus algoritmos, sua escala e sua influência podem substituir as mediações tradicionais da política e da imprensa. Se for esse o caso, Bezos não está apenas protegendo seus negócios. Ele está apostando em um novo equilíbrio de forças.

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Opinião por Laura Karpuska

Professora do Insper, Ph.D. em Economia pela Universidade de Nova York em Stony Brook

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