A confiança no governo não está das melhores no mundo. Não é um fenômeno novo. A pesquisa anual do Instituto Pew Research revela que, há décadas, os norte-americanos têm perdido a fé na capacidade de seus líderes de governar pensando no bem comum. A decepção se alimenta de crises econômicas, do consumo desenfreado de notícias enviesadas nas redes sociais, de uma inundação de fake news e do conhecimento de malfeitos de políticos corruptos e comprometidos com pequenos grupos de interesse. A incapacidade dos partidos políticos de seguir uma agenda que verdadeiramente considere a vida das pessoas comuns apenas agrava a situação.
Donald Trump é um fruto desse solo fértil para o populismo. Sua ascensão não é um acaso, mas sim uma expressão de um ambiente político exaurido. As eleições norte-americanas se tornaram um espetáculo digno de novela. O candidato oposicionista sofreu um atentado, com tiros e mortes de apoiadores, gerando imagens que são uma metáfora cruel da realidade fragmentada do país. O presidente, exibindo sinais de senilidade, decidiu não concorrer à reeleição, e sua vice, Kamala Harris, foi alçada para assumir a candidatura antes mesmo da convenção do Partido Democrata em agosto.
Os defensores dessa decisão alegam urgência: cada dia perdido na campanha contra Trump, um candidato que só ganhou mais apoio após o atentado, pode ser fatal. No entanto, ao atropelar o rito da convenção, o Partido Democrata arrisca reforçar a percepção de que a política partidária é um jogo distante da vida real. A pressa em substituir um candidato debilitado reflete um desdém pelos processos democráticos, fundamentais para manter a confiança do público.
Essa atitude oligárquica da política, como bem categorizou um colega, pode ser uma das razões pelas quais as pessoas perdem a confiança no governo. Partidos vivem uma realidade distante do eleitorado, na qual decisões sobre candidaturas e políticas públicas são tomadas esquecendo-se do eleitor.
Para restaurar a confiança no governo, os partidos políticos precisam se reconectar com as verdadeiras preocupações do povo, ao invés de se perder em agendas capturadas ou alienantes — algo, aliás, que o Partido Democrata já fez e pode continuar fazendo com Harris. Buscar entender o que o eleitor norte-americano precisa, pensar e fomentar um candidato que capture esses ideais é a única maneira de fechar a brecha por onde o populismo se infiltra.
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