Piso de cimento, grandes janelas de vidro com moldura de madeira, materiais dos mais diversos, um projetor para crianças brincarem com formas e cores projetadas em uma grande parede branca. A sala de aula da escola de elite em São Paulo dava para dois pátios: um menor, com brinquedos de água, e outro maior, onde as crianças poderiam interagir umas com as outras e com a natureza.
Na sala, uma reunião de pais com coordenadoras e professoras para apresentar a escola. A proposta de ensino é explicada. As professoras se orgulham de que a dinâmica das salas é inspirada pela própria curiosidade das crianças. “Estávamos trabalhando a cor preta, e uma criança notou que o feijão feito pela funcionária da casa coloria a água em que ficava de molho.” Suspiros e balanços de cabeça de aprovação entre todos.
A pauta de inclusão e diversidade, “importantíssima para a escola”, é mencionada. Ao explicar o programa de bolsas, uma coordenadora reforça que ele vem sendo muito bem-sucedido, mas que houve limitação da área de cobertura das crianças. “Famílias que moram muito longe daqui não tinham como de fato trazer as crianças, era impraticável.”
Visitar uma escola de elite em São Paulo traz sentimentos contraditórios. A estrutura e o zelo pedagógico impressionam. A desconexão com a realidade, preocupa. É difícil não sair de uma visita dessas se perguntando: por que apenas um grupo muito pequeno de crianças no Brasil merece tudo isso?
A Folha publicou recentemente uma matéria que ressalta que a lei de cotas pode ter estimulado a migração de crianças das escolas privadas para públicas. A matéria comenta artigo de minha colega de profissão e de escola, Ursula Mello. O tom escolhido pela jornalista foi negativo, ressaltando que famílias de renda média acabam se beneficiando mais.
Mesmo com esta migração, o número de crianças em escolas privadas foi crescente nas últimas décadas. Passamos de 14% do total de alunos matriculados no ensino básico para 19% em 2019, segundo os dados da Sinopses Estatísticas da Educação Básica. Isso significa que, nesse período, mais famílias optaram por gastar, em média, 6% da sua renda com educação, segundo dados da Pesquisa Orçamentária Familiar. Os brasileiros sentem mais no bolso o tamanho do Estado, mas optam por usar menos o serviço público que é fornecido.
Se mais pessoas optarem pela escola pública, devemos comemorar. O que é público não é de graça. Devemos fomentar mecanismos de monitoramento da qualidade dos serviços públicos. Mecanismos que são mais fracos quando as elites não usufruem desses serviços. Uma elite isolada é ruim para todos.
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