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Economista

Opinião|Maconha: estamos longe de uma mudança no tratamento legal do uso de drogas recreativas

STF descriminalizou o porte de cannabis, mas decisão é problemática e não diferencia quem consome de quem vende

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Foto do author Laura Karpuska

“Apenas diga não.” Nancy Reagan, vestida com um tailleur preto e branco, botões quadrados e dourados, combinando com um colar de ouro espesso, dizia aos americanos nos anos 80 que era apenas dizer não às drogas. “A emoção pode matar” e “diga não às drogas, e sim à vida” eram outras frases de efeito usadas na guerra do presidente americano Ronald Reagan contra as drogas. Em um vídeo, a primeira-dama aparecia ao lado do astro de Hollywood Clint Eastwood, que dizia: “Se você for em frente e experimentar, não será por ignorância, mas por estupidez”.

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O programa parece não ter funcionado. Alguns dizem que pode ter sido um tiro que saiu pela culatra, especialmente por colocar o usuário como um “outro” distante e estúpido. O debate sobre o uso de drogas ainda é socialmente pouco maduro. O peso moral do uso e o foco nas externalidades negativas parecem ofuscar o mais importante. As pessoas usam drogas apesar de, em alguma medida e mesmo trazendo muitos benefícios, elas fazerem mal. Isso vale para aquela tacinha de vinho durante o jantar também.

Nesta semana, o Supremo Tribunal Federal formou maioria para descriminalizar o porte de maconha. Um limite de 40 gramas foi colocado como o divisor entre o consumidor e o traficante. Muitos comemoram a decisão. É um passo na direção de aumentar as liberdades individuais das pessoas no que diz respeito à sua própria escolha sobre seu corpo e talvez uma forma de evitar que a população pobre continue sendo presa por pequenas quantidades transportadas de droga – o que não é muito claro. Mas a decisão é problemática.

STF descriminalizou porte de maconha até 40 gramas em julgamento nesta semana Foto: WILTON JUNIOR / ESTADÃO

Ela amplifica uma diferença entre o usuário de maconha e o de outras drogas. O usuário de outras drogas permanece criminalizado. Mais importante é que a produção de maconha ainda é ilegal. A lei ainda vai diferenciar quem consome de quem vende. Estamos longe de uma mudança fundamental no tratamento legal do uso de drogas recreativas. O problema com o tráfico permanece e pode se acentuar nesse cenário. Como o usuário não criminoso consome sua droga se quem vende é um criminoso?

Mas a decisão trouxe algo muito importante: o debate sobre a maconha e sobre as pessoas usarem drogas recreativas – lícitas ou ilícitas. Talvez até mesmo Nancy Reagan tenha ajudado, sem saber, nesse debate. As pessoas já dizem sim para as drogas. Cabe a nós, socialmente, reduzir as externalidades do uso, como o crime organizado e problemas de saúde pública gerados pelo uso exacerbado de drogas. Tudo isso será mais facilmente feito se caminharmos para mais e mais legalização.

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Opinião por Laura Karpuska

Professora do Insper, Ph.D. em Economia pela Universidade de Nova York em Stony Brook

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