A economia normativa prevê que um país se endivide em tempos de vacas magras e pague sua dívida em tempos de vacas gordas. Na prática, essa lógica raramente se aplica. Para os políticos, quase nunca é tempo de economizar, apenas de gastar.
A carga tributária brasileira está em torno de 33% do PIB, próxima do patamar médio de países da OCDE. Contudo, a qualidade dos serviços públicos oferecidos é inferior. Existe, portanto, uma preocupação legítima com a eficiência dos gastos públicos brasileiros. Ainda assim, grande parte do debate sobre gastos se concentra no “quanto gastar”, ou seja, no tamanho do Estado que se deseja, deixando de lado a reflexão sobre o papel que queremos que o Estado exerça.
O Brasil é também um dos países com o sistema tributário mais regressivo do mundo, marcado pela alta dependência de impostos sobre o consumo e um Imposto de Renda pouco progressivo, com baixa tributação sobre os mais ricos. Taxamos um montante considerável do que produzimos, gastamos mal e taxamos de forma injusta. O debate precisa incluir três dimensões: quanto se gasta, como se gasta e qual a fonte da arrecadação.
Nesta semana, o governo anunciou um pacote de cortes de gastos com medidas para limitar o crescimento de despesas obrigatórias, alinhar os gastos ao novo arcabouço fiscal e reforçar a chamada “justiça tributária”. Porém, o anúncio gerou frustrações. Quem espera austeridade fiscal aponta a falta de clareza sobre a efetividade das medidas. Quem busca um Estado mais justo também se decepcionou: as propostas incluem isenção de IR para quem ganha até R$ 5 mil e um aumento modesto na tributação dos mais ricos, além de uma menção vaga sobre taxação de dividendos.
Reformas no Brasil, como bem dizia um colega, acabam virando “balaios de gato”: uma colcha de retalhos que disfarça intenções, evita desagradar a grupos de interesse e avança de forma tímida em agendas essenciais.
Se o governo quer, de fato, enfrentar desigualdades e melhorar o ambiente fiscal, por que não propor uma reforma tributária verdadeiramente progressiva? Uma que alie justiça social a uma gestão mais eficiente dos recursos públicos, garantindo que o Brasil faça melhor com o que já arrecada. Talvez, com receio de ser “punido pelo mercado”, o governo perca a oportunidade de apresentar uma agenda clara de justiça social.
Além disso, se há intenção de demonstrar compromisso com a saúde fiscal de longo prazo, por que não revisar salários do funcionalismo de forma menos tímida, cortar subsídios e estabelecer uma regra fiscal mais objetiva e menos sujeita a remendos?
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